CELULARES V
TÁ LIGADO?
Outubro/2013
Maurício Pássaro
 
 
Boa lição­­­­ que ela aprendeu foi não falar mais o número de celular, dentro de ônibus, em alta voz. Um dia lhe anotaram o número, e depois, trote. Não exatamente trote, mas tentativa de reclamação, com resguardo do anonimato. Um senhor, passageiro do coletivo em que estava, anotou o número e ligou depois. Disse a ela apenas que lhe acompanhava constante e diariamente, indo ao trabalho, às vezes na volta. Mas, não descreveu a si mesmo, não se identificou; nenhuma pista. Número desconhecido. Pura covardia.
 
 
Mas, ele achava isso dela também. Covarde e cruel foi a moça quando, sem avisar ou preparar os demais passageiros (fones de ouvido, comprimidos para dor de cabeça, plásticos de vômito) iniciou o curso completo e gratuito sobre a sua vida. Gratuito não, porque custou muito aborrecimento coletivo, e isso não tem preço. Fez triplicar a vendagem de MP3 e pilhas, na barraca de camelô do ponto final. Ao menos, ajudou alguém.
 
Foi aí que teve a grande ideia de vender aparelhinhos e pilhas, dentro do ônibus. É claro, formou equipe convocando cinco camelôs que vendiam balas no entorno do quarteirão. Certo dia, como numa visão do além, ele apareceu aos cinco, estavam reunidos na praça, ao fim do dia, conversando. A luz do sol poente bateu dourada sobre ele, criando uma luminosidade em seu entorno, como se fosse uma aura. Chegou e lhes disse:
 
Esqueçam as balas e me sigam. Vou lhes apresentar o ramo de negócio que vai ser o futuro.
 
E deitou a explicar a estória do sofrimento que passava no coletivo diariamente, onde teve este insight: assim como ele, muitos deveriam passar o mesmo, durante a longa viagem, ouvindo estridentes papagaios-humanos ao celular, que falam ao aparelho, não porque precisam, mas para fazer o tempo passar (ou o tempo voa, ou não passa; não há meio termo).
 
Os meninos começaram vendendo bem. Na primeira viagem, ele mesmo simulou comprar, só para incentivar a venda em meio aos demais passageiros. Combinaram o disfarce. Em seis meses apenas, a equipe faturou o suficiente para disseminar e consolidar o negócio.
 
Dentre os vendedores, uns pensaram em abrir uma loja, mas ele prontamente lhes explicou que tal formato não funcionava mais. É preciso que o MP3 e as pilhas estejam onde houver gente mal educada falando alto, em público. Ou seja, quase em todo lugar. Garantido sucesso de vendas.
 
Maurício Pássaro