CIDADE REPARTIDA
O mistério
das vigas que sumiram
Maurício Pássaro
Novembro/2013
Já analisamos
duas hipóteses: a chance de os usuários de crack, moradores de rua da região,
terem derretido aquelas barras faraônicas de ferro, com seus isqueiros
potentes, sem contar que fez um calorão na cidade, na época, e só isso já faz
amolecer o metal. A outra é mais complexa, envolve muitas variantes, mas convém
considerar o fato de o seu enredo não se passar de um factoide criado por algum
candidato espertalhão. Há mais duas hipóteses.
HIPÓTESE 3
Fundindo-se as
hipóteses 1 e 2, encontramos a hipótese híbrida de número três. Na verdade,
tudo na cidade se funde, e a cidade fica toda fundida. E isso se estende a toda
população, que passa a se sentir igualmente fundida e mal paga.
A oficina O
Vigarista encobre uma célula de terrorismo internacional, e sua missão no
Brasil é pressionar para que os motoristas da avenida paguem o seguro de seus
carros, assim fazendo quebrar o orçamento das famílias, gerando uma crise
financeira global sem precedentes. O nome O Vigarista foi dado justamente para
espantar a freguesia e deixar a equipe de técnicos altamente especializados
trabalhar em paz, na criação de pequenas ogivas nucleares – por eles chamadas,
em código, de “meninas”. Ao celular, o Chefe:
- E aí? Como vão
as meninas?
- As meninas
estão ótimas, Chefe. Robustas e coradas.
- Ótimo.
O Ilusionista
especializou-se em fazer dinheiro desaparecer. No início, eram dois, cinco, até
dez reais, na plateia. Depois, fez palestras e consultorias à rede de empresas da
Madre Teresa Construções & Conchavos S/A – onde sumiu com trezentos
milhões, mas fez aparecer o triplo, dias depois, e tudo bem, a empresa reagiu
bem ao baque. Então, logo apareceu gente
convidando para o Ilusionista ingressar no partido, candidatar-se. Pensaram em
criar o Partido da Ilusão – a ideia não prosperou. Venceu a bordo de uma
coligação com duzentos e oitenta partidos, apertado, mas venceu. Cada partido
tinha direito a um flash, coisa modesta, pouco menos que meio segundo de
propaganda na televisão, de modo que conseguiu se aprofundar no complexo tema
de sua plataforma. Eleito, sumiu com setenta por cento do orçamento previsto
para a Saúde.
Levou as vigas
para O Vigarista, ninguém realmente sabe explicar que truque usou. Agentes da
NSA, entretanto, receberam informações privilegiadas de que a oficina anda
enriquecendo urânio, no terreno baldio atrás da oficina, adicionando
refrigerante quente. Também já se sabe que as vigas estão sendo utilizadas para
a construção de um acelerador de partículas. A ONU trabalha a hipótese de uma
intervenção na Avenida Brasil.
HIPÓTESE 4
A carrocinha do
ferro-velho. Ninguém pensou na carrocinha, e a verdade dos fatos não raro
habita as coisas evidentes. Na carroça, um senhor com uma aparência de uns
oitenta e oito anos, chicoteando o pangaré malhado, e gritando
“Ferro-velhôôôô!...” Todo mundo ligado no jogo de futebol, no Maraca, e o
ferro-velho do velho passou e levou as vigas. Chegou ao seu barraco, no morro
do Jacaré Molhado e guardou as vigas ao lado de umas chapas de aço que
conseguiu pegar quando a estação espacial americana Skylab caiu dos céus, no
ano de 1979. Contava então com doze anos de idade. Depois que ele começou a
manipular os restos da carcaça, sua pele reagiu estranhamente ressecando um
pouco.
O ferro-velho
enriquece, e o velho compra sessenta por cento das ações da Madre Teresa
Construções & Conchavos S/A. Ano seguinte, o velho candidata-se a prefeito
e vence, usando o slogan “Quem com ferro fere com ferro ferirá sempre”. E
convoca o ilusionista para ocupar o cargo de Secretário de Finanças.
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