segunda-feira, 11 de abril de 2011

ENTREVISTA COM RENATO LIMA (bancário)

EDMÍLSON MARTINS DE OLIVEIRA – Nascido no Ceará em 1938, mudou-se para o Rio de Janeiro em 1960. Trabalhou no Banco de Credito Real de Minas Gerais em 1960 e 1961. Em 1962 ingressou no Banco do Estado da Guanabara (BEG). Ingressou em 1963 no Banco do Brasil, por onde se aposentou. Participou da direção do Sindicato de Bancários do Rio de Janeiro nos mandatos de 1968/1971, como suplente do Conselho Fiscal; mandato 1971/1974, como Presidente do Sindicato. Quatro meses após a posse, o sindicato sofre nova intervenção do Ministério do Trabalho e Edmílson é cassado e preso. Retornou à direção do sindicato em 1979, quando a categoria elegeu uma chapa de oposição aos representantes da intervenção, como membro efetivo do Conselho Fiscal. Edmílson é ativo militante católico, casado com Maria José e pai de quatro filhos, professor de Português e Literatura e autor do livro “Bancários: Anos de Resistência (1964 – 1979)”.


Ficha da Entrevista:
Nome: Edmílson Martins de Oliveira
Endereço: Rua Doutor Leal, nº 526, apto. 101; Engenho de Dentro; Rio de Janeiro.
Telefone: 22893272
Duração: 04 horas
Local: Rua Garcia Vasquez, 129 – Água Santa, Rio de Janeiro.
Data: 26/06/2006.
Nº de fitas: 02 (60 minutos cada)
Pesquisa e Roteiros: Renato Lima
Entrevistador: Renato Lima
Texto: data – 29/06/2006
Conferência de Fidelidade: data
Leitura Final: data
Carta de Cessão: data – 26/06/2006.
Número de páginas transcritas: 22
Observações:

Entrevista com Edmílson Martins de Oliveira, que contou também com a participação de sua esposa Maria José, realizada em 26 de junho de 2006 na residência do casal em Água Santa, por Renato Lima.

Fita I, lado A:
Renato: Hoje conversaremos sobre o fato de você ser um cearense do Crato, casado com a Maria José, e iremos até onde você quiser.
Edmílson: Pois é, então eu vou começar seguindo mesmo esse roteiro que você nos mandou, falando de socialização; posição da família no processo de formação, religião, influências etc. Vou começar pela minha história de vida: Sou lá do Ceará, nasci na roça, bem no sertão, no polígono das secas, num lugar chamado Ipueiras, município de Milagres, cidadezinha perto de Crato. E lá vivi, até os 12 anos de idade, na roça, distante inclusive da cidadezinha de Milagres, duas horas de viagem a cavalo, pois, naquela época, os meios de transporte eram o burro, o jegue. Então, a gente gastava duas ou três horas para chagar na cidade. E o meu pai era um homem do trabalho: ele adorava o trabalho. Pobre e de família pobre, camponês nascido de família também camponesa, a vida dele era o trabalho na roça. E ele adorava o trabalho na roça; ele acreditava no trabalho na roça; ele até dizia assim: “Se todo mundo ficar na cidade, quem é que vai plantar pras pessoas comerem?” E minha mãe falava: “mas a gente precisa estudar, os meninos precisam estudar também”, e ele dizia ”Não, a gente tem que trabalhar. Primeiro, porque a gente não tem condições para eles estudarem, a gente não tem condições de ir para a cidade para eles estudarem, então, todos têm que trabalhar aqui”. Mas a situação era tão difícil na roça, no campo, era seco, não chovia, e nós éramos dezessete filhos.
Renato: Quantos homens e quantas mulheres?
Edmílson: Treze homens e quatro mulheres. Até agora morreu um só, com 81 anos. E, na roça, nós trabalhávamos muito, mas não havia resultados. Meu pai tinha uma pequena gleba de terra no meio do latifúndio. Então, havia uma pressão terrível do latifúndio para tirar a gente de lá. E meu pai trabalhava, pedia empréstimo no Banco do Brasil para plantar, plantava, mas as chuvas não vinham: perdia tudo e ficava devendo, com dificuldades. Assim, meus irmãos mais velhos foram saindo de lá: uns vieram para São Paulo, para Mato Grosso, para trabalhar no algodão.
Renato: Eles foram trabalhar em outros estados, mas também na agricultura?
Edmílson: É. E assim foram sumindo. Mas um dos meus irmãos resolveu ir para a cidade do Crato, onde uma tia morava há uns quarenta quilômetros da cidade, na roça. E meu irmão resolveu ir para lá, para trabalhar na roça durante o dia e, à noite, ir estudar na cidade. E fez isso: esse meu irmão, Agostinho, começou a fazer o primário com 20 anos. E foi assim que ele acabou se estabelecendo na cidade, arrumou um emprego numa loja, se formou como “guarda-livro”, que naquela época era como se chamava o contador ou técnico em contabilidade. Certa vez ele foi lá onde nós morávamos, eu tinha uns 11 ou 12 anos e já estava alfabetizado: sabia o “a,b,c”, lia, escrevia o nome, e ele me viu tentando escrever e lendo as coisas que apareciam, e resolveu me levar para Crato: “Vamos para lá, você vai estudar, e tal”. Eu tinha 12 anos e comecei a estudar lá. Quando eu fiz 16/17 anos, arrumei emprego em lojas de comércio e, mais tarde, um emprego num banco particular: comecei a ser bancário em 1958.
Renato: Você lembra o nome do banco?
Edmílson: Era o Banco de Crédito Comercial, um banco lá do Ceará que hoje não existe mais: foi encampado por outros. Passei numa prova e fui trabalhar nesse banco. Nesta altura, 58, 59, eu me formei como Técnico em Contabilidade na Escola Técnica de Comercio da Associação dos Empregados do Comércio de Crato. Formei-me em 59 e, eu e meus colegas contemporâneos lá de Crato, tínhamos uma perspectiva de mudar de vida, de melhorar, e estudávamos. Como havia poucos concursos naquela época nessa região, todos sonhávamos em prestar concurso para o Banco do Brasil, mas nunca aparecia o concurso por lá. E esse meu irmão, depois, veio para o Rio de Janeiro e daqui me escreveu, dizendo que viesse também, porque aqui havia mais perspectivas, mais possibilidade de concursos, e eu vim também. Larguei o banco, que era um banco particular, regional, local, e o salário muito baixo, e como eu já tinha essa visão de progredir na vida, ter um emprego mais estável, meu sonho era entrar para o Banco do Brasil. O sonho da moçada daquela época era o Banco do Brasil, principalmente os que não podiam cursar Medicina ou Engenharia, essas profissões que só quem tinha dinheiro podia fazer. Então, eu vim para o Rio de Janeiro.
Renato: E isso foi em que ano?
Edmílson: Foi em março de 1960. Escrevi para o meu irmão e disse que vinha em março. Aí, comecei a me preparar e, quando eu fui comprar a passagem de ônibus, um rodoviário me disse: “Olha, está complicada a viagem, as estradas estão ruins com as chuvas e os ônibus estão levando de 15 a 20 dias para chegar no Rio de Janeiro”. E eu estava ansioso para vir e decidi que tinha que ir de avião, mas não tinha dinheiro. Pedi a meu pai, que também não tinha, mas disse que ia pedir emprestado: fez um empréstimo no Banco do Brasil e me deu o dinheiro. Três dias antes de partir, eu mandei um telegrama para o meu irmão: “Tal dia, a tal hora, eu estarei chegando aí no aeroporto Santos Dumont”. Mandei o telegrama e vim, crente que meu irmão tinha recebido o recado. Não conhecia nada aqui: a maior cidade que eu conhecia era Crato. Peguei um avião em Crato (da empresa Real) que levou 10 horas para chegar ao Rio. Saí de lá às 9 horas e cheguei no Santos Dumont às 20:00 horas: um mundo completamente estranho para mim. Procurei meu irmão e nada. Eu vinha com um jornalista de lá que já morava aqui: trabalhava na Agência Nacional. Ele ficou preocupado e, a partir do endereço que eu tinha, procurou numa lista telefônica e telefonou para um telefone próximo, de um vizinho, e meu irmão foi chamado. Isso já eram 9 horas da noite e meu irmão chegou ao aeroporto às dez da noite. E foi assim que eu cheguei ao Rio para “ganhar a vida”, como se dizia.
Renato: E ele morava aonde?
Edmílson: Em Todos os Santos, onde eu fui morar também, na casa dele. Lá em Crato eu ganhava salário mínimo e ele disse que aqui eu ganharia mais em qualquer emprego. Continuei a estudar, sempre com o objetivo de passar para o Banco do Brasil. Como não tinha dinheiro para pagar um curso, eu estudava sozinho, numas apostilas, que eram feitas em São Paulo para o concurso do BB: eram quatro livros com Inglês e Francês e, na parte de matemática, havia mil problemas para resolver. Naquele tempo o concurso pedia Francês e Inglês e caíam dez problemas de matemática, além de Português e Contabilidade: eu decorava aquilo tudo, estudava sozinho e, ainda lembro, resolvi aqueles problemas todos quatro vezes (chegava ao final e recomeçava tudo). Fiquei quatro anos em cima daquilo (o tempo de uma faculdade). Mas levei seis meses para arranjar um emprego por aqui. Já estava até ficando desanimado, até que arrumei um emprego numa empresa, mas apareceu um concurso público para o Banco de Crédito Real de Minas Gerais. Fiz o concurso, passei e fui trabalhar na Rio Branco, onde trabalhavam, naquela época, o Toledo e o atual senador João Alberto. Sabe quem é ele?
Renato: Não.
Edmílson: Ele era sindicalista, de esquerda, organizava um jornalzinho de banco com o Toledo, agitava muito, o pessoal antigo o conheceu. Aí veio o Golpe de 64, não sei se ele foi demitido. Depois ele voltou para o Maranhão, juntou-se à família do José Sarney e se lançou na política: ainda hoje é afilhado do Sarney, já foi eleito deputado Federal, Governador e hoje ele é senador pelo PMDB. Mas, voltando, depois fiz concurso para o banco do estado, o BEG (Banco do Estado da Guanabara), e trabalhei na ag. de Campo Grande e depois na avenida Rio Branco, na matriz.
Renato: Em que ano?
Edmílson: Bom, Trabalhei em 60 e 61 no Banco de Crédito Real e no BEG em 62. Aí veio o concurso para o Banco do Brasil e eu entrei em 63.
Renato: Mas, voltando às influências:
Edmilson: Penso que a gente sempre sofre várias influências pela vida, e a primeira é, geralmente, a da família. O meu pai era uma pessoa assim: super exigente em termos de honestidade; trabalhador que acreditava no trabalho como um valor. Acho até que, naquela época, se ele tivesse noção do marxismo, certamente seria um marxista, pelo valor que dava ao trabalho. Mas ele não tinha essas noções, não tinha instrução escolar quase nenhuma, aprendeu a ler, a escrever e a contar com o pai dele. Mas tinha essa visão de vida, valorizava o trabalho, um sentimento de dignidade humana e solidariedade. Certo dia, até, eu trabalhava no banco lá em Crato fazendo cadastros e fui pedir, no Banco do Brasil, a informação cadastral dele, e veio lá, num dos históricos: “Homem bom, muito generoso, tão bom que, às vezes, faz negócios com prejuízos para ajudar a outros”. E eu guardei isso: ele era intransigente quanto à dignidade do homem, a correção, o valor da palavra empenhada: ele pedia dinheiro emprestado e, sem nada escrito, no período combinado ele ia lá e pagava. E eu acho que isso fez a minha cabeça: valores como solidariedade, respeito à dignidade humana, generosidade, conciliação. Meu pai era sempre chamado para resolver pendências dos vizinhos. O avô dela, da Maria José, também era assim.
Maria José: É, o meu avô materno. Ele era lá de Minas, de Santa Bárbara do Oeste. Antigamente era assim, não é? As pessoas que tinham um pouco mais de projeção na comunidade (o professor, o padre, um advogado), eram chamadas para arbitrar as questões na comunidade. O nome dele era Tomás Martins e era filho de italianos.
Edmílson: Então, o meu pai era assim, intransigente em relação à questão da honra, era também muito negociador, conciliador, tinha liderança na região dele, era respeitado. E eu acho que herdei um pouco disso dele: negociador, conseguia entrosar as pessoas, uma espécie de liderança, muito respeitado naquela região, a intransigência na defesa dos direitos. Eu me lembro que os outros pequenos proprietários da região foram vendendo, as suas glebas para os latifundiários e ele acabou ficando sozinho, a gleba de terra que ele comprou acabou ficando espremida entre as terras dos grandes latifúndios. Aí, o dono do latifúndio tentou comprar a terra dele, mas ele não vendeu, com aquela preocupação de ficar para os filhos, para ganharmos nossas vidas. Mas esse latifundiário, quando não conseguia comprar, ia tomando “na marra”, passando cercas. Ele tinha poder e muitos reclamavam, mas não adiantava nada. E assim ele fez com meu pai: passou a cerca numa parte do terreno. Meu pai reclamou, mas não adiantou, foi uma peleja na justiça, mas, como eles dominavam a justiça local, não adiantou nada e meu pai acabou perdendo. E, como eles sentiram que foi fácil, passaram outra cerca que tomava quase dois terços do terreninho de meu pai. Aí, meu pai mandou meu irmão mais velho dar um recado para esse latifundiário: “diga a ele que, amanhã, nós vamos lá derrubar a cerca e quem mais for para lá”. Meu pai tinha um rifle velho, nem sei se aquilo atirava. No dia seguinte, ainda de madrugada, meu pai pegou o rifle e algumas foices e machados, juntou os filhos maiores de quinze anos e foi, decidido, para derrubar a cerca. Eu, entusiasmado, queria ir também, mas fiquei com os outros menores e minha mãe. E eles foram lá, derrubaram a cerca e não apareceu ninguém para impedir. Eu lembro que, essa decisão de garantir os seus direitos, isso me marcou muito. Voltando aqui para o Rio, 1960, eu já andava meio desanimado com aquela dificuldade de arranjar emprego. Cheguei em março e em julho ainda não tinha arrumado nada. Falava para o meu irmão e, um dia, ele me levou a uma reunião dos Congregados Marianos, congregação a qual ele pertencia e que tinha um grupo de jovens muito animado que se reunia depois da missa de domingo. Chegamos à missa, sete horas da manhã, e realmente havia um grupo de jovens que recebia as pessoas que chegavam e chamando para a reunião depois da missa. E nós fomos: havia uns trinta jovens e teve uma palestra onde o palestrante falou da mudança do mundo, na transformação da sociedade, do dever que todos tínhamos de trabalhar para mudar a sociedade para melhor, mais justa, com mais igualdade entre as pessoas.

Fita I, lado B:
Edmílson: Enfim, se falava da necessidade de trabalhar pela transformação do mundo, do papel que todos temos nesse sentido, sobretudo os cristãos e pessoas de boa-vontade. E aquele pessoal novo que estava lá participava, fazia perguntas e falavam que as congregações marianas da Igreja Católica foram fundadas por grupos de jovens, em Roma, que estavam preocupados com as mudanças sociais no mundo, e que fundaram essas congregações para se preparar, para se mudarem e mudar o mundo também. E o papo foi por aí. Nesse dia, eu me lembro que saí entusiasmado, cheio de vontade. E, a partir daí, começou mudar a minha visão de vida: eu, que tinha vindo para o Rio para “ganhar a vida”, arrumar um emprego e um salário bom, entrar para o Banco do Brasil, já fiquei um pouco estremecido e minha visão de vida começou a mudar. Já não bastava mais ter um bom emprego, tinha mais alguma coisa, aquilo que mexeu comigo naquela reunião. E, a partir daí, eu comecei a participar das reuniões, dos movimentos, debater as questões colocadas. E, para completar, veio o Concílio Ecumênico Vaticano Segundo, que veio “botando pra quebrar”, exigindo mudanças no mundo.
Renato: Era baseado na encíclica “Rerum Novarum” ou “Mater et Magistra”?
Edmílson: A encíclica “Rerum Novarum” é de Leão XIII, de 1894. Aí, veio o Concilio Ecumênico, com o Papa João XXIII, em 1962 ou 1963, lembrando a “Rerum Novarum”, com a “Mater et Magistra”, “Pacem in Terris”, abrindo a Igreja para o mundo.
Renato: Esse Papa tinha umas posições muito interessantes.
Edmílson: É, ele marcou uma época, não só para Igreja Católica, mas para o mundo.
Renato: Ele retomou um rumo para a Igreja num momento complicado, não é?
Edmílson: É, abriu a Igreja para o mundo, pois o Papa anterior, o Pio XII, era muito ligado no céu e desligado dos problemas da terra. E o João XXIII veio ligando a Igreja ao céu e à terra, dizendo que é preciso que a gente cuide disso aqui. E esse Concilio Ecumênico veio em um momento em que havia muitas tentativas de mudanças no mundo: a Revolução Cubana, com Fidel Castro; o assassinato de Kennedy; Martin Lutherking; os questionamentos contra a guerra do Vietnã. Isso tudo estava nesse bojo e influenciou toda a juventude daquela época. E aquele momento me influenciou muito e, a partir daí, eu fiquei mais voltado para a questão social. E, ainda no Banco de Crédito Real, eu já comecei a entrar no movimento sindical.
Renato: Foi levado por alguém?
Edmílson: Ninguém me levou, foi o próprio momento. Isso foi em 1960, 1961 e o Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro já estava bem atuante. Eu me lembro que a greve de 61 ou 62 mexeu muito, eu participei, as assembléias eram no salão do Automóvel Clube, e foi então que eu me associei ao Sindicato. E havia todas essas lideranças: o Palhano, Olympio de Melo, o Humberto Campbell, o Pereirinha, o Viégas. Havia um grupo muito atuante do Credireal, com o Toledo e o João Alberto também. A atuação desses companheiros me influenciou muito. E esse foi também o momento da transição do Jânio Quadros para o João Goulart: O Jango toma ou não toma posse; impede, não impede. Se discutia muito isso.
Renato: No Sindicato?
Edmílson: Não, dentro dos bancos. Mas o Sindicato, naquele momento, estava bem integrado nos movimentos políticos. Apoiava a posse do Jango, contra o golpismo. Eu ainda não tinha participação sindical, mas os panfletos do sindicato chegavam lá no banco. O sindicato tinha uma atuação bem de frente. Você falou da questão de visão de mundo: na verdade, aquelas lideranças daquele momento, da década de 60, que já vinham da década de 50, era uma liderança muito conscientizada politicamente. Estes que citei, por exemplo, e outros daquele tempo, eram lideranças que não faziam sindicalismo simplesmente no sentido do sindicato ser um órgão reivindicador de salário. Havia um sentido muito mais amplo do movimento dos trabalhadores: viam o sindicato como um instrumento de transformação da sociedade e não simplesmente para garantir emprego e salário. Isso funcionava, mas não era o principal. Tudo tinha que estar ligado a um sentido maior da sociedade: da dignidade do trabalho; do respeito à dignidade do trabalhador. O trabalhador, sendo a mola da produção e da construção da sociedade, tinha que ser respeitado como parte desse contexto, tinha que ser valorizado. Também se defendia muito, naquela época, a participação do trabalhador na gestão da empresa, eu me lembro. Então, toda essa efervescência política, desde a Revolução Cubana até a luta pela posse de João Goulart - porque eles queriam dar o golpe ali, o golpe de 64 era para ser dado ali, na renúncia de Jânio Quadros, impedir a posse de João Goulart – havia todo um clima, com o movimento dos trabalhadores rurais, as Ligas Camponesas, sobretudo em Pernambuco, com Francisco Julião. Havia uma grande efervescência, inclusive com a atuação da Igreja Católica, que tomava posição firme, a partir da ala mais progressista, liderada por Dom Élder Câmara, que incentivava a participação e a organização dos trabalhadores, no campo e nas cidades. E nós éramos influenciados por aquele momento, muitas lideranças sindicais, inclusive em outras categorias, surgiram a partir daquela efervescência política. Noutro dia, eu comentava com o Jorge Couto, que aquelas greves bancárias que nós vivemos eram movimentos não só de reivindicação de salário e por melhorias nas condições de trabalho: eram movimentos de conscientização política. Muitas lideranças surgiram nos piquetes. Hoje se paga pessoas para fazer piquete. Naquela época os trabalhadores se engajavam nos piquetes, no nosso caso bancários, e muitas lideranças surgiram nos piquetes, como o Percinoto, por exemplo.
Renato: E como isso se realizava: pela ação de estar nos piquetes, conversando com os outros, ou havia alguma que o sindicato fazia para atrair as pessoas, distribuindo, por exemplo, algum documento; fazendo alguma discussão; pessoas do sindicato que se dedicavam mais a atrair as novas lideranças?
Edmílson: Quando se preparava uma greve, pois a greve era preparada com antecedência, com a participação das comissões sindicais organizadas dentro dos bancos. O Banco do Brasil, por exemplo, tinha uma comissão sindical que tinha umas 250 pessoas; o BEG também tinha uma muito atuante; o Banco de Crédito Real e outros. E, quando se decidia uma greve, antes passava por uma discussão interna em todas as comissões e, nessas discussões, a orientação da direção sindical – porque a direção sindical não era simplesmente a diretoria, porque a diretoria dirigia o sindicato com todas essas comissões de base - antes ouvia esse pessoal todo. Eram verdadeiras assembléias para discutir antes de decidir uma greve e, nessas condições, se debatia a necessidade da organização para a greve ser vitoriosa, como uma necessidade para o crescimento do movimento dos trabalhadores. E, geralmente, nos piquetes, para os quais os bancários eram convidados a participar, em cada piquete havia um coordenador, uma pessoa politizada, com essa visão de organização, de atrair as pessoas. Eu me lembro que o Percinoto contava que o Arildo Dória coordenava o piquete onde ele participava. E o trabalho não era só de conscientizar os trabalhadores do piquete, mas também a população sobre o porquê da greve, de sua justeza. Daí, a denúncia dos banqueiros, dos altos lucros, das tramóias: se fazia um verdadeiro trabalho político nos momentos de greve. O pessoal ia passando e se empolgava, o bancário acabava se integrando aos piquetes, era uma coisa impressionante. E foi nessa efervescência política que surgiram muitas lideranças. E isso também me influenciou, como a muita gente que surgiu naquele momento. Mas com o golpe de 64, quando a repressão veio baixando o cacete, muita gente que surgiu naquele momento, que estava participando, se recolheu por causa do medo. E as lideranças que não se recolheram, que continuaram participando de alguma forma, foram exatamente os que tinham mais visão política, mais consciência ideológica. O Viégas, por exemplo, um marxista de corpo e alma, ideológico, com uma visão de mundo ampla. Como eram o Palhano, o Campbell, o Toledo, e muitos outros. Eu não tinha essa visão marxista da vida, mas tinha a visão cristã que, em muitos casos, se assemelha à marxista. O pessoal sempre me convidava para entrar para o Partido – na década de 60 o Partido era clandestino, mas existia – e eu sempre alegava: Primeiro, eu não sou marxista. Ideologicamente eu sou cristão – existe aquela pequena diferença entre a espiritualidade e o ateísmo, que, naquele tempo, era mais forte. Mas não é por isso não: eu estou satisfeito com a minha condição de cristão, porque acho que o que a filosofia cristã me oferece para a mudança do mundo se iguala com a que vocês também defendem. Na verdade, o que nós defendemos é a mesma coisa: defendemos um mundo mais justo; com igualdade entre as pessoas; com respeito à dignidade; uma sociedade onde não haja patrão nem empregado, não é isso? Então eu não preciso entrar para o Partido para estar lutando junto. E eles me davam razão e não insistiam mais. E vamos andar juntos porque defendemos as mesmas coisas. Eu acho que algumas diferenças são muito teóricas. Na prática, no contexto da luta por um mundo melhor – eu já tinha essa visão – isso de fé e ateísmo não atrapalha muito não. Eu conversava com meus amigos do Partido, que essa visão que existia sobre os marxistas que os taxava de ateus, contra Deus, contra a família, contra a espiritualidade. Eu, simplesmente, não via isso: eram preocupados com as pessoas, tinham famílias bem estruturadas, cuidavam uns dos outros. Isso era tudo mentira e o pessoal tinha uma filosofia, tinha consistência. E é isso que se defende na Igreja Católica: a necessidade do preparo interior para você poder superar as dificuldades da realidade do mundo. Quem não tem essa visão de vida transcendental – e o marxismo é transcendente, porque todas as filosofias de vida, preocupadas com a transformação do mundo são transcendentais, mesmo que diga que não tenha Deus, mas ela é além do humano, do simplesmente material. E eu dizia para o meu amigo Fagundes: “Não há nada mais transcendental que o marxismo. Um marxista é tão transcendental quanto um cristão”. Porque, por exemplo, agüentar o que o Che Guevara agüentou, enfrentar aquele estilo de vida que ele assumiu, que ele optou, como ele agüentou, e dar a própria vida. Eu tenho um filho que é funcionário da justiça, é também sindicalista, e dizia que o Guevara era mais herói do que Cristo. E eu falo: “aí você já está exagerando!”. Mas ele largou sua posição, largou um cargo de ministro em Cuba, para se dedicar à revolução continental, que ele acreditava, e ir lutar nas selvas da Bolívia. Isso é ser transcendentalista. Eu argumentava isso com alguns camaradas: ninguém agüenta fazer uma coisa dessas se não tiver um ideal transcendental. Então, esse pessoal teve essa época que favoreceu.
Renato: Você quer dizer a conjuntura dessa época, como você descreveu?
Edmílson: É, a conjuntura. Tinha um companheiro do Banco do Brasil, o Roberto Martins, que se dedicava ao movimento sindical, ele coordenava o pessoal do Partidão no Sindicato dos Bancários. E ele tinha uma capacidade de trabalho impressionante: o jornal Bancário, que hoje é feito todo eletronicamente, ele, o José Rodrigues e o Imbiriba (Antonio Imbiriba da Rocha), os três faziam todo o jornal. A gente até colaborava, escrevíamos um artigo ou outro, mas eram os três que faziam tudo mesmo.
Renato: E eles eram diretores do Sindicato?
Edmílson: Não, nenhum deles. O Imbiriba era do Banco da Amazônia (Basa) e foi, antes de 64, Deputado Estadual lá no Pará, acho que pelo PTB. Depois do golpe ele veio para o Rio de Janeiro. E, tanto ele como o Roberto Martins, nunca quiseram ser diretores do Sindicato. Na verdade, eles atuavam como assessores da diretoria na minha gestão.
Renato: Mas em que condições? Eles tinham liberação dos bancos? Recebiam pela assessoria que prestavam?
Edmílson: Não, eles não eram remunerados nem tinham liberação dos bancos. Cumpriam o expediente nos bancos em que trabalhavam e depois iam para o sindicato. Os diretores também não recebiam nada, eram só liberados para o trabalho sindical.
Renato: Mas o Sindicato tinha essa figura de assessor no quadro funcional?
Edmílson: Não. Eles estavam assessores para nos ajudar, porque eram mais experientes politicamente.

Fita II, lado A:
Renato: Você dizia que essas pessoas não eram funcionárias do sindicato; que atuavam como assessores como uma forma de militância.
Edmílson: É, pela sua experiência sindical, seu conhecimento, visão de mundo, eles ajudavam a diretoria. Então, o Roberto Martins, o Imbiriba e o José Rodrigues faziam o jornal Bancário: eles tinham uma capacidade de trabalho muito grande. Esse José Rodrigues, por exemplo, era poliglota: sabia Inglês, Francês, Russo, Alemão, latim e grego. Ele era do Banco Ítalo-Belga e era um estudioso: vivia estudando. Tinha uma visão muito forte de sindicalismo e política e era o revisor do jornal, além de fazer a coluna “De banco em banco”, muito lida e apreciada pelos bancários. Eles três faziam o jornal; revisavam as matérias; levavam para a gráfica e acompanhavam a impressão até de madrugada. E eles já faziam isso antes da minha gestão: desde a direção anterior, a do Guedes, que eles assessoravam a diretoria do sindicato. O Zé Rodrigues era um bravo. Ele enfrentava a direção do Banco Ítalo-Belga, com suas arbitrariedades, sozinho e, fiel às suas convicções, morreu vítima da opressão dos banqueiros e da ditadura. O Zé Rodrigues merece a homenagem da categoria bancária. Se a geração de hoje o conhecesse o admiraria muito.
Renato: Mas você vinha falando daquela conjuntura anterior, quando você e outros começaram a se formar sindicalmente: como foi isso?
Edmílson: Eu dizia que aquela efervescência do movimento sindical do início da década de 60 influenciou muito na minha participação. Isso e as mudanças na orientação da Igreja Católica, o incentivo do Concílio Vaticano II pela participação dos cristãos na mudança do mundo, nos movimentos sociais, sindicais e populares. E foi assim que eu me conscientizei e iniciei a minha atuação, me aproximei do movimento sindical e comecei a ter uma participação mais de frente, pois, até aquele momento, (1961, 62) eu era sindicalizado e participava das greves, mas não tinha muito envolvimento. A partir de 1963 é que eu comecei a participar das assembléias, das reuniões de banco, do sindicato. Mas, aí, veio o Golpe de 64, as perseguições e a debandada geral: Palhano e Viégas foram para o exílio; Pereirinha e Campbell foram presos. Daqueles que tinham uma atuação mais de frente, os que não se exilaram foram presos. O Olympio de Melo o único que não foi preso nem se exilou, mas, acho que, por ele ter sido Juiz Classista no Tribunal Superior do Trabalho, é que não fizeram nada com ele. Mas, mesmo assim, também não pode ter mais atuação nenhuma. Então esse pessoal todo foi banido do movimento, restando uma militância que não estava à frente da direção do sindicato: aquela militância dos piquetes, das comissões sindicais de banco, que, por não estarem à frente do sindicato, não eram muito visados pela repressão. Então, Degerando, Fagundes, Jorge Couto, Percinoto, Barata, José Rodrigues, além do pessoal mais ligado à direita, como eram o Laécio, o Cardoso, o Guedes.
Renato: Estes também se organizavam como católicos lá no sindicato?
Edmílson: Sim, mas era um grupo mais conservador. Alguns eram anti-comunistas.
Renato: Havia algum outro grupo de católicos mais progressistas que atuavam organizadamente no sindicato?
Edmílson: Atuando organizadamente, não. No Sindicato dos Bancários, atuando organizadamente só os católicos mais conservadores, mais à direita: eles se organizavam em torno da Associação de Bancários Católicos.
Renato: Que já vinha de uma tradição mais antiga, não é?
Edmílson: É, era mais antiga. Eles tinham uma capacidade extraordinária de reunir bancários católicos. Todo ano, no dia de Corpus Christi, essa Associação, onde estavam o Guedes, o Laécio, o Alceu João Batista, Xerez, Cardoso e outros, reunia 10 mil bancários na Igreja da Candelária para fazer a Páscoa dos Bancários: tinha uma missa e todos comungavam. Mas, naquela época, eu já criticava essa prática de vivência cristã, que não se comprometia em nada com a mudança do mundo, da sociedade. Assumiam, simplesmente, essa coisa muito ritualística.
Maria José: Obrigatória, não é? Isto é, é um mandamento da Igreja Católica: confessar e comungar pelo menos uma vez por ano, na Páscoa da ressurreição.
Edmílson: É, obrigatória e superficial, sem compromisso de mudança. A igreja progressista, a igreja realmente comprometida com Cristo, sempre disse que Cristo foi crucificado justamente por seu compromisso com o mundo, com a humanidade, com as mudanças. E foram aqueles que não aceitavam mudanças na sociedade daquela época que o mataram. Como matam até hoje, como mataram o Che Guevara e matam muitos até hoje. Nós já criticávamos muito isso: não tem sentido ser católico, comungar e ir à missa todo domingo e não se comprometer com a mudança da sociedade: é uma contradição. E nessa época eu já criticava isso: esse pessoal que se diz cristão, que vai à Candelária, descomprometido com o movimento sindical para mudar a história dos trabalhadores, dos bancários. Eu dizia aos meus companheiros da Igreja: quem eu vejo participar são os marxistas, que são ateus, mas participam de corpo e alma.
Maria José: Mas nessa época já havia, como o bispo de São Paulo, Dom Evaristo, cristãos comprometidos.
Edmílson: É, havia, mas no Sindicato, o que havia mais organizado eram os conservadores.
Maria José: E o Edmilson, como militante cristão lá no Sindicato, atuava sozinho.
Edmílson: E, depois de 64, os que restaram da militância sindical eram aqueles formados nos piquetes, que se reaglutinaram e pressionaram para que houvesse eleição, pois o sindicato estava sob intervenção. Foi exatamente depois do golpe de 64, com a intervenção, que entrou esse pessoal ligado à Associação de Bancários Católicos, como o Alceu João Batista. Ele não apareceu como interventor, mas influiu na indicação dos interventores, porque ele era liderança desse movimento. E o Guedes estava junto desse grupo. Mas em 66, depois do golpe, havia ainda alguma margem de atuação dos movimentos sociais, até pelas contradições e disputas internas entre os grupos que apoiaram o Golpe de 64: Entre os militares e os civis; entre os grupos de pressão, Lacerda. Então, diante da pressão, eles concordaram em estabelecer uma eleição. Aí, se formaram duas chapas: Uma encabeçada pelo José de Andrade Guedes, onde entraram o Alceu João Batista, o Zimerman, o Laécio, esse pessoal mais conservador. E uma outra, do pessoal da esquerda, era encabeçada pelo Jales Assunção. Tanto o Guedes quanto o Jales eram do Banco do Brasil. Quando houve a eleição, a categoria votou em peso na chapa mais progressista, porque os componentes da outra chapa não tinham tradição sindical na categoria: eles nunca ocuparam direção sindical, nunca ganharam uma eleição na categoria. Mas, terminada a eleição, como eles viram que iam perder, o delegado do trabalho mandou anular a eleição, sem sequer permitir a abertura das urnas para a contagem dos votos. Anulada a eleição, esse mesmo delegado regional do trabalho chamou os representantes das duas chapas e disse: só vai ter nova eleição se houver chapa única. Não pode haver disputa, vocês têm que se acertar. A questão, então, era garantir a presença dessa direita na direção do Sindicato. Naquele momento houve muita discussão, muitas divergências, mas depois de uma avaliação de ordem mais política, mais geral, de que não tinha como enfrentar a ditadura “no peito e na raça”. Ia morrer todo mundo, pois eles vieram para ficar, pelo menos por algum tempo. E se chegou à conclusão de que era melhor compor do que manter o Sindicato sob intervenção. E fomos negociar a chapa com o pessoal da direita.
Renato: Nessa época não houve divisão no campo da esquerda?
Edmílson: Não, a esquerda estava unida, junta. Naquela época a hegemonia era do PCbão. Além do Partidão, havia o PCBR, do Mariguhella e o PCdoB, que ainda eram muito fracos, não tinham atuação nos bancários. O Toledo, depois, foi para o PCdoB, mas ele era sozinho. As divisões vieram depois, mas as discussões de fundo já estavam colocadas. Se avaliou muito sobre se nós tínhamos condições para fazer um enfrentamento mais aberto à ditadura. E os militantes da Igreja Católica - como o pessoal da Ação Católica Operária (ACO), da Juventude Operária Católica (JOC), da Juventude Universitária Católica (JUC), os bispos mais progressistas - chegamos à conclusão, inclusive, de que não tínhamos condições para dar passos mais ousados. Como o povo não estava preparado para esse enfrentamento, não adiantava as lideranças radicalizarem que acabariam indo à frente sozinhos. Vão “levar pau” sozinhos. Precisávamos é construir a resistência, ver os caminhos que poderíamos tomar. Nós dizíamos: “vamos ter de engolir muitos sapos”. E optamos por negociar com nossos adversários para não ficarmos isolados do povo, que é o que interessava à ditadura. Decidimos que não íamos perder nosso espaço junto ao povo, junto à categoria bancária, que iríamos continuar nosso trabalho, mais devagar, mas consistente. E fomos negociar a chapa, chamamos todo mundo e fomos negociar. Nessa época eu não participava diretamente dessas negociações, mas o pessoal me contava. Tinha o Fagundes, companheiro muito valoroso nesta década de 60. Ele é pouco valorizado, mas foi um cara importantíssimo: dedicado, aguerrido, participante nessas horas de dificuldades. Trabalhávamos na mesma agência e conversávamos sobre tudo. Ele era um cristão marxista. Era espírita, até hoje é. E me colocava por dentro de tudo. As duas partes negociaram e concordaram no seguinte: o Jales e o Guedes, que encabeçavam as duas chapas, concordaram em não vir como cabeça de chapa. O grupo do Guedes apresentou o Ney Pimenta, o Cardoso, e o Orlando Freitas Gomes. E o nosso pessoal colocou o Roberto Percinoto e o Mauro Cavalcante. Nessa época a executiva era composta por cinco diretores. O mandato era de dois anos, gestão 67 a 68. A intervenção, feita em 64, tinha se prolongado até esse ano de 66. Essa chapa toma posse no final de 66, em dezembro, fruto dessa conciliação. Então, a militância dos dois grupos se juntou para assessorar essa diretoria, que era pouco experiente.

Fita II, lado B:
Edmílson: Então, como eu dizia, essa diretoria, que era encabeçada pelo Ney Pimenta, era frágil. E o pessoal resolveu acompanhar, de perto, a atuação dela. Então, nós fazíamos reuniões semanais no Sindicato com todo mundo para monitorar e assessorar a gestão dessa diretoria. E discutia-se desde os problemas da categoria até as questões administrativas. E cada um queria dar sua opinião, as reuniões eram intermináveis, acabavam tarde. Mas as questões discutidas, as propostas, acabavam não sendo encaminhadas pela diretoria, onde o grupo deles, que era menor e menos representativo, tinha maioria. E o Percinoto, o Mauro e o Degerando, que estava liberado pela Federação, mas fazia trabalho de base lá no Sindicato, se destacavam por sua atuação. Eles saíam para a rua, com a bandinha, iam de porta em porta visitando os bancos, no centro e nos bairros. E, nessa época, isso era uma atuação fantástica.
Renato: Você me falou de um caso de desfalque no Sindicato, como é essa história?
Edmílson: Eu não vou citar nomes, mas era pessoa do Sindicato, ligada a esse grupo mais conservador, que, como se descobriu e comprovou, havia desviado um dinheiro do sindicato. E o caso foi apurado, o sujeito reconheceu, assumiu a culpa, disse que pagava e tal. Mas, e aí? O quê fazer com ele? Esse era o impasse: ele é denunciado, expulso da direção e demitido, com a declaração da diretoria que o afastava por roubo ou então a gente negocia com ele, que paga o que deve ao Sindicato e renuncia. O problema era que, se fosse denunciado, teria que ser comunicado o motivo à Delegacia Regional do Trabalho, o que certamente abria espaço para o Ministério decretar nova intervenção na entidade e afastando a diretoria toda por corrupção. Além disso, os banqueiros também poderiam se aproveitar disso para demitir o bancário e desmoralizar o Sindicato. Então, optou-se pela negociação com ele, que ressarciu o sindicato e se exonerou. Mas você não cite nomes, por favor.
Renato: Claro. A descrição da situação é que é interessante.
Edmílson: É, muito interessante, pois o que importava ali era manter o espaço da categoria. A questão deixou de ser moralista para ser política.
Renato: Você cita no seu livro a realização de uma Convenção dos Bancários em julho de 1967, e a Segunda Conferência Nacional de Dirigentes Sindicais, em novembro do mesmo ano, ambas no Sindicato dos Bancários. E geralmente não se tem idéia de que o movimento sindical, nessa época, realizasse grandes Encontros. Você pode nos falar um pouco disso?
Edmílson: É, eu tenho, inclusive, algumas matérias de jornais sobre esse assunto. Como você sabe, o Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro era uma referência nacional, não só para os bancários. Aqui, no Rio, era o centro dos acontecimentos políticos e culturais naquela época.
Renato: Como esses Encontros eram nacionais, como vocês se relacionavam com a delegação de São Paulo? Havia lideranças importantes que vinham de lá?
Edmílson: Havia muita colaboração, mas, depois do golpe de 64, São Paulo passou um período meio apagado em termos de movimento sindical.
Renato: Em 1968 também houve uma Convenção Interestadual da Federação e um Encontro Nacional, em julho, realizado em São Paulo. Havia muitos Encontros nessa época, mesmo depois do Golpe de 64?
Edmílson: Sim, porque, como eu falei, entre 66 e final de 68 houve um período de efervescência política e cultural, pois a ditadura ainda não estava consolidada. Foi justamente o AI5, decretado em dezembro de 1968, que consolidou a ditadura, como se diz, “o golpe dentro do golpe”, quando assume o grupo mais linha-dura do General Médici. Mas, neste período de 1966 até final de 68, houve muita efervescência política: os estudantes organizaram a famosa “Passeata dos Cem Mil”, o movimento de trabalhadores se manifestando nacionalmente, etc. A Confederação dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), por exemplo, foi fundada neste período, num congresso realizado, inclusive, lá no nosso sindicato.
Renato: Você também cita em seu livro que, em 71, três anos depois do AI5, já na sua gestão no sindicato, vocês faziam reuniões por banco com a participação de 60, 70 bancários. Como foi isso?
Edmílson: Pois é, a explicação é a seguinte: quando acabou aquela gestão de 1967 a 68, houve uma mudança nos Estatutos do Sindicato e o mandato passou a ser de três anos: 1968 a 71. Então, o pessoal fez um acordo com o José de Andrade Guedes, que, apesar de ter apoiado o golpe, estava desencantado com o regime e se afastou daquele grupo e se aproximou do nosso grupo. Então, o pessoal chamou ele para encabeçar uma chapa, mas, agora, com mais nomes comprometidos com o movimento sindical mais atuante. Assim, continuavam o Mauro, o Percinoto, o Degerando. Entrou uma indicação do Auri do Banco Lar Brasileiro, que era o Manoel Messias, o Fagundes, o Augusto César, do Banerj. Eu já entrava aí, como Suplente do Conselho Fiscal, com a Maria Emília. Ainda foi uma composição, onde o Laécio, o Sodré e o Ney Pimenta também participavam, mas agora sem expressão na chapa. Foi uma composição melhorada, mas o presidente ainda tinha muito poder, o Guedes era muito hábil, e manipulava. Era um período difícil, pois havia muita infiltração de gente do aparato repressivo nos sindicatos, inclusive o nosso. E o Sindicato foi se burocratizando.
Renato: Como era isso?
Edmílson: Por exemplo: assuntos relativos aos funcionários, se gastavam reuniões e mais reuniões discutindo a questão. O Guedes manipulava, com o poder da presidência que ocupava, e o pessoal ficava atolado na burocracia e o movimento junto à categoria ficava em segundo plano. Dessa forma, foi uma gestão relativamente tranqüila, mas sem muita ação sindical. A gente fazia muitos Encontros, mas era só coisa de cúpula, não repercutia na base.
Renato: Mas nesses Encontros tinha disputas de projetos políticos, de visões de mundo?
Edmílson: Tinha sim, mas era tudo muito misturado, tinha muito policial infiltrado, ficava todo mundo “pisando-em-ovos”, pois ninguém sabia quem era quem. Os movimentos estavam todos infiltrados pelo SNI. Mas aquela diretoria do Guedes, que nós achamos que poderia ser um passo à frente, foi muito complicada, controlada pela burocracia. E, para agravar ainda mais a situação, no primeiro semestre de 69, logo depois da decretação do AI5, destituíram o Percinoto, o Degerando e o Augusto César. E em agosto do mesmo ano, são presos pelo DOPS o Percinoto, o Auri, o Toledo, o Hélio França, os irmãos Marcos e José de carvalho e o Marchesini, todos nos locais de trabalho. E, com isso, o pessoal mais consistente da diretoria ficava perdido quanto à atuação no sindicato: levava para o grupo discutir, mas o momento era mesmo difícil. O Fagundes, por exemplo, começou a ter umas crises de vômitos. Foi ao médico e ele perguntou como estava no trabalho. Quando ele contou, o médico falou que, como ele estava trabalhando naquele clima, sempre contrariado, tendo que “engolir sapos” o tempo todo, os sapos que ele tinha que engolir estavam voltando, era a forma dele colocar para fora aquilo tudo por que estava passando no sindicato.
Renato: Foi isso que estimulou o pessoal a articular a sua chapa, em 1971, com um perfil mais sólido?
Edmílson: É. Dentro da relatividade das coisas, com um perfil melhor. O Fagundes, o Péricles e o Jorge Couto pressionavam por uma composição melhor, mas quem viria como cabeça de chapa? O presidente, como nós vimos, era um cargo fundamental, mas não havia um nome viável naquele quadro. Aí, sugeriram o meu nome e o pessoal da esquerda toda aceitou. Aí o Fagundes chegou no banco e me falou: olha, nós chegamos à conclusão que o melhor nome para cabeça de chapa é o seu. E eu levei um susto: “mas eu não tenho condições, não tenho experiência para assumir isso não”. E fui lá, numa reunião, onde eles colocaram a situação: “olha, nós precisamos de um cabeça de chapa que amplie, que não seja visado, que tenha capacidade de diálogo e seja correto e respeitado. E, nessas condições, achamos que o melhor nome é o seu”. Eu coloquei meus argumentos, então veio a pergunta: “pois então, qual é o nome que você sugere, dentro desse perfil que nós traçamos?”. Como eu não tinha a resposta, acabei sendo convencido a aceitar aquele enorme desafio. E fomos eleitos para o mandato de 1971 a 1974 com uma expressiva votação da categoria (cerca de 70% dos votos). Mas o Ministério do Trabalho impediu que o Jorge Couto, o Degerando, o Nelson Ferreira Pedrosa, o Vitoriano Xerez, o Péricles, o Nilson Tavares e o Fagundes tomassem posse. Isso foi um baque, mas, mesmo assim, nós tomamos posse. Com um presidente pouco conhecido e com o expurgo dos mais ligados à esquerda, os conservadores e os órgãos de repressão, penso eu, deviam achar que não havia mais riscos de ter uma direção que incomodasse, sobretudo depois de alguns anos sem problemas com o Sindicato dos Bancários, devido aos fatos que já mencionei. Mas, quando começamos nosso mandato, e tiramos a seguinte estratégia: Levantamos algumas ações que o Sindicato havia ganhado na justiça do trabalho e que os banqueiros, acobertados pela política econômica do regime, não cumpriam, e fomos cobrar das direções dos bancos. Com a resposta dos bancos, positiva ou negativa, fazíamos boletins e íamos aos locais de trabalho, conversando com os bancários e convocando os companheiros para reuniões na sede do Sindicato. O resultado é que, de janeiro a fevereiro, período em que não há campanha salarial, conseguimos realizar reuniões por banco com a presença de 50 a 60 bancários, apesar de todo o medo causado pela repressão. Organizamos o Sindicato e “botamos o bloco nas ruas”. Tudo que acontecia nos bancos, o sindicato estava lá: demissões, perseguição de trabalhador, trabalho fora do horário, até bebedor quebrado, o sindicato se fazia presente. Visitávamos as agências e departamentos, víamos as condições de trabalho do pessoal e, quando havia alguma irregularidade, denunciávamos e procurávamos as direções dos bancos, cobrávamos soluções dos banqueiros, da Delegacia do Trabalho e das autoridades, como você poderá ver mais detalhadamente no meu livro. Assim, eles devem ter percebido que cometeram um erro de avaliação ao dar posse àquela diretoria. E, quatro meses depois da nossa posse, o Sindicato sofreu nova intervenção. Eu, Imbiriba, Xerez e o Roberto Martins fomos presos e os demais diretores destituídos.

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