CELULARES VI
TÁ LIGADO?
Maurício Pássaro
Outubro/2013
Ele estava sofrendo uma espécie de culpa. Como assim? O negócio de venda de MP3 e pilhas ia de vento em popa. Sua equipe aumentara, franquias começavam a surgir em outras cidades. E embora a concorrência também tenha começado a notar a genialidade do plano, copiando e colando a ideia em sua tela de estratégias, não era esse o motivo da culpa. Tratava-se de um mercado em plena expansão.
Ficou pensando nela. Como assim? Ora, foi devido a seu mau hábito de falar alto, em público, ao celular, que ele teve a ideia do MP3 e das pilhas. Não era justo que usufruísse o lucro exclusivamente, já que a moça participou, mesmo não sabendo, mas participou. Cada aplicação que fazia na bolsa de valores, com os dividendos da atividade, uma leve pontada no peito. Era homem de consciência – pior para ele.
Ela provocara o episódio. Não fosse o seu espírito corajoso, sua memória fantástica para malfeitos, se não fosse a sua mania obsessiva de comunicar receitas de comidas gordurosas, com o claro intuito de fazer os passageiros vomitarem... Ele precisa reconhecer que aquelas viagens torturantes tiveram boa serventia para a sua carreira profissional. O curso de pós-graduação na faculdade teve que ser trancado.
Foi assim que, vendo a moça entrar no veículo, o sentimento de remorso logo se iniciou, fazendo-lhe corroer a alma. À noite, não resistiu e ligou pra ela.
- Oi. Sou eu.
- Eu quem?
- Você sabe.
Ela tinha terminado com o Tatuia (que não era o cachorro, como ele pensara inicialmente) e foi logo dizendo que não queria falar com ninguém, nesse estado triste em que se encontrava. Terminando com ele, aproveitou para acabar com a imagem dele também nas redes sociais, postando fotos comprometedoras.
- Lembra? Você achava que Tatuia era o nome do meu cãozinho.
- Lembro sim. E você não tem cara de quem namoraria um cachorro.
- É? Mas, pensando bem, aquele cretino era um cachorro, sim...
A bateria do celular dele fez sinal de acabar, a conversa caiu de linha. Ele suspirou aliviado, pois a conversa mudava de tom, passando ao setor amplo das cretinices humanas; corria o risco de ser equiparado ao cachorro, quer dizer, ao cão.
E ela passou o resto da noite, não dormiu, sem tirar os olhos e os ouvidos do celular, a ver se aquele número desconhecido tocava de novo.
Maurício Pássaro
www.acolunadoservidor.com
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