CELULARES I
TÁ LIGADO?
Maurício Pássaro
Veríssimo, o Luis Fernando, já nos revelou que faz parte de um grupo seletíssimo, no mundo, que se recusa a usar esse aparelhinho que serve para tanta coisa, inclusive para falar com alguém do outro lado da linha. Somos dezessete – muito poucos, mas e daí?
...
Desproporcional, eu sei. Sem contar que grande parte dos usuários tem mais de um celular. Sem contar que existem os chineses. A luta é grande e consiste em escapar, o quanto possível, da necessidade de carregar o telefone móvel, pra cima e pra baixo, como fossem óculos. Não é fácil. Ele toca em qualquer lugar e quem fala nele, em via pública, esquece que não está em sua própria casa. Cinemas, teatros e reuniões de trabalho – nada escapa.
Ela estava em sua casa, arrumando a bagunça da semana, quando o dito cujo tocou:
- Alô?
- Alô. Você não me conhece, a gente pega o mesmo ônibus quase todos os dias...
- Quê?! Olhe, se for o golpe do sequestro, vou logo dizendo que sou professora da rede pública e não adianta...
- Não é sequestro, não. Eu sempre estou lá, descansando de um dia estressante de trabalho, em minha poltrona, olhando a paisagem na janela, quando o seu celular toca e você fala a viagem inteira. Já ouvi de tudo. Acho que o pior dia foi quando você passava uma receita de fígado de boi batido no liquidificador. O Ônibus se mexia muito, e eu quase pedi para descer, não fosse o meu MP3, em alto volume, e uma técnica de respiração que aprendi no Youtube. Semana passada, você disse, em voz alta, o número de um aparelho, e eu anotei. Agora, estou ligando. Tudo bem com você?
A moça tinha cinco celulares, cada qual com sua respectiva cor, para cada dia da semana. Nos dias inúteis da semana, usava o facebook. Foi o amarelo que tocou, e nele a voz de um estranho. Alguém que anotou o número do celular, enquanto ela se comunicava com outra pessoa. Tremenda falta de educação. Intromissão na vida alheia.
- Falta de educação?! Fala sério! Você fala alto ao celular, conta a sua vida toda, os detalhes, observações íntimas e picantes, enfia nos meus ouvidos um monte de besteira, e eu sou mal educado? Ah...! Passe bem, moça!
- Peraí! Alô...! Alô! O safado desligou. É número de orelhão. Que óóóódiooo...!
Fechou o aparelho e o colocou na poltrona vazia, ao lado. Ficou olhando, pensando, meditando. Se ele tocasse novamente, se fosse o sujeito mal educado insistindo... Ela teria já umas boas palavras para dizer. Absurdo. Onde já se viu?
Maurício Pássaro
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