Edmílson Martins
Sábado, 8 horas da manhã, no centro da cidade, Av. Presidente Vargas, ao lado da igreja da Candelária. Embaixo de marquises de prédios onde funcionam bancos- poderosos agentes do mercado financeiro- crianças, jovens e adultos amontoados no chão, dormindo.
Ia eu passando e de repente um garoto:
- Tio me dá um trocado aí?
- Pra que você quer um trocado?
- Pra tomar um café, tô com fome, tio.
- Olha aqui, o pessoal da prefeitura está tirando os meninos das ruas, certamente, oferecendo uma vida melhor. Não chegaram até você e seus amigos aí?
- É ruim, tio, eles maltratam a gente! Não quero sair daqui não!
- Quem maltrata vocês?
- Esses home do governo, tio.
Aí eu me lembrei do triste episódio ocorrido em 1963, no governo Carlos Lacerda. Com o pretexto de “limpeza” da cidade, muitos mendigos foram retirados das ruas. Vários deles apareceram mortos no Rio da Guarda. Foram colocados dentro de sacos de estopa, amarrados e jogados no rio.
Lembrei-me também que, ali, ao lado da igreja da Candelária, naquele ambiente contraditório de instituições financeiras, que acumulam grandes fortunas, de crianças de ruas que passam fome e dormem ao relento, muitos fatos ocorreram nos últimos 40 anos. Fatos que denunciam muito bem as contradições do modelo de sociedade predominante em nosso país há centenas de anos.
Naquele palco do centro financeiro, foram organizadas, entre 1960/63, grandes greves de bancários, que denunciavam a ganância dos banqueiros, reivindicavam um novo modelo econômico e melhores condições de vida.
Em 1968, ao redor da igreja da Candelária, presenciei a ação da cavalaria do Exército, espancando e pisoteando pessoas que saíam da missa de sétimo dia do estudante Edson Luís do Nascimento, que fora morto pela polícia, na repressão ao Movimento Estudantil.
Em 1993, bem ao lado da igreja, aconteceu a terrível “chacina dos meninos da Candelária”. Oito meninos foram covardemente assassinados pela polícia, enquanto dormiam.
Os tempos mudaram, mas não mudou a realidade. Profundas contradições continuam marcando a nossa sociedade. Hoje, presenciamos, naquele mesmo ambiente financeiro, ao lado da igreja da Candelária, ironicamente, meninos, meninas, jovens e adultos que passam fome e dormem embaixo de marquises de grandes edifícios, onde permanece o mesmo poder econômico que continua determinando o modelo de sociedade em que vivemos: injusto, perverso e excludente. São moradores de rua, que não aceitam ser recolhidos pela prefeitura porque têm medo de que aconteça com eles o mesmo que aconteceu com os mendigos da época do Governo Lacerda.
Triste a sociedade que não confia em seus governantes. Tristes os governantes que não inspiram a confiança dos seus governados.
E o garoto falou:
- É ruim, tio, eles maltratam a gente!
Rio, 14 de janeiro de 2009
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