quinta-feira, 31 de outubro de 2013

CIDADE REPARTIDA




  • Cidade Repartida O mistério das vigas que sumiram
    Como todos devem saber, seis vigas desapareceram das obras da Perimetral, no Rio. As peças mediam quarenta metros de comprimento por sessenta centímetros de largura. Algo que pode ser visto do espaço, por habitantes de Órion. Significa um prejuízo, calculado por especialistas, em mais de cem mil reais. Talvez a concessionária, já responsabilizada pelo atual prefeito, diante de milhões, quiçá bilhões, em contrato com a prefeitura, tenha desprezado essa migalhinha de, vá lá, cem ou cento e vinte mil reais, e por isso bobeou na vigilância.

    Entretanto, pouco se aprofundou no assunto, que agora vai sendo esquecido, afinal já se passaram três semanas. Depois que implodirem a Perimetral, depois que aquela parte da cidade sofrer a sua esperada intervenção paisagística, ninguém mais vai querer saber de viga. Então, para não deixar no esquecimento, eu pensei em quatro hipóteses bem plausíveis, e convido ao leitor que me acompanhe e faça o seu próprio julgamento.

    HIPÓTESE 1

    As vigas foram levadas pelos cracudos da região. Como dizem alguns espíritas, as cracolândias nada mais são que a invasão do umbral sobre a superfície da Terra, uma população de mortos-vivos, almas perdidas que vieram vagar pela cidade maravilhosa, nessa época purgativa de pré-copa, pré-olimpíadas, pré-campanha eleitoral.

    Os cracudos derreteram as vigas usando isqueiros, que são muitos. Derreteram e transportaram o ferro líquido, em suas canecas de fumar crack. Enquanto autoridades achavam que elas estavam apenas se drogando e se matando, estavam na verdade transportando o material. Uma logística incrível! Aproximadamente cinco mil cracudos atravessaram a Avenida Brasil, em fileira, discretamente, sem serem notados.

    E as vigas viraram algumas centenas de armas, metralhadoras, fuzis e munição pesada, tudo forjado a martelo e bigorna, atrás da oficina mecânica O Vigarista. O dono da oficina não sabia por que nenhum freguês jamais pôs os pés ali, desde quando foi aberta. Quando botou o nome, achou que o público iria fazer o link de “vigarista” com “viga”, isto é, passar a ideia de que o seu serviço deixa o automóvel sólido como uma viga de ferro. Não funcionou. Mas, os cracudos entenderam o sinal. É uma hipótese bem contundente.

    HIPÓTESE 2

    As vigas não sumiram. Ou pelo menos, ainda não. Vou explicar. Trata-se da atuação de um ilusionista a serviço do malfeito, uma pena. Desses que fazem desaparecer aeronaves dentro de um hangar. Sumir com as vigas foi molezinha. Truque de espelhos – sacou? Porém, o mais espantoso nem é isso, mas o que está por trás!

    Surgirá, de repente, do nada, um candidato a prefeito que ninguém esperava. É tudo programado com o ilusionista e patrocinado pela empreiteira Madre Teresa Construções & Conchavos S/A. Será num domingo. Preste atenção. Um helicóptero estilizado nas cores verde e amarela sobrevoa a Perimetral e dele desce o candidato a prefeito, aquele que ninguém nunca esperava. Ele desce por uma escada de corda, ele é um sujeito muito esportista e olímpico. A multidão embaixo de binóculos nas mãos e tal, uma sensação. Então, para grande espasmo dos presentes, o candidato (ninguém o esperava) pousa sobre o nada, isso, o nada. Ele está segurando uma tocha. O fogo simboliza o esporte, as olimpíadas, e começa a andar no ar, como houvesse uma ponte invisível, ligando a rodoviária a um prédio, mais à frente. E a multidão:

    - Oooooooooohhhhhh...!!

    O candidato caminha sobre o invisível, simbolizando a caminhada do espírito pelo universo inefável e todo o drama cósmico do nada que há no tudo, compreendem? Ele para no meio do nada, ergue a tocha:

    - Oooooooooohhhhhh...!!

    E aí: tan-ran! O ilusionista surge e faz as vigas aparecerem sob os pés do candidato. A população se extasia diante daquilo. Espelhos, truque de espelhos. E:

    - Oooooooooohhhhhh...!!

    Músicos de orquestra, usando discretíssimos ternos verde-amarelos, com gravata branca e sapatos azuis, aparecem do nada, no meio da multidão e começam a tocar o Trenzinho Caipira, de Heitor Villa-Lobos. O violoncelista se complica na descida de um meio-fio, cai sobre o instrumento, fraturando uma costela e amassando uma carrocinha de pipoca, mas deu tudo certo.

    Chegam as eleições, o candidato vence. Seu primeiro ato, assim que empossado prefeito: aluga uma frota de caminhões e carrega as vigas para sua fazenda, no interior do país. O segundo ato é aumentar o IPTU da população, para pagar as dívidas de campanha. E o povo:

    - Oooooooooohhhhhh...!!

    Ninguém esperava. Ninguém.

    Maurício Pássaro
    www.acolunadoservidor.com

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