sexta-feira, 1 de novembro de 2013

CJDADE REPARTIDA II






 


 
CIDADE REPARTIDA
O mistério das vigas que sumiram
                  Maurício Pássaro
                  Novembro/2013
 
Já analisamos duas hipóteses: a chance de os usuários de crack, moradores de rua da região, terem derretido aquelas barras faraônicas de ferro, com seus isqueiros potentes, sem contar que fez um calorão na cidade, na época, e só isso já faz amolecer o metal. A outra é mais complexa, envolve muitas variantes, mas convém considerar o fato de o seu enredo não se passar de um factoide criado por algum candidato espertalhão. Há mais duas hipóteses.
 
HIPÓTESE 3
 
Fundindo-se as hipóteses 1 e 2, encontramos a hipótese híbrida de número três. Na verdade, tudo na cidade se funde, e a cidade fica toda fundida. E isso se estende a toda população, que passa a se sentir igualmente fundida e mal paga.
 
A oficina O Vigarista encobre uma célula de terrorismo internacional, e sua missão no Brasil é pressionar para que os motoristas da avenida paguem o seguro de seus carros, assim fazendo quebrar o orçamento das famílias, gerando uma crise financeira global sem precedentes. O nome O Vigarista foi dado justamente para espantar a freguesia e deixar a equipe de técnicos altamente especializados trabalhar em paz, na criação de pequenas ogivas nucleares – por eles chamadas, em código, de “meninas”. Ao celular, o Chefe:
 
- E aí? Como vão as meninas?
- As meninas estão ótimas, Chefe. Robustas e coradas.
- Ótimo.
 
O Ilusionista especializou-se em fazer dinheiro desaparecer. No início, eram dois, cinco, até dez reais, na plateia. Depois, fez palestras e consultorias à rede de empresas da Madre Teresa Construções & Conchavos S/A – onde sumiu com trezentos milhões, mas fez aparecer o triplo, dias depois, e tudo bem, a empresa reagiu bem ao baque.  Então, logo apareceu gente convidando para o Ilusionista ingressar no partido, candidatar-se. Pensaram em criar o Partido da Ilusão – a ideia não prosperou. Venceu a bordo de uma coligação com duzentos e oitenta partidos, apertado, mas venceu. Cada partido tinha direito a um flash, coisa modesta, pouco menos que meio segundo de propaganda na televisão, de modo que conseguiu se aprofundar no complexo tema de sua plataforma. Eleito, sumiu com setenta por cento do orçamento previsto para a Saúde.
 
Levou as vigas para O Vigarista, ninguém realmente sabe explicar que truque usou. Agentes da NSA, entretanto, receberam informações privilegiadas de que a oficina anda enriquecendo urânio, no terreno baldio atrás da oficina, adicionando refrigerante quente. Também já se sabe que as vigas estão sendo utilizadas para a construção de um acelerador de partículas. A ONU trabalha a hipótese de uma intervenção na Avenida Brasil.
 
HIPÓTESE 4
 
A carrocinha do ferro-velho. Ninguém pensou na carrocinha, e a verdade dos fatos não raro habita as coisas evidentes. Na carroça, um senhor com uma aparência de uns oitenta e oito anos, chicoteando o pangaré malhado, e gritando “Ferro-velhôôôô!...” Todo mundo ligado no jogo de futebol, no Maraca, e o ferro-velho do velho passou e levou as vigas. Chegou ao seu barraco, no morro do Jacaré Molhado e guardou as vigas ao lado de umas chapas de aço que conseguiu pegar quando a estação espacial americana Skylab caiu dos céus, no ano de 1979. Contava então com doze anos de idade. Depois que ele começou a manipular os restos da carcaça, sua pele reagiu estranhamente ressecando um pouco.
 
O ferro-velho enriquece, e o velho compra sessenta por cento das ações da Madre Teresa Construções & Conchavos S/A. Ano seguinte, o velho candidata-se a prefeito e vence, usando o slogan “Quem com ferro fere com ferro ferirá sempre”. E convoca o ilusionista para ocupar o cargo de Secretário de Finanças.
 
 
 
 

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