AS MANGUEIRAS MAL ASSOMBRADAS
Edmílson
Martins
Abril/2019
Para chegar à casa
onde eu Morava no sítio Ipueira, município de Barro-Ce, tinha que passar por
uma estrada estreita, que cortava um canavial.
Num certo trecho, havia, dos dois
lados, umas mangueiras bem enfolharadas, de forma que, à noite, ao se passar
embaixo delas, não se via nada, tamanha era a escuridão. Às vezes, um vento
leve balançava as folhas, dando a impressão de que algo entre elas estava se
mexendo.
Pois bem, corria a notícia de que
essas mangueiras eram mal assombradas. Muita gente já tinha sentido, ao passar
à noite embaixo delas, “almas do outro mundo”.
Meu pai não acreditava nessas
estórias. Achava que era “invenção” do povo. E, para provar o que pensava um dia resolveu passar por lá à noite. Depois,
contou que ao passar embaixo das mangueiras, na escuridão, sentira que algo
derrubara o seu chapéu. Ficara atônito e confuso, sem saber se fora um galho que
tocara o chapéu, ou se fora realmente uma assombração.
Pronto, depois dessa experiência do
meu pai, cresceu a crença de que, realmente, as mangueiras eram mal
assombradas. Ninguém passava por lá à noite, a não ser em situações
inevitáveis.
Quando alguém vinha de algum lugar
e, no caminho, escurecia, não tinha jeito, não havia outra estrada, tinha que
passar pelo mangueiral.
Geralmente, a gente andava a cavalo.
Quando se aproximava das mangueiras, começava o tremor, a frieza na barriga, o
aceleramento das batidas do coração. Era um sufoco.
A gente ficava encolhido em cima da
sela, imóvel, deixando o cavalo andar lentamente, sempre na expectativa das
reações do animal. Qualquer galho que tocava na cabeça da gente, aumentava o
tremor e a frieza na barriga. Só voltava a calma, quando passava o mangueiral,
que ocupava um espaço de cerca de cem metros.
Havia fatos curiosos
em torno das assombrações naquelas mangueiras. Raimundo, meu irmão, conta que
namorava uma moça que morava além daquelas árvores. Ia pra casa dela quando o
dia ainda estava claro. Lá pras dez horas da noite, o pai dela já sinalizava
que estava na hora de ele ir embora. Ele, se lembrando das assombrações, pedia
um copo d´água, tentando protelar a partida. Toda as vezes que o pai dela olhava
o relógio, ele pedia um copo d´água. Assim, ia protelando a hora de sair.
Mas não tinha jeito, chegava um
momento que ele tinha que sair. Mesmo com medo, tinha que passar embaixo das
mangueiras. Não podia demonstrar que estava com medo. Respirava fundo,
despedia-se e partia.
Ao se aproximar das mangueiras, já trêmulo, sentia o coração apertado e
a frieza na barriga. Tenso e com as pernas bambas, passava em silêncio e cheio
de apreensão. Nada via ou sentia, mas o medo continuava e nos dias seguintes,
na hora da despedida, era o mesmo problema.
Foram experiências emocionantes, vividas
naquele vasto sertão, cheio de lendas e mistérios, que encantava a vida do
sertanejo, principalmente, das crianças e adolescentes.
Eu vivi essas emoções
na minha infância e adolescência. Foram experiências tão fortes, tão
verdadeiras, que guardo na memória e nunca as esqueci.
Mas o mundo mudou, chegou o chamado
progresso e o chamado avanço tecnológico. A simplicidade dos sentimentos, as
emoções provocadas pelo medo ficcional, a inocência, acabaram. O mundo se
tornou cruel, já não há mais lendas, a vida perdeu seu encanto. As assombrações
agora são de seres vivos, com ações duras, reais cruéis e perversas.
Porém, nos restam a memória, a
História, as ricas experiências culturais, que são tão puras, reais,
verdadeiras, capazes de superar as ações nefastas dos podres poderes.
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