quinta-feira, 14 de setembro de 2023

ÉRAMOS SEIS JOVENS INQUIETOS

 

 

 

                     ÉRAMOS SEIS JOVENS INQUIETOS

 

                         Edmílson Martins de Oliveira

                         Agosto/2023

 

No dia vinte de março de 1960, com vinte e um anos de idade, eu chegava à cidade do Rio de Janeiro, procedendo de Crato, cidade situada na Região do   Cariri, sul do Estado do Ceará.

 

Chegava à Cidade Maravilhosa para adquirir melhores condições de vida. Para isso, vinha me preparando, com afinco, para o concurso do Banco do Brasil, que, naquele tempo, oferecia o melhor emprego do país.

 

Estando no Rio de Janeiro, após um período de adaptação e busca de emprego, fui entrando em contato com grupos sociais. O primeiro contato, sugerido pelo meu irmão Agostinho, foi com a Congregação Mariana  da paróquia do Imaculado Coração de Maria, no Méier, onde militavam pessoas de idades diversas: jovens, meia idade e idosos.

 

Naquele momento, o mundo estava em efervescência: Revolução Cubana, luta dos vietnamitas contra a dominação americana, revolta dos negros americanos contra o racismo, ação belicosa dos Estados Unidos em quase todo o planeta e, aqui  no Brasil, a ascensão do Movimento dos trabalhadores e do Movimento Estudantil.

 

Diante do mundo conflagrado, havia as discussões  do Concílio Vaticano II, convocado, em 1961, pelo Papa João XXIII. O Concílio abria a Igreja para o mundo e propunha profundas reflexões sobre a paz, a liberdade e as igualdades sociais.

 

A partir de estudos das encíclicas sociais Mater et Magistra e Pacem in Terris, havia profundas discussões sobre os graves problemas e convulsões sociais e sobre as ameaças de guerra mundial, em função das disputas entre a América do Norte e a União Soviética. As encíclicas analisavam a conjuntura mundial  e apontavam caminhos para solução dos problemas, a partir dos princípios da Doutrina Social da Igreja.

 

Em torno da participação nesses debates, comecei a adquirir consciência de uma  nova visão de vida. Parafraseando Geraldo Vandré, autor da música “Disparada”, a partir das discussões, “nos sonhos que fui sonhando, as visões  se clareando”,  fui compreendendo que a busca por melhores condições de vida não podia se limitar à conquista de um bom emprego. Era preciso lutar por um mundo mais justo, com justas condições de vida para todos. Como disse o poeta, “a morte, o destino, tudo estava fora de lugar” e viver seria consertar.

 

Na Congregação Mariana, entre vários jovens e pessoas de mais idade, éramos nós seis os mais inquietos, diante dos fatos que ocorriam no mundo e em nosso país. E a Igreja nos convocava para a participação efetiva na luta pelas mudanças sociais necessárias.

 

Nós seis, cheios de energia e indignação, entendíamos que era necessário aliar às discussões teóricas a prática. Alguma coisa tínhamos que fazer, tendo em vista as mudanças sociais, conforme os ensinamentos das encíclicas sociais da Igreja.

 

Refletimos muito e, para começar, decidimos reunir outros jovens para conversar sobre as propostas do Concílio Ecumênico. E já dentro do espírito de abertura da Igreja, resolvemos convidar jovens em geral, católicos ou não. O que importava era reunir jovens interessados em refletir sobre a vida e as questões sociais.

 

Saímos em campo em busca de jovens, que, de um modo geral, estavam inquietos, mas dispersos e com as energias contidas, por causa da repressão do golpe militar de 1964. A ditadura, perversamente, para conseguir seus objetivos, impusera um duro controle dos impulsos naturais da juventude.

 

Mas, a partir de um trabalho intensivo, já não éramos somente seis. Passamos a ser dezenas e até centenas de jovens em reflexão. Muitos jovens, ajudados por jovens sacerdotes, inseridos no espírito do Concílio, organizaram-se em grupos em paróquias de diversos bairros da cidade. E o Movimento, chamado Grupo de Jovens, cresceu, em certo momento, em quantidade, consciência e crescimento humano.

 

Os grupos, com questionamentos e debates profundos, foram crescendo paulatinamente e, aos poucos, envolvendo-se na luta do povo por mudanças sociais. E foi por aí, que algum tempo depois, vários engajaram-se na política partidária, seguindo a orientação da Igreja, que ensina ser “a ação política uma forma nobre de serviço à comunidade”.

 

A Revolução Cubana, a ação belicosa dos Estados Unidos, a resistência dos vietnamitas, o Movimento dos negros americanos, o golpe militar, as questões sociais brasileiras, o Concílio Ecumênico, tudo era motivo de inquietação e incentivo às reflexões e ações sociais.

 

Moral da História: como os grandes rios, que se formam a partir de pequenos riachos que se juntam, os grandes movimentos sociais são formados a partir da participação de pequenos grupos organizados.

 

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