quinta-feira, 25 de julho de 2019

REFORMA DA PREVIDÊNCIA



REFORMA DA PREVIDÊNCIA
Edmílson Martins
Julho2019
Para juntar um trilhão
Governo sem coração
Sacrifica o povo pobre
Empurrando sem clemência
Reforma da previdência
E se passando por nobre.


Acumula-se dinheiro
Para atender aos banqueiros
Com toda sua ganância
Com o sofrimento e dor
Do povo trabalhador
Tratado com arrogância.

As riquezas do Brasil
Pra todos suficientes
Estão sempre acumuladas
Nas mãos de tão pouca gente
Que impede a maioria
De viver vida decente.

Em Brasília, deputados
Do povo representantes
A serviço do mercado
Esquece povo votante.
Traidores execráveis
Vão ficar como tratantes.

Já na Câmara aprovado
O projeto vai ao Senado
Onde a gente brasileira
Espera seja vetado
E que projeto decente
Seja ao povo apresentado.

Trabalhadores são agentes
Da construção da nação.
Merecem muito respeito.
Chega de enganação!
O fruto do seu trabalho
É seu e não do patrão.

Os donos do vil metal
Não perdem por esperar
Toda essa safadeza
Um dia vai terminar
Pois o direito e a justiça
O povo libertará.

ALMA DO OUTRO MUNDO




ALMA DO OUTRO MUNDO
Edmílson Martins
Julho/2019


Ele era uma figura folclórica em Crato, cidade situada na região do Cariri, sul do Ceará. Não me lembro do nome dele. Era tão exótico que chamava a atenção de todos, por onde passava. O seu aspecto físico e o seu jeito de ser, de se comportar deixava todo mundo boquiaberto.

Vivi em Crato durante dez anos, a partir dos doze anos de idade. Sempre o encontrava pelas ruas. Seu tipo despertava atenção. Era alto, rosto comprido, queixo fino, nariz grande e pontudo, cabelos lisos, olhos vivos e orelhas grandes. Usava terno, e gravata borboleta. O paletó ia até os joelhos, tipo o “finado era maior”. Calça larga, cobrindo os sapatos , que, por sua vez, eram bem maiores do que os pés. E usava um chapéu de abas largas.

O homem era realmente esquisito e fazia questão de ser assim. Quase não falava, nem cumprimentava. Andava sempre com uma pasta embaixo do braço, parecendo um homem de negócios. E quando ele passava, as pessoas, abismadas, ficavam comentando a sua esquisitice.
Contava-se na cidade muitas estórias em torno da figura dele. Uma delas dizia que um dia, por volta das onze horas da noite, ele pegara um taxi na cidade vizinha de Juazeiro do Norte. Nesse tempo gastavam-se, mais ou menos, uns quarenta minutos para chegar ao Crato.
 

Chegando ao destino indicado, quase meia noite, pediu ao motorista que esperasse que ia pegar o dinheiro em casa. Desceu do carro e entrou por um portão. A noite estava muito escura.
O motorista esperou. Passaram-se uns dez minutos e nada do homem voltar. Meia hora e nada. Já passava de meia noite. Ia passando uma pessoa na rua e o motorista resolveu indagar:
- Amigo, por favor, o senhor pode me informar quem mora nessa casa, com esse paredão tão alto? E explicou que esperava um passageiro que tinha ido pegar o dinheiro da corrida, e já passava mais de meia hora e ele não voltava.

O transeunte parou, atendendo ao motorista, e falou:
- Amigo, o senhor está diante do cemitério. Aí só mora gente que já morreu.


O motorista, assustado, entrou no carro, rápido e exclamou:
- Eu bem desconfiava que aquele cara é uma alma do outro mundo. E acelerou o carro, partindo sem mais demora.


O homem, com o seu jeito estranho, acabava ganhando a admiração da população, que se divertia, contando e ouvindo estórias engraçadas sobre ele. Todos o achavam esquisito, mas o respeitavam.

FOGUEIRA DE SÃO JOÃO




            












    FOGUEIRA DE SÃO JOÃO
                               Edmílson Martins
                              Junho/2019

Todo ano, no dia 23 de junho, véspera do dia de São João, eu e alguns dos meus irmãos mais velhos éramos dispensados do trabalho da roça, para catarmos madeira para a fogueira.
            Íamos pelas capoeiras à procura de troncos secos de árvores. Quando não encontrávamos troncos suficientes, completávamos com madeira verde. Catávamos também talos secos para ajudar no acendimento da fogueira.
            Quando voltávamos pra casa, com vassouras do mato, ajudávamos nossas irmãs na varredura do vasto terreiro, onde à noite se realizaria a tão esperada festa junina. E logo após o preparo do terreiro, começava a montagem da grande fogueira, que, geralmente, tinha uns três metros de altura.
            Fazia parte das alegrias da festa, as roupas novas que nossa mãe fazia, principalmente, para as crianças e adolescentes. Eu e meus irmãos ficávamos todos muito felizes com a roupa que a minha mãe fazia e com as sandálias feitas pelo meu primo Antônio Domingos.
            Durante todo o dia, tudo se arrumava para os festejos, que começavam por volta das 19 horas.  Além do preparo do terreiro e da montagem da fogueira, as comidas típicas: Bolo de puba, pamonha, canjica de milho verde. E mais tarde, a batata doce e espigas de milho verde, assados nas brasas da fogueira.
            A fogueira já estava queimando, quando as pessoas começavam a chegar e se cumprimentavam, iniciando alegres e longas conversas. As crianças brincavam de roda e soltavam estalinhos, os adultos soltavam balão e explodiam fogos. E começavam os comes-e-bebes.
            Mais tarde, em volta da fogueira, crianças e jovens, perante São João, se comprometiam. E ali, muitos namoros começavam, namoros que muitas vezes acabavam em casamentos. E seguiam os rituais.
 As crianças: “São Pedro dormiu, São João acordou, você vai ser meu padrinho (ou madrinha) que São João mandou”.
Os jovens: “São Pedro dormiu, São João acordou, você vai ser meu compadre (ou comadre) que São João mandou”.
            Assim, a festa rolava até de madrugada, ou ao amanhecer do dia. Às vezes, tinha sanfoneiros, zabumbeiros e repentistas, que meu pai convidava, para alegrar mais ainda os festejos.
          Tudo ao som da música sentimental do Luiz Gonzaga, música que mexia com o coração do povo do sertão: ”Crianças brincando de roda/Velhos soltando balão/Moços em volta à fogueira/brincando com o coração”. Ou, “A fogueira tá queimando/Em homenagem a São João...”. Ou ainda, “Olha pro céu, meu amor/veja como ele está lindo”... Tudo era muito bonito e muito saboroso. Lembranças que nunca me saem da memória.
            Como se sabe, os festejos juninos e joaninos acontecem em homenagem a São João Batista, que no deserto pregava a vinda do libertador, que implantaria na Terra o Reino de Deus. “Apareceu um homem enviado por Deus, que se chamava João. Ele veio como testemunha, para dar testemunho da luz, a fim de que todos acreditassem por meio dele” (Jo 1,6-7).
                A fogueira é o símbolo da luz que o sertanejo precisa para iluminar a longa noite do vasto e seco sertão; da esperança do povo em um mundo melhor, com paz, justiça, amor e alegria. Representa o desejo de participar na construção de um mundo novo, com ousadia e ardor. Daí, os versos da música “São João, São João/Acende a fogueira do meu coração”.
            Tempos bons aqueles da minha infância no sertão, quando havia pobreza, mas as diferenças eram superadas pela convivência e desejo de um mundo solidário. Reuniam-se na festa joanina pessoas das mais diversas condições sociais de vida. Ficavam ali, todos juntos, curtindo a mesma alegria. Não havia crianças, jovens ou idosos ricos, nem pobres. Ali, eram todos iguais, vivendo fraternalmente a mesma alegria.
           
           
           

BRINCVADEIRAS DE RODA





                      







   BRINCADEIRAS DE RODA
                                         Edmílson Martins
                                         Julho/2019
                                   
            Hoje, vivemos um tempo de decadência na educação e uma quase total destruição da cultura popular. Essa situação causa muita indignação a todos os que temos sensibilidade, porque cultura e educação são valores intrínsecos ao ser humano.
            Esse quadro triste me faz voltar ao tempo da minha infância, nas décadas de 1940/1950. Tempo das brincadeiras de roda e outras manifestações populares. Eram atividades que encantavam, divertiam e educavam crianças, jovens e adultos. ´
            Nessa época, eu vivia no Sítio Ipueira, município de Barro, no sertão do Ceará, onde não havia escola, nem os meios de comunicação, hoje oferecidos pela tecnologia. Era escasso o contato com a cultura urbana e com o vasto mundo. Mas o povo cultivava sua própria cultura.
            No grande terreiro da casa onde eu morava, a criançada reunia-se, à noitinha, depois do jantar, sob os olhares dos adultos, para as brincadeiras de roda. Essas atividades eram sempre dirigidas por uma menina de mais idade, já com aptidões naturais de professora.
            A brincadeira que mais marcou a minha memória foi à chamada “Terezinha de Jesus”, cuja composição ainda sei de cor:
“Terezinha de Jesus/Deu uma queda, foi ao chão/ Acudiram três cavalheiros/ Todos de chapéu na mão. O primeiro foi seu pai/O segundo, seu irmão/O terceiro foi aquele/Que a Tereza deu a mão”.
            A música, cantada e teatralizada, tinha a participação de todas as crianças. E todos os meninos queriam ser o terceiro cavalheiro, a quem a Tereza daria a mão. Para a escolha dos três tinha que haver um sorteio.
            E seguiam outras brincadeiras, como “sou pobre, pobre, pobre” {sou pobre, pobre, pobre de marré, marré...); “boca de forno” ("boca de forno"! "forno"!...; “três, três passará” (três, três passará, o derradeiro ficará...) etc. E tinha também teatro de bonecos, cujo herói da criançada era o Casimiro Coco, além de estórias fantásticas e engraçadas, contadas por competentes contadores de estórias, homens, supostamente rudes, com imensa criatividade.
            Eu nasci e vivi, até os 16 anos, nesse valioso ambiente cultural, de brincadeiras de roda, poesias populares, teatro de bonecos e estórias de Trancoso, fantasias que encantavam crianças e adolescentes e ajudavam a formar sua personalidade e os sentimentos de convivência e solidariedade humanas. Aliás, eu aprendi a ler, escrever e a ter gosto pela literatura, ouvindo, lendo e recitando estórias em versos de cordel.
            Sem saudosismo, acho importante resgatar esse forte legado cultural deixado por nossos antepassados. São valores cultivados através dos tempos, que influenciaram e vitalizaram várias gerações. Vida, educação e cultura andam juntas. Não podem ser desprezadas. São valores e direitos humanos.
            Que estejam sempre vivas a nossa cultura e a nossa História, riquezas inalienáveis do nosso povo.
      
              
             
           
           
           

AS MANGUEIRAS MAL ASSOMBRADAS 2




AS MANGUEIRAS MAL ASSOMBRADAS  2

                                  Edmílson Martins
                                 Maio/2019

No texto anterior sobre as mangueiras mal assombradas, relatei o drama do meu irmão Raimundo, quando saía, às dez horas da noite, da casa da namorada, depois de beber vários copos d´água, e tinha que passar embaixo das tais mangueiras, na mais completa escuridão.
Enviei o texto pra ele, pelo whatsapp. Imediatamente, ele me respondeu dizendo o seguinte: “Gostei muito do texto e da lembrança. Foi aquilo mesmo. Mas você não relatou a parte do cachorro”.
- Que parte do cachorro? – perguntei.
Ele esclareceu:
- Quando saí da casa da namorada, morrendo de medo e com a barriga cheia de água, andei em direção às mangueiras, com passos lentos e trôpegos. Penetrando na escuridão, ouvi alguma coisa se mexer à minha frente, fazendo barulho nas folhas do chão. Pensei logo: deve ser a alma, mas não vou voltar. Saquei da faca que levava na cintura e, mesmo com as pernas bambas, continuei, pensando: “seja o que for, vou enfrentar”.
- E depois, o que aconteceu? – perguntei.
Ele me respondeu, com alguma emoção, como se estivesse vivendo aquele momento:
- O barulho continuava à frente e eu andava, resoluto, com a faca na mão. Depois de alguns minutos, que pareciam horas, cheguei ao outro lado, onde tinha uma cancela. Percebi, então, que a “alma” era um cachorro que me acompanhava, passando à minha frente, sem que eu percebesse.
Depois do sufoco e já aliviado, disse-me ele que desabafou em cima do cão:
- Ah! Cachorro desgraçado! fazer-me passar tanto aperto e apreensão!
O medo, a apreensão e a emoção não o deixaram compreender que o cachorro queria somente ser seu companheiro e queria lhe dá força e coragem.

Esses são detalhes de uma das muitas estórias que ouvi e que marcaram a vida de gerações, obrigadas a andar, muitas vezes, na escuridão das noites sem lua, enfrentando, mesmo com medo, o desafio de encontrar “almas do outro mundo”.
O medo e a valentia do meu irmão Raimundo, como de muitos outros, confirmam a frase do escritor Euclides da Cunha, autor do livro “Os sertões”, quando afirmou: “O sertanejo é, antes de tudo, um forte”.
Tem razão o poeta, quando fala da valentia do sertanejo, mas esqueceu um detalhe:
“O sertanejo é forte, não tem medo de nada, a não ser de assombração”.