sábado, 19 de outubro de 2013

CELULARES IV

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Mauricio Pássaro
CELULARES IV
Tá ligado?

Mal a loja abriu, chegou uma senhora, de óculos, carregando chapa de exame médico, num envelope de plástico branco. Dirigiu-se ao balcão dos celulares.
...

- Bom dia.
- Bom dia, senhora. Em que posso ajudar?
- Eu queria um celular para...

O vendedor saltou de uma cadeira, atrás do biombo, pra melhor atender à freguesa.

- Temos todos os tipos, tudo o que a senhora imagina. Esse aqui, por exemplo, faz quase tudo. Até abridor de lata... kkkkkkk... Brincadeirinha. Mas, além de filmar, ele capta as ondas do pensamento. A senhora pode dormir, colocando esse fone especial, e quando acordar, poderá ver o que sonhou, durante a noite.
- Brincadeirinha?
- Não. É sério. Chega a captar até o famoso túnel de luz, aquele que os doentes veem quando estão alucinando, no CTI.
- Hummm...

Não, não era isso o que buscava. Ademais, não estava mais a ficar sonhando com a vida, não após conhecê-la a fundo, não depois de saber um pouco mais sobre a natureza humana.

- Claro, vejo que a senhora deseja algo mais simples. Deixe-me ver... Esse! Tem a tecla FPA – Função de Proteção Aérea. Se por um acaso um meteoro cortar a atmosfera, o aparelho avisa. Antecedência de 72 horas!

A possível compradora olhou o rapaz por cima dos óculos, com cara de “não-é-bem-isso”:

- Não é bem isso...
- Claro, a senhora me perdoe. Temos um modelo aqui... Esse mede a pressão arterial e ainda informa a quantidade de sal ou gordura no organismo. Semana passada, eu vendi três, um médico e duas enfermeiras...

Ela insistia:

- Não é bem isso...

Ele coçou o queixo, olhou a vitrine interna, e já era um olhar de desafio. Sim, aquela senhorinha ali procurava um aparelho especial, diferente. Com certeza, a idade determinava a escolha. Idosos são mais exigentes, já viram quase de tudo nas lojas da vida.

- Não é bem isso, senhora?
- Não é bem isso.
- Eu percebi.

Perder mais de trinta minutos com um cliente apenas é prejuízo – o vendedor tinha lido em algum lugar, um curso que baixou da web. De tudo conseguiu guardar essa lição. A senhora sorriu resignada:

- Deixa, meu filho, deixa pra lá.

O vendedor não sabia, mas tudo o que ele buscava era um celular do tipo que proporciona chamadas telefônicas. Já se dirigia à porta de saída, quando ainda tentou:

- Eu só queria um celular para telefonar e ouvir a voz da minha filha, que está longe. Só pra isso.

Então, o rapaz se desculpou humildemente, respeitando seus cabelos brancos, explicando que o tipo que ela queria estava em falta no mercado, e nem o modelo fabrica mais.



Maurício Pássaro
www.acolunadoservidor.com
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