Por Edmílson Martins
I – Caminhos que levam à morte
Após o batismo no ano 30, Jesus foi conduzido pelo Espírito ao deserto e...
- Se és Filho de Deus, ordena que estas pedras se tornem pães – disse o tentador.
- Está escrito: Não só de pão vive o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus – respondeu Jesus.
- Se és Filho de Deus, lança-te abaixo, pois está escrito: Ele deu a seus anjos ordens a teu respeito; proteger-te-ão com as mãos, com cuidado, para não machucares o teu pé em alguma pedra - disse o tentador, colocando Jesus no ponto mais alto do templo.
- Também está escrito: Não tentarás o Senhor teu Deus - disse-lhe Jesus.
O demônio levou Jesus a um alto monte e mostrou-lhe todos os reinos da terra e disse-lhe:
- Dar-te-ei tudo isto se, prostrando-te diante de mim, me adorares.
Respondeu-lhe Jesus:
- Para trás, Satanás, pois está escrito: Adorarás o Senhor teu Deus, e só a ele servirás.
Em fevereiro de 1972, em Brasília, no gabinete do general Luiz Correa, chefe da segurança do Ministério do trabalho:
- Senhor Edmílson – falou o general – foi bom o senhor ter vindo aqui. Já estava querendo falar-lhe sobre as atividades sindicais. O governo tem um projeto para os sindicatos, que é de assistência social aos trabalhadores. Os trabalhadores precisam de assistência médica, dentária, escolar, lazer, etc. E o governo dispõe da verba para atender a todos os sindicatos nesse sentido. O senhor precisa entrar nesse projeto do governo e aí, tenho certeza, será um grande presidente. E falou... Falou... Falou..., durante uns quarenta minutos.
Então eu falei:
- Senhor general, eu venho aqui, representando o sindicato, para reivindicar duas coisas:
A liberação de sete companheiros eleitos e impedidos de tomar posse e também solicitar às autoridades do governo que façam o Banco do Brasil e outros bancos oficiais cumprirem as decisões dos tribunais da justiça trabalhista.
Na verdade, eu queria dizer ao general que o sindicato é instrumento de luta em defesa da justiça social, que significa: a justa distribuição das riquezas, a participação dos trabalhadores no fruto do seu trabalho, a primazia do trabalho sobre o capital, a valorização da dignidade do trabalho, a liberdade de organização, etc. O que o general propunha já era um direito dos trabalhadores e responsabilidade do Estado.
O general olhou pra mim, espantado, fez algumas advertências, dizendo que se os diretores eleitos foram impedidos de tomar posse era porque, certamente, havia motivos para isso. Dias depois, mais dois diretores foram impugnados.
Dia 17 de abril de 1972, 19 horas, na sede do sindicato, entrou o delegado regional do trabalho, acompanhado de vários agentes da Polícia Federal:
- Este sindicato está sob intervenção, por ordem do senhor ministro do trabalho – disse o delegado.
- Por que, Senhor delegado? – perguntei.
- Vocês estão fazendo comunismo aqui – respondeu.
- Não senhor, estamos fazendo sindicalismo – retruquei.
- Vocês estão todos presos – interveio o delegado da Polícia Federal.
E fomos presos, eu e os sindicalistas Roberto Martins, Imbiriba e Xerez. Foram 46 dias no cárcere da Polícia Federal. E foram sete anos de luta para libertarmos o sindicato da intervenção.
II – Caminhos que levam à vida.
No ano 33 – domingo – terceiro dia da morte de Jesus Cristo na cruz – dois discípulos caminhavam tristes, decepcionados e desesperançados para a aldeia de Emaús. Conversavam sobre tudo o que tinha acontecido em Jerusalém com Jesus Cristo. Jesus, já ressuscitado, aproxima-se deles, sem ser reconhecido, e pergunta por que estão tão tristes. Eles falam da sua decepção e perda de toda a esperança por causa da morte de Jesus Cristo na cruz. Eles não tinham compreendido o sentido libertador da vida e morte de Jesus. Este, então,. lhes fala das escrituras, de Moisés e de todos os profetas. Ilumina suas mentes e lhes abre horizontes de esperança. Após reconhecerem o Mestre, na partilha do pão, são impulsionados por um novo ardor e saem alegres em busca dos outros discípulos, iniciando a ação missionária.
No dia 18 de abril de 1972, Maria José foi à sede da Confederação Nacional dos Bancários (CONTEC), para saber notícias sobre a minha prisão e lá encontrou os diretores do sindicato, tristes, decepcionados e perturbados. Eles ainda não tinham compreendido que perseguições, intervenções, prisões, etc. sempre existiram e existirão, como tentativas de impedir a luta pela justiça social.
Então perguntou Maria José:
- Gente, por que vocês estão assim, tão tristes?
- Nossos companheiros estão presos e não sabemos o que fazer – disseram.
- Ânimo, gente, eles não cometeram erro algum. Temos muito o que fazer, vamos agir, vamos procurar as pessoas, vamos buscar soluções – disse Maria José.
- Como vamos nos animar, Zezé, diante de tanta arbitrariedade? – Perguntaram eles.
- Disse Maria José: - Pra começar, eu trouxe aqui a Bíblia, vamos rezar, vamos conversar com Deus, vamos trocar idéias. Com Deus, encontraremos saída. Ele vai nos ajudar.
Em seguida, enquanto ela foi conversar com o presidente da CONTEC, eles começaram a folhear a Bíblia. Quando voltou, eles estavam mais animados e conversando sobre o que fazer. E a partir daquele momento, todos partiram para a ação, denunciando nossa prisão, a intervenção no sindicato e buscando articulação com companheiros trabalhadores, familiares, advogados, autoridades civis, religiosas, etc.
Apesar do sistema repressivo, o movimento de articulação foi bonito, cresceu muito e a participação solidária de muitas pessoas foi muito intensa. Na prisão, recebíamos muitas visitas, com manifestações de apoio e conforto espiritual. Recebi muitos bilhetes de parentes e amigos. Um deles ainda guardo até hoje, com emoção. Do Elesbão , que era colega de faculdade e do grupo de jovens da Igreja. Dizia assim: “Edmílson, não se preocupe. Estamos com você. Já falei com os professores, eles estão solidários e disseram para você não se preocupar com as matérias nem com as provas”. A Maria José já tinha ido com o Elesbão solicitar dos professores uma declaração de apoio, sugerida pelos advogados. Todos deram a declaração.
Enganaram-se os que pensaram que aquele ato repressivo e violento fosse destruir os nossos sonhos e nos afastar dos caminhos que levam à libertação. Ninguém se intimidou e todos continuaram, animados, participando juntos na luta pela redemocratização de nosso país.
Hoje, os que têm o poder do dinheiro e do lucro e a ambição de dominar tentam desviar as pessoas do caminho que leva à vida, empurrando-as para o caminho que leva à morte, com o apelo ao consumo, à acomodação, ao ter, incentivando o individualismo e a mediocridade, criando todo esse clima de corrupção hoje existente na sociedade.
Como o demônio tentou afastar Jesus Cristo da sua missão libertadora, com a oferta de riquezas, glória e poder de dominação, hoje, as forças políticas e econômicas que estão no poder de tudo fazem para manter o povo alienado e submisso, ao lhe oferecer coisas que impedem o seu desenvolvimento integral. O povo não precisa de esmola, mas de um projeto social que o ajudem a crescer coletivamente em consciência, dignidade e liberdade.
Vale lembrar aqui esses versos da música de Zé Dantas, cantada por Luiz Gonzaga: “Mas doutô uma esmola a um homem que é são/ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão”. Dê serviço a nosso povo, encha os rios de barrage/Dê cumida a preço bom, não esqueça a açudage/Livre assim nóis da ismola, que no fim dessa estiage/Lhe pagamo inté os juro sem gastar nossa corage.
Rio, abril de 2009
Edmílson Martins de Oliveira
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