terça-feira, 15 de setembro de 2009

LEMBRAR É COMBATER, ESQUECER É ADMITIR

Edmilson Martins
Se alguém duvidar do que vou contar, antecipo prudente: “meninos, eu vi”, como disse o velho timbira, do poema de Gonçalves Dias, quando contava aos moços da sua tribo a memória e a bravura do moço guerreiro, do velho tupi.
Foi no dia 31 de março de 1964. O país acordou sentindo um cheiro de enxofre, de coisa ruim no ar. As nuvens negras que no céu surgiam denunciavam o começo de mau tempo, com chuvas, trovoadas, relâmpagos e tempestades. Algo de podre existia no meio das elites civis e militares. Um golpe tinha sido tramado e estava sendo realizado contra o presidente João Goulart e contra o povo brasileiro. A democracia seria gravemente ferida pelos podres poderes.
O país entrava em rebuliço. Tropas nas estradas, quartéis de prontidão, declarações pró e contra o governo, chamada de greve geral, conclamações à resistência, etc. Uma confusão generalizada. Foi um dia de expectativas.
No dia primeiro de abril, tudo estava consumado. Perpetrava-se o hediondo crime contra as liberdades em nosso país. Começava o retardamento da caminhada do povo rumo à libertação. O serviço de meteorologia da opressão anunciava tempo ruim por muitos anos. E assim aconteceu. Instalou-se a ditadura militar.
Era primeiro de abril e tudo parecia uma grande mentira, mas era verdade. Nas ruas estavam tanques, canhões, metralhadoras, fuzis e soldados. O povo, chamado a reagir, não respondeu. A reação ficou por conta das lideranças dos movimentos organizados, que foram para as ruas, mas não resistiram à pressão dos tanques e canos dos canhões, metralhadoras e fuzis.
No Rio de Janeiro, a praça da Cinelândia foi palco de tentativa de resistência. Para lá foram lideranças sindicais, estudantis e de outros movimentos sociais. E como não poderia deixar de acontecer, lá estavam vários representantes da combativa categoria bancária do Rio de Janeiro. Mas aquele movimento de resistência só durou até o momento em que a praça foi cercada por tanques, canhões, fuzis e metralhadoras. Ficaram o grito de indignação, a frustração momentânea e a disposição de resistir de outra maneira, o que ocorreu nos 20 anos seguintes.
Os cristãos, todo ano, por esta época, lembram o cruel assassinado de Jesus Cristo, ocorrido há quase dois mil anos, condenado à morte porque pregava a libertação dos prisioneiros e oprimidos, a restituição da vista aos cegos e anunciava aos pobres a boa nova da liberdade. E apresentava um projeto que previa a construção de uma sociedade nova, justa, fraterna e solidária. Mas os cristãos não só denunciam o crime praticado contra Jesus Cristo. Principalmente, anunciam e comemoram o que vem depois - a vitória da liberdade. A ressurreição torna claros os caminhos da vida e derrota os esquemas que traçam os caminhos da morte. Os opressores pensaram que, com a morte de Cristo, matariam os anseios de liberdade existentes no povo. Enganaram-se. O projeto da sociedade justa lançado por Jesus Cristo permaneceu vivo e a luta pela libertação continuou forte e definitiva.
Assim também é sempre necessário lembrar o que ocorreu em 1964 e refletirmos. Os mesmos interesses que assassinaram Jesus Cristo, crucificaram a democracia e pensaram que os anseios de liberdade do povo brasileiro estavam mortos. Enganaram-se. A vontade de ser livre ressurgiu e a luta continuou. O povo, com sua criatividade, sua coragem e persistência, sua participação nos movimentos populares, nas organizações dos trabalhadores (mesmo reprimidas), nos movimentos da Igreja, nas atividades intelectuais foram pouco a pouco desmontando as estruturas do regime opressor, que, por fim, desmoronou.
Enfrentamos prepotências, experimentamos torturas, mortes e prisões, dormimos no frio chão, sofremos humilhações. Tudo para sermos livres, independentes, donos do nosso destino. Valeu a pena? Lembrando o poeta Fernando Pessoa: “Tudo vale a pena se a alma não é pequena”.
Por fim, essa mancha e página infeliz da nossa História - 0s 20 anos de ditadura militar-, com as “tenebrosas transações”, que tanto prejudicaram o nosso país e o desenvolvimento social do nosso povo, não pode ser uma “passagem desbotada da memória de nossas novas gerações “. Devem estar sempre presentes em nossa memória as graves conseqüências da ditadura, para não permitirmos que nunca mais aquilo aconteça.
Por outro lado, a luta de resistência derrotou a ditadura militar, mas não derrotou ainda a ditadura econômica - dos banqueiros, do mercado de capitais, do capitalismo internacional -, que continua gerando a exclusão, os baixos salários, o desemprego, a fome, a miséria, a violência e a submissão. Por isso, é preciso continuar resistindo, com muita intensidade. E com mais criatividade e sabedoria, porque os opressores, hoje, usam para dominar, as poderosas armas da tecnologia e da comunicação, que eles controlam.

Rio de Janeiro. 26 de março de 2008

Edmílson Martins de Oliveira

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