quinta-feira, 25 de julho de 2019

A VISAGEM




A VISAGEM

         Edmílson Martins

          Abril de 2019


Nasci em 1938, no sertão do Ceará, no Sítio Ipueira, hoje, município de Barro. Quando eu nasci, era município de Milagres. Lá, vivi a minha infância. Em 1950, aos doze anos, fui para a cidade de Crato, para estudar. Nas férias escolares, voltava para o sítio, até 1954, quando me radiquei em Crato, onde arrumei um emprego e concluí o curso de Técnico em contabilidade.

No sertão, não havia escola, ou educação formal. Mas existia uma arraigada cultura popular, que passava de geração a geração. Fazia parte da ampla e rica cultura, estórias interessantes e curiosas. Estórias de assombração, ou visagem. Almas do outro mundo que apareciam nas estradas, principalmente à noite. Eram estórias tão bem contadas e com tamanha seriedade, que impressionavam, principalmente as crianças e adolescentes.

Às vezes, eu e meus irmãos tínhamos que ir a algum lugar distante, de burro ou a cavalo, para voltar só à noite. Influenciados pelas estórias que ouvíamos, tínhamos medo da noite escura e das assombrações.

Certa vez, vinha eu sozinho , numa dessas viagens. Era uma noite sem lua. A estrada escura. Nada se via à frente. Claro, na minha imaginação, estavam as imagens das visagens, que apareciam exatamente nas noites escuras, conforme as estórias narradas.

Mas como eu ia a cavalo, tinha um consolo. Diziam que o animal sentia de longe a visagem e, então, parava, quando a percebia. Não prosseguia de jeito nenhum. Sentia-me protegido pelo animal. Se ele parasse, eu já sabia o motivo: era uma alma.

Pois bem, de repente, vi ao longe um vulto branco, que tinha a forma de uma pessoa, em pé na beira da estrada. Meu coração palpitou, meu corpo todo tremeu. Mas para meu consolo, o cavalo não parou, foi avançando, o vulto foi se aproximando e eu gelando. E à medida que eu e o cavalo caminhávamos, o vulto cada vez mais parecia uma pessoa vestida de branco.

- Ai, meu Deus! E agora? – exclamava em silêncio, esquecendo que o cavalo continuava andando e se aproximando do vulto.. O cavalo foi andando, andando e eu me encolhendo e tremendo em cima da sela. E exclamando em silêncio: “meu Deus, por que o cavalo não para”!. No meu desespero e pavor, chegamos do lado do vulto branco. E eu, mesmo sem querer, olhava. Era um tronco de árvore seco, que a minha imaginação transformava em uma assombração.
Ai que alívio! A respiração presa se soltava, o coração, disparado, voltava ao normal, o corpo parava de tremer. A viagem prosseguia.

Quando me lembro desse fato e de outras estórias, umas, ficções, e outras, verdadeiras, vividos na minha infância, penso como era pura e emocionante a vida no sertão, hoje, contraditoriamente descaracterizada pela ação de sistemas sociais, que tornaram o mundo duro, seco e sem emoções.
Hoje, crianças, jovens e adultos têm medo, não de assombração, mas de balas perdidas, de quadrilhas organizadas, sem gravatas ou engravatadas, de assaltos, a mão armada, ou não., de bandidos de colarinhos branco, que assaltam os cofres públicos.


Nenhum comentário:

Postar um comentário