quarta-feira, 28 de abril de 2021

UNIDADE DEMOCRÁTICA (EXEMPLO HISTÓRICO)

 

 

 

 

           UNIDADE DEMOCRÁTICA

                      (Exemplo histórico)

 

                                     Edmílson Martins

                                      Abril 2021

 

No início da década de 1960, o Brasil vivia uma efervescência política e social. Os movimentos sociais, principalmente, os sindicatos de trabalhadores, cresciam com muito vigor e fervor.

 

A movimentação política e social no Brasil era consequência do que estava acontecendo a nível mundial. A União Soviética e China, com a experiência de implantação do socialismo, contrapunham-se ao poder capitalista dos Estados Unidos e seus aliados.

 

Nesse clima de antagonismo, um fato ocorreu, propondo equilíbrio e convivência pacífica: o Concílio Ecumênico, Vaticano II, criado pelo papa João XXIII.  O Concílio buscava a unidade da Igreja e pregava a unidade da sociedade, “a convivência na verdade, na justiça, no amor, na liberdade”, na busca de um mundo fraterno, solidário, justo e feliz.

 

O Concílio mexeu com a consciência de todos os povos do mundo. De repente, povos do mundo inteiro, independente de raças, religiões, ou ideologias, voltaram-se para as propostas saídas do Vaticano II, que propunham a todas as pessoas de boa vontade a luta por um mundo de justiça e paz.

 

O Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro, com uma história de lutas em favor dos direitos fundamentais dos trabalhadores e do povo em geral, participava ativamente da movimentação política e social que tomava conta do Brasil. E a categoria bancária crescia em consciência política, defendendo suas legítimas reivindicações.

 

Naquele momento, rico em debates, questionamentos e reflexões, surgiram na categoria bancária, como em outros movimentos, grupos com tendências ideológicas diferentes, natural numa sociedade pluralista. Como hoje, havia a dificuldade de convivência entre os que pensavam diferente, de forma que a categoria bancária dividia-se nas ações em torno das suas reivindicações e se enfraquecia.

 

Um dia, um companheiro iluminado, bancário e líder sindical no Rio de Janeiro, fez a seguinte reflexão: “Nós somos todos bancários, com os mesmos problemas comuns e o objetivo de todos nós é a busca de salário justo, condições justas de trabalho e melhores condições de vida. Pensamos diferentes e isso enriquece nossa convivência e nossa luta. Para nós só há um inimigo comum: a injustiça social, promovida pelo sistema político e social injusto e pelos banqueiros e outros capitalistas, que sustentam esse sistema. Diante de tudo isso, proponho que construamos uma unidade, que pode ser chamada de Unidade Democrática”.

 

A proposta foi aceita e só não entrou na Unidade Democrática quem não tinha boa vontade e tinha interesses escusos. Mas a proposta pegou e fortaleceu o movimento sindical bancário do Rio de Janeiro. A categoria, mais unida, adquiriu forças para conquistar vários direitos que lhe eram negados.

 

Hoje, com a sociedade dividida, por isso enfraquecida e espezinhada, mais que nunca, se faz necessária a construção da Unidade Democrática, reunindo todas as pessoas e grupos de boa vontade, superando as diferenças, em torno de um programa comum, justo e eficaz, em benefício de todos. Ou fazemos isso e nos salvamos juntos, ou juntos sucumbiremos

 

segunda-feira, 26 de abril de 2021

BANCÁRIOS E ANOS DE CHUMBO (MEMÓRIA hISTÓRICA)

 

 

 

   










                      BANCÁRIOS E ANOS DE CHUMBO

                                       (Memória Histórica)

 

                                   Edmílson Martins

                                   Abril de 2021

 

A partir de 1974, depois dos cinco anos de chumbo, do perverso esquema de repressão da ditadura militar, começaram a ressurgir grupos populares, que se organizavam para lutar pela redemocratização do país.

 

Isso acontecia de norte a sul do Brasil, em todos os setores da sociedade civil. Mas era na classe trabalhadora, a mais atingida pela repressão, que esses grupos surgiam, com forte ativismo social e político, todos inspirados nos ideais de luta pelas liberdades.

 

Eu trabalhava na agência Centro do Banco do Brasil, na Rua Primeiro de Março, no centro do Rio de Janeiro. Antes, em 1972, fora presidente do Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro, que sofrera intervenção do governo ditatorial.

 

Depois de quarenta e seis dias no cárcere da ditadura, fora localizado na agência centro-Rio. Antes de assumir a presidência do sindicato, trabalhara na agência de Madureira, Zona Norte do Rio de Janeiro, durante nove anos.

 

Pois bem, com o sindicato sob intervenção, eu e alguns companheiros sindicalistas exercíamos uma atividade sindical, quase clandestina. Tentávamos, de alguma forma, manter contatos com a categoria bancária.

 

Na sequência, começaram a surgir grupos ativistas, formados, sobretudo por jovens estudantes, que se tornavam bancários, a maioria do Banco do Brasil. Eram rapazes e moças idealistas, que sonhavam com um mundo melhor. Constituíam grupos que se sentiam na clandestinidade. E agiam com todos os cuidados, para não serem identificados.

 

A partir de 1974, quando no campo político partidário, o MDB, partido de oposição, crescia eleitoralmente, intensificou-se a repressão, com cassação de alguns mandatos políticos e prisão de alguns militantes de grupos considerados clandestinos. Vários militantes do PCB, partido proibido, foram presos e submetidos a inquérito policial/militar. A partir daí, os organismos de segurança da ditadura reforçaram as buscas de militantes dos grupos que se organizavam.

 

O terror tomou conta desses grupos. Os militantes, quase todos jovens, sem experiência política, ficavam apavorados e viam agentes policiais em toda parte. Entre colegas de trabalho, em clientes que entravam na agência, etc. Quaisquer estranhos que chegavam ao amplo saguão da agência centro eram suspeitos.

 

Em torno dessa situação, vários fatos curiosos aconteceram. Por exemplo, um dia, um colega, jovem militante de um desses grupos, ia saindo, no final do expediente, quando, de longe avistou dois homens estranhos. Voltou correndo pra seção, muito espavorido, achando que estava sendo perseguido.

 

E perguntou a um colega:

 - E agora, como vou sair da agência?  Eles estão me procurando.

O colega, que também participava de um grupo, considerado clandestino, apresentou a solução:

- eu sempre trago comigo alguns comprimidos de dienpax, que uso nas horas de aperto. Você ingere alguns comprimidos, vai apagar e sairá daqui de ambulância. E assim foi feito. O rapaz, apagado, foi levado numa maca, por dois enfermeiros, para uma ambulância e levado para um hospital.

 

No Banco do Brasil concentrava-se a maioria de idealistas, ativistas sindicais. No Banerj, Banco do Estado de São Paulo e noutros bancos oficiais também havia muitos ativistas, bem como em bancos particulares.

 

Muitas outras situações tristes e hilariantes ocorreram naqueles tempos de opressão. Ao lado da repressão real, o combate no escuro levava a ver fantasmas, ou seja, às vezes, viam-se espiões que não existiam. Tudo provocado pelo perverso poder militar/empresarial, que proibia, pela força bruta, a prática dos direitos democráticos, tentando sufocar o desejo de liberdade existente nos corações humanos.

 

 

                  BANCÁRIOS E ANOS DE CHUMBO

                                       (Memória Histórica)

 

                                   Edmílson Martins

                                   Abril de 2021

 

A partir de 1974, depois dos cinco anos de chumbo, do perverso esquema de repressão da ditadura militar, começaram a ressurgir grupos populares, que se organizavam para lutar pela redemocratização do país.

 

Isso acontecia de norte a sul do Brasil, em todos os setores da sociedade civil. Mas era na classe trabalhadora, a mais atingida pela repressão, que esses grupos surgiam, com forte ativismo social e político, todos inspirados nos ideais de luta pelas liberdades.

 

Eu trabalhava na agência Centro do Banco do Brasil, na Rua Primeiro de Março, no centro do Rio de Janeiro. Antes, em 1972, fora presidente do Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro, que sofrera intervenção do governo ditatorial.

 

Depois de quarenta e seis dias no cárcere da ditadura, fora localizado na agência centro-Rio. Antes de assumir a presidência do sindicato, trabalhara na agência de Madureira, Zona Norte do Rio de Janeiro, durante nove anos.

 

Pois bem, com o sindicato sob intervenção, eu e alguns companheiros sindicalistas exercíamos uma atividade sindical, quase clandestina. Tentávamos, de alguma forma, manter contatos com a categoria bancária.

 

Na sequência, começaram a surgir grupos ativistas, formados, sobretudo por jovens estudantes, que se tornavam bancários, a maioria do Banco do Brasil. Eram rapazes e moças idealistas, que sonhavam com um mundo melhor. Constituíam grupos que se sentiam na clandestinidade. E agiam com todos os cuidados, para não serem identificados.

 

A partir de 1974, quando no campo político partidário, o MDB, partido de oposição, crescia eleitoralmente, intensificou-se a repressão, com cassação de alguns mandatos políticos e prisão de alguns militantes de grupos considerados clandestinos. Vários militantes do PCB, partido proibido, foram presos e submetidos a inquérito policial/militar. A partir daí, os organismos de segurança da ditadura reforçaram as buscas de militantes dos grupos que se organizavam.

 

O terror tomou conta desses grupos. Os militantes, quase todos jovens, sem experiência política, ficavam apavorados e viam agentes policiais em toda parte. Entre colegas de trabalho, em clientes que entravam na agência, etc. Quaisquer estranhos que chegavam ao amplo saguão da agência centro eram suspeitos.

 

Em torno dessa situação, vários fatos curiosos aconteceram. Por exemplo, um dia, um colega, jovem militante de um desses grupos, ia saindo, no final do expediente, quando, de longe avistou dois homens estranhos. Voltou correndo pra seção, muito espavorido, achando que estava sendo perseguido.

 

E perguntou a um colega:

 - E agora, como vou sair da agência?  Eles estão me procurando.

O colega, que também participava de um grupo, considerado clandestino, apresentou a solução:

- eu sempre trago comigo alguns comprimidos de dienpax, que uso nas horas de aperto. Você ingere alguns comprimidos, vai apagar e sairá daqui de ambulância. E assim foi feito. O rapaz, apagado, foi levado numa maca, por dois enfermeiros, para uma ambulância e levado para um hospital.

 

No Banco do Brasil concentrava-se a maioria de idealistas, ativistas sindicais. No Banerj, Banco do Estado de São Paulo e noutros bancos oficiais também havia muitos ativistas, bem como em bancos particulares.

 

Muitas outras situações tristes e hilariantes ocorreram naqueles tempos de opressão. Ao lado da repressão real, o combate no escuro levava a ver fantasmas, ou seja, às vezes, viam-se espiões que não existiam. Tudo provocado pelo perverso poder militar/empresarial, que proibia, pela força bruta, a prática dos direitos democráticos, tentando sufocar o desejo de liberdade existente nos corações humanos.

 

 

 

O TREM, O CAVALO E O BURRO

 

 

 


  

 

 

 

 

 

 O TREM, O CAVALO E O BURRO

 

                                    Edmílson Martins

                                    Abril de 2021

 

 Para chegar à cidade de Crato, partindo do Sítio Ipueira, município de Barro, sertão do Ceará, onde eu morava, havia três conduções: o cavalo, o burro e o trem.

 

Acordava às três horas da madrugada, tomava banho no açude, selava o cavalo, ou o burro e andava umas três horas para chegar ao lugarejo chamado Ingazeiras, para pegar o trem, que passava às nove horas da manhã. O trem vinha de Fortaleza, até à cidade de Crato, final da linha.

 

À medida que ia andando pela estrada, passando pelos sítios Brejinho, Água Branca e Lagoa de Vaca, ia ouvindo cachorros latindo, galos cantando, em casas ainda fechadas, com os moradores ainda dormindo. Prosseguia. Logo depois, ouvia o canto dos passarinhos, anunciando o alvorecer. Depois, os primeiros raios do sol, que nascia no Horizonte.

 

Depois dessa caminhada pela madrugada escura, quando não tinha lua, entre sete e sete e meia, chegava ao lugarejo onde passava o trem. Ingazeiras. Tinha apenas uma rua, onde se situavam residências, bares e casas comerciais. Nessa hora, os moradores já despertados, preparavam-se para a chegada do trem. A gente tomava o café da manhã no bar da dona Maria e ia para a estação comprar a passagem.

 

O trem fazia parte do folclore do sertão. Quando chegava às estações dos lugarejos, quase toda a população estava lá. Uns, para receber familiares que chegavam; outros, para se despedirem de familiares que partiam; outros para vender comidas e bebidas típicas: bolos de milho, de mandioca, tapioca, doce de leite, doce de buriti, refrescos e outras guloseimas. Outras pessoas estavam lá, por curiosidade e divertimento. A passagem do trem era uma festa.

 

O trem ficava parado na estação durante uns trinta minutos. Os passageiros, após pequenos lanches e despedidas, retornavam a seus lugares e o trem prosseguia viagem.

 

Eram muitos os passageiros que vinham de Fortaleza e de outras cidades do interior do Ceará. A viagem era muito agradável, com familiares conversando, comentando sobre a paisagem, na expectativa da chegada ao destino desejado. Sempre viajavam rapazes e moças, estas, acompanhadas dos pais. E quando terminava as férias escolares, a viagem tornava-se ainda mais alegre, com os jovens voltando para escola. Muitos estudavam em Juazeiro ou Crato. E nesse ambiente jovial e festivo, até muitos namoros surgiam.

 

O trem deslizava sobre os trilhos, nas encostas, em baixa velocidade, de forma que dava para se observar a paisagem. Ali, uma boiada pastando; acolá, uma plantação de milho, com suas folhas verdes e viçosas; o rio, que geralmente, tinha baixa correnteza; o ralo matagal, que acompanhava todo o trajeto do trem.

 

Demorava umas duas horas para chegar à cidade de Crato, passando antes por Missão Velha e Juazeiro do Norte, com paradas em alguns lugarejos. Onde parava o trem, havia sempre uma movimentação festiva, com boas-vindas, comidas, bebidas, abraços e despedidas.

 

Hoje, não existe mais aquela viagem maravilhosa, porque, infelizmente, gananciosos, ávidos de lucro, acabaram com o transporte ferroviário que, além de ser mais barato, fazia parte da cultura do povo. Antes, a Maria fumaça, depois, o trem com máquina a óleo. Agora, são os ônibus e aviões, que tornam as viagens mais rápidas, porém, sem as emoções e alegrias que proporcionavam as viagens de trem.