TERRA EM TRÂNSITO II
TERRA EM TRÂNSITO
Locomovendo-se na caixinha de Pavlov
Como já disse, a solução para o mundo é saber o que fazer com 7 bilhões de habitantes, considerando que em poucas décadas seremos 9 bilhões. Espaço “ocioso” no planeta é o que não falta, mas a sociedade permanece vivendo sob o modelo industrial. As indústrias determinaram um modo de vida coletivo que exigiu a concentração de capital e mão-de-obra, criando formigueiros humanos em torno das famílias econômicas, não raro, nas capitais e nos litorais.
Engarrafamento de cento e cinquenta quilômetros não pode ser normal. Transportes coletivos entregues à sanha do capital não dão conta, e o transporte individual põe o motorista a empenhar um espaço dez vezes maior que ele próprio, sem falar da poluição. O prejuízo coletivo já foi calculado e chega à casa das centenas de milhões de reais. Não pode ser normal.
Estamos nas mãos dos engenheiros de trânsito e daqueles que estabelecem, nos planos de governo, que regiões hão de valer mais, onde poderão circular as vans, onde haverá saída para metrô, etc. Somos estatísticas, números em pranchetas e em gráficos de memórias de cálculo. Não existe votação para escolhermos como gostaríamos de transitar pela cidade, e talvez isto seja uma logística muito além de nossas possibilidades, mas ao menos um plebiscito ou um referendo seriam bem chegados.
É verdade, a engenharia de trânsito tem que fazer milagre para produzir o melhor roteiro possível de fluxo do tráfego. Mas, a própria matemática não esconde o fato de que esse fluxo poderia ser melhor, se não vivêssemos todos amontoados, como ratinhos, numa caixa de Pavlov. O processo de individuação, o tornar-se indivíduo, acaba comprometido. Cada indivíduo precisa de um “espaço aéreo”, assim como cada país tem o seu e é plenamente vigiado.
Você entra no metrô, para fugir da chuva e do trânsito da Perimetral, e encontra mais trinta por cento da população lá, que pensou da mesma forma. E não é difícil pensar igual, vivendo como ratos. Você percebe que é um animal racional – mais animal do que racional – quando a porta do vagão não se fecha porque lá dentro está lotado, e os passageiros nem precisam segurar em nada, para se ficar em pé, quando o trem se movimenta. Se a porta não fechar, os seguranças surgem para dar um delicado empurrãozinho...
Você disfarça, todos disfarçam, buscando nesse estado de compactação forçada encontrar um distanciamento estratégico – se não virtuoso, ao menos virtual – fones no ouvido, livro na mão, olhos fechados. Seu corpo está ali, mas é somente seu corpo. Você está em sua mente e sua mente está muito longe, numa praia deserta, numa rede de balanço, na Suíça, em Marte. Está tão apertado, tão sem espaço, que os corpos não conseguem levar suas mentes para dentro. Sua roupa chegará em casa amassada, com fios de cabelos e perfumes estranhos, e sua mulher, ou seu marido, vai querer saber que estórias são essas.
- Não é nada disso que você está pensando... Eu posso explicar!
- Tenta. Mas, a desculpa do metrô de novo não vai colar...
Maurício Pássaro
www.acolunadoservidor.com
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