A VISAGEM
Edmílson Martins
Abril
de 2019
Nasci em 1938, no
sertão do Ceará, no Sítio Ipueira, hoje, município de Barro. Quando eu nasci,
era município de Milagres. Lá, vivi a minha infância. Em 1950, aos doze anos,
fui para a cidade de Crato, para estudar. Nas férias escolares, voltava para o
sítio, até 1954, quando me radiquei em Crato, onde arrumei um emprego e concluí
o curso de Técnico em contabilidade.
No sertão, não havia
escola, ou educação formal. Mas existia uma arraigada cultura popular, que
passava de geração a geração. Fazia parte da ampla e rica cultura, estórias
interessantes e curiosas. Estórias de assombração, ou visagem. Almas do outro
mundo que apareciam nas estradas, principalmente à noite. Eram estórias tão bem
contadas e com tamanha seriedade, que impressionavam, principalmente as
crianças e adolescentes.
Às vezes, eu e meus
irmãos tínhamos que ir a algum lugar distante, de burro ou a cavalo, para
voltar só à noite. Influenciados pelas estórias que ouvíamos, tínhamos medo da
noite escura e das assombrações.
Certa vez, vinha eu
sozinho , numa dessas viagens. Era uma noite sem lua. A estrada escura. Nada se
via à frente. Claro, na minha imaginação, estavam as imagens das visagens, que
apareciam exatamente nas noites escuras, conforme as estórias narradas.
Mas como eu ia a
cavalo, tinha um consolo. Diziam que o animal sentia de longe a visagem e,
então, parava, quando a percebia. Não prosseguia de jeito nenhum. Sentia-me
protegido pelo animal. Se ele parasse, eu já sabia o motivo: era uma alma.
Pois bem, de repente,
vi ao longe um vulto branco, que tinha a forma de uma pessoa, em pé na beira da
estrada. Meu coração palpitou, meu corpo todo tremeu. Mas para meu consolo, o
cavalo não parou, foi avançando, o vulto foi se aproximando e eu gelando. E à
medida que eu e o cavalo caminhávamos, o vulto cada vez mais parecia uma pessoa
vestida de branco.
- Ai, meu Deus! E
agora? – exclamava em silêncio, esquecendo que o cavalo continuava andando e se
aproximando do vulto.. O cavalo foi andando, andando e eu me encolhendo e
tremendo em cima da sela. E exclamando em silêncio: “meu Deus, por que o cavalo
não para”!. No meu desespero e pavor, chegamos do lado do vulto branco. E eu,
mesmo sem querer, olhava. Era um tronco de árvore seco, que a minha imaginação
transformava em uma assombração.
Ai que alívio! A
respiração presa se soltava, o coração, disparado, voltava ao normal, o corpo
parava de tremer. A viagem prosseguia.
Quando me lembro
desse fato e de outras estórias, umas, ficções, e outras, verdadeiras, vividos
na minha infância, penso como era pura e emocionante a vida no sertão, hoje,
contraditoriamente descaracterizada pela ação de sistemas sociais, que tornaram
o mundo duro, seco e sem emoções.
Hoje, crianças,
jovens e adultos têm medo, não de assombração, mas de balas perdidas, de
quadrilhas organizadas, sem gravatas ou engravatadas, de assaltos, a mão
armada, ou não., de bandidos de colarinhos branco, que assaltam os cofres
públicos.
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