O TREM, O CAVALO E O BURRO
Edmílson Martins
Abril de 2021
Para chegar à cidade de Crato, partindo do Sítio Ipueira, município de Barro, sertão do Ceará, onde eu morava, havia três conduções: o cavalo, o burro e o trem.
Acordava às três horas da madrugada, tomava banho no açude, selava o cavalo, ou o burro e andava umas três horas para chegar ao lugarejo chamado Ingazeiras, para pegar o trem, que passava às nove horas da manhã. O trem vinha de Fortaleza, até à cidade de Crato, final da linha.
À medida que ia andando pela estrada, passando pelos sítios Brejinho, Água Branca e Lagoa de Vaca, ia ouvindo cachorros latindo, galos cantando, em casas ainda fechadas, com os moradores ainda dormindo. Prosseguia. Logo depois, ouvia o canto dos passarinhos, anunciando o alvorecer. Depois, os primeiros raios do sol, que nascia no Horizonte.
Depois dessa caminhada pela madrugada escura, quando não tinha lua, entre sete e sete e meia, chegava ao lugarejo onde passava o trem. Ingazeiras. Tinha apenas uma rua, onde se situavam residências, bares e casas comerciais. Nessa hora, os moradores já despertados, preparavam-se para a chegada do trem. A gente tomava o café da manhã no bar da dona Maria e ia para a estação comprar a passagem.
O trem fazia parte do folclore do sertão. Quando chegava às estações dos lugarejos, quase toda a população estava lá. Uns, para receber familiares que chegavam; outros, para se despedirem de familiares que partiam; outros para vender comidas e bebidas típicas: bolos de milho, de mandioca, tapioca, doce de leite, doce de buriti, refrescos e outras guloseimas. Outras pessoas estavam lá, por curiosidade e divertimento. A passagem do trem era uma festa.
O trem ficava parado na estação durante uns trinta minutos. Os passageiros, após pequenos lanches e despedidas, retornavam a seus lugares e o trem prosseguia viagem.
Eram muitos os passageiros que vinham de Fortaleza e de outras cidades do interior do Ceará. A viagem era muito agradável, com familiares conversando, comentando sobre a paisagem, na expectativa da chegada ao destino desejado. Sempre viajavam rapazes e moças, estas, acompanhadas dos pais. E quando terminava as férias escolares, a viagem tornava-se ainda mais alegre, com os jovens voltando para escola. Muitos estudavam em Juazeiro ou Crato. E nesse ambiente jovial e festivo, até muitos namoros surgiam.
O trem deslizava sobre os trilhos, nas encostas, em baixa velocidade, de forma que dava para se observar a paisagem. Ali, uma boiada pastando; acolá, uma plantação de milho, com suas folhas verdes e viçosas; o rio, que geralmente, tinha baixa correnteza; o ralo matagal, que acompanhava todo o trajeto do trem.
Demorava umas duas horas para chegar à cidade de Crato, passando antes por Missão Velha e Juazeiro do Norte, com paradas em alguns lugarejos. Onde parava o trem, havia sempre uma movimentação festiva, com boas-vindas, comidas, bebidas, abraços e despedidas.
Hoje, não existe mais aquela viagem maravilhosa, porque, infelizmente, gananciosos, ávidos de lucro, acabaram com o transporte ferroviário que, além de ser mais barato, fazia parte da cultura do povo. Antes, a Maria fumaça, depois, o trem com máquina a óleo. Agora, são os ônibus e aviões, que tornam as viagens mais rápidas, porém, sem as emoções e alegrias que proporcionavam as viagens de trem.
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