domingo, 10 de novembro de 2013

SORRIA, VOCÊ ESTÁ...



    




SORRIA, VOCÊ ESTÁ...
Confissões de um espião democrático

Ninguém desconfia que sou espião. Mas, sou um espião democrático. Trabalho como X-9 universal, levando informações de todos os governos para todos os governos. Tenho um sotaque diferente, irreconhecível. A pronúncia do meu “s” é de Minas Gerais, o meu “q” é ucraniano – e isso já é o bastante para despistar a maioria das agências de espionag...em.

Assange e Snowden receberam mensagens anônimas com pistas sobre a armação do Obama, e dali tudo se degringolou. Eu lhe pergunto: quem enviou a eles os e-mails, usando um nome-fake? Os dois acabaram levando o crédito, saindo como heróis. Bom, pelo menos, para mim mantiveram o anonimato, resguardaram a fonte. Não precisei ir buscar emprego na Rússia.

Não tem segredo. A fórmula para o meu sucesso é conhecer bastante gente. Principalmente os botecos da cidade. Foi numa birosca, área rural de Mato Grosso, que fiquei sabendo do plano sórdido de invasão da Síria, muito antes da própria imprensa americana. Jogando sinuca com um pessoal da pesada, um sujeito bebeu demais e começou a falar em dialeto eslavo meridional do século XVI. No começo, eu não entendia nada. Até que bebi como ele e passei a entender perfeitamente. Conheci lá um remador de canoas russo que recitava Shakespeare, desde que consumisse uma caixa de vodca antes. E havia testemunhas que, bebendo muito também, passavam a entender o remador russo e seu complicado inglês do século XV. Depois de certa hora da madrugada, qualquer um que entrasse naquela birosca já chegava citando Shakespeare, era incrível.

Sou o espião mais procurado do mundo e também o mais conhecido entre os países. Cada um achando que eu trabalho exclusivamente pra ele. Trabalho exclusivamente para todos. Meu salário original, do meu país de origem (esqueci qual é) não estava muito bom, aí tive que fazer bicos, em países vizinhos, até dar a volta ao mundo. Quando vi, já estava trabalhando para todos. Fiquei democrático por força do ofício.

Fui eu que enviei e-mails fake para o Snowden e o Assange. Como já misturava as gramáticas e todos os sotaques do mundo, enviei-lhes uma mensagem meio truncada, mas acho que entenderam. Eu escrevi Heil, manos, get out of this parade! (Ei, irmãos, saiam dessa parada!). Sabe aquele slogan que o Obama usou para ganhar as eleições, o Yes, we can? Foi ideia minha. Quer dizer, uma adaptação de uma mensagem que também chegou truncada ao destinatário. Eu dizia algo como Yes, Webcam. Só sei que a partir daí o presidente dos EUA começou com a mania de bisbilhotar o perfil de todo o mundo, horas e horas no computador, não faz outra coisa – dona Michelle, a esposa, que o diga.

Essa larga experiência na multiespionagem legou-me o recurso depurado da ética. Levo com seriedade este ofício. Apliquei-me profundamente no estudo dos idiomas, conheço os dez principais, e também o português. Ainda me adentrei na linguagem dos mudos e surdos.

Na verdade, é com esta linguagem que me comunico, quando tenho que falar diretamente com os presidentes do mundo. Mexo as mãos, faço sinais. Mas, não me entendem. Além de surdos e mudos, são cegos.

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