quinta-feira, 25 de julho de 2019

AS MANGUEIRAS MAL ASSOMBRADAS












AS MANGUEIRAS MAL ASSOMBRADAS

                                  Edmílson Martins
                                  Abril/2019

Para chegar à casa onde eu Morava no sítio Ipueira, município de Barro-Ce, tinha que passar por uma estrada estreita, que cortava um canavial.
            Num certo trecho, havia, dos dois lados, umas mangueiras bem enfolharadas, de forma que, à noite, ao se passar embaixo delas, não se via nada, tamanha era a escuridão. Às vezes, um vento leve balançava as folhas, dando a impressão de que algo entre elas estava se mexendo.
            Pois bem, corria a notícia de que essas mangueiras eram mal assombradas. Muita gente já tinha sentido, ao passar à noite embaixo delas, “almas do outro mundo”.
            Meu pai não acreditava nessas estórias. Achava que era “invenção” do povo. E, para provar o que pensava  um dia resolveu passar por lá à noite. Depois, contou que ao passar embaixo das mangueiras, na escuridão, sentira que algo derrubara o seu chapéu. Ficara atônito e confuso, sem saber se fora um galho que tocara o chapéu, ou se fora realmente uma assombração.
            Pronto, depois dessa experiência do meu pai, cresceu a crença de que, realmente, as mangueiras eram mal assombradas. Ninguém passava por lá à noite, a não ser em situações inevitáveis.
            Quando alguém vinha de algum lugar e, no caminho, escurecia, não tinha jeito, não havia outra estrada, tinha que passar pelo mangueiral.
            Geralmente, a gente andava a cavalo. Quando se aproximava das mangueiras, começava o tremor, a frieza na barriga, o aceleramento das batidas do coração. Era um sufoco.
            A gente ficava encolhido em cima da sela, imóvel, deixando o cavalo andar lentamente, sempre na expectativa das reações do animal. Qualquer galho que tocava na cabeça da gente, aumentava o tremor e a frieza na barriga. Só voltava a calma, quando passava o mangueiral, que ocupava um espaço de cerca de cem metros.
           
Havia fatos curiosos em torno das assombrações naquelas mangueiras. Raimundo, meu irmão, conta que namorava uma moça que morava além daquelas árvores. Ia pra casa dela quando o dia ainda estava claro. Lá pras dez horas da noite, o pai dela já sinalizava que estava na hora de ele ir embora. Ele, se lembrando das assombrações, pedia um copo d´água, tentando protelar a partida. Toda as vezes que o pai dela olhava o relógio, ele pedia um copo d´água. Assim, ia protelando a hora de sair.
            Mas não tinha jeito, chegava um momento que ele tinha que sair. Mesmo com medo, tinha que passar embaixo das mangueiras. Não podia demonstrar que estava com medo. Respirava fundo, despedia-se e partia.
Ao se aproximar das mangueiras, já trêmulo, sentia o coração apertado e a frieza na barriga. Tenso e com as pernas bambas, passava em silêncio e cheio de apreensão. Nada via ou sentia, mas o medo continuava e nos dias seguintes, na hora da despedida, era o mesmo problema.
           
            Foram experiências emocionantes, vividas naquele vasto sertão, cheio de lendas e mistérios, que encantava a vida do sertanejo, principalmente, das crianças e adolescentes.
Eu vivi essas emoções na minha infância e adolescência. Foram experiências tão fortes, tão verdadeiras, que guardo na memória e nunca as esqueci.
            Mas o mundo mudou, chegou o chamado progresso e o chamado avanço tecnológico. A simplicidade dos sentimentos, as emoções provocadas pelo medo ficcional, a inocência, acabaram. O mundo se tornou cruel, já não há mais lendas, a vida perdeu seu encanto. As assombrações agora são de seres vivos, com ações duras, reais cruéis e perversas.
            Porém, nos restam a memória, a História, as ricas experiências culturais, que são tão puras, reais, verdadeiras, capazes de superar as ações nefastas dos podres poderes.

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