ÉRAMOS DOIS
Edmílson Martins de Oliveira
Agosto/2023
Na segunda década de 1950, já com 18 anos, eu morava na cidade de Crato-CE. Trabalhava no escritório de uma empresa comercial: “Casas Pernambucanas”. Eram oito horas de trabalho: de sete às onze e de treze às dezessete horas. Significava dez horas à disposição da empresa.
Estudava na Escola Técnica de Comércio no horário de dezenove às vinte e duas horas. Sobrava muito pouco tempo para estudos fora da escola, que oferecia conhecimentos insuficientes. Era uma escola noturna, organizada para atender aos jovens que trabalhavam no comércio. Não tinha estrutura pedagógica eficiente, os professores não eram suficientemente preparados e os alunos não tinham tempo para estudar.
Quando surgiu um concurso para o Banco do Brasil, eu e vários amigos e colegas de escola fizemos a inscrição, vieram as provas e fomos todos reprovados. Faltavam, em todos nós, conhecimentos necessários para a aprovação.
A reprovação me trouxe estímulo, desafio e a percepção de que tinha que estudar muito para passar no concurso do Banco do Brasil, que, naquele tempo, oferecia o melhor emprego em nosso país, com salário compensador.
Naquele tempo, para quem não tinha condições de estudar para se formar médico, engenheiro, ou advogado, só restava a opção de um emprego no Banco do Brasil. Isso significava ter realização financeira segura e permanente. Outro tipo de empreendimento não existia, uma vez que o sistema capitalista impõe a relação patrão – empregado, ficando o capital nas mãos de poucos, que reduzem as possibilidades da grande maioria da sociedade.
Então a luta começou. Logo consegui arrumar um emprego num banco comercial, para ter o horário de seis horas de trabalho, com mais tempo para estudar. Trabalhava de sete às treze horas. À tarde e à noite, mergulhava nos estudos. E mais, para aprender datilografia, chegava ao banco às seis horas da manhã, para treinar nas máquinas de trabalho.
Eu e um amigo, aliás, meu xará, conversamos e decidimos enfrentar o desafio do concurso para o Banco do Brasil, conscientes de que era a melhor saída para conquistarmos um salário melhor para, assim, adquirirmos melhores condições de vida. Com essa disposição, éramos somente dois entre as dezenas de amigos que também queriam melhores condições de vida.
Essa decisão significaria abrirmos mão das horas de lazer, dos papos noturnos na praça com os amigos, dos encontros de finais de semana nos bares, regados a cervejas, dos bailes e festas sociais nos clubes da cidade. Ou seja, tínhamos que renunciar à acomodação ao estilo de vida imposto pelo poder dominante.
Todas as tardes, depois do almoço, debruçava-me nos livros, nas apostilas para concursos do Banco do Brasil. À noite, depois das aulas, eu e meu amigo Edmílson estudávamos de vinte e duas às vinte e quatro horas. E sábados e domingos era tempo integral. O concurso era difícil. Exigia muita dedicação.
Nosso material de estudos eram as três apostilas do professor Júlio Cunha, funcionário do Banco do Brasil, com toda a matéria do concurso: Português, Matemática, Inglês, Francês, Contabilidade e noções teóricas de datilografia. A nota mínima em Português, Matemática e Contabilidade era seis. A média do conjunto das matérias tinha que ser também seis.
Os amigos reclamavam: “Vocês agora ficam pouco tempo com a gente, só querem saber de estudar”. Mas admiravam a nossa dedicação e esforço para passar no concurso. “Vocês estão certos” – diziam eles, mas não queriam sacrificar as diversões. E nós, no meio dos bons papos e horas de lazer, partíamos para casa para estudar.
Foi assim que, já morando no Rio de Janeiro, em 1962, depois de cinco anos de estudo intensivo, consegui passar num concurso do Banco do Brasil. Estava preparado para qualquer concurso público. Antes do Banco do Brasil, fora aprovado em concurso do Banerj, Banco de Crédito Real de Minas Gerais, Companhia Nacional de Seguros e em concursos de outras instituições públicas.
Tempos depois, voltando ao Crato, encontrei vários amigos, já funcionários do Banco do Brasil, que me disseram: “Para passar no concurso do Banco, decidimos seguir o seu exemplo e do outro Edmílson. Vocês se dedicavam totalmente aos estudos. Achávamos aquilo muito bonito e necessário. Decidimos imitá-los.
Na verdade, eu e o meu amigo xará tínhamos seguido o exemplo de dois outros amigos, que tempos antes, resolveram estudar com afinco, enfrentando muitas dificuldades, tendo em vista o concurso do Banco do Brasil, do qual, a duras penas, se tornaram funcionários.
A História mostra que os grandes movimentos sociais, políticos, religiosos nasceram a partir da iniciativa de pequenos grupos. O cristianismo começou com Jesus, mais doze discípulos; a revolução cubana começou com doze revolucionários; O Movimento dos Vietcongs contra o Império Americano começou com uns poucos.
Isso quer dizer que, hoje, podemos mudar a sociedade, construindo-a em bases justas e solidárias, a partir de iniciativas de pequenos grupos, que crescerão com a prática permanente de reflexões e atividades práticas, em torno do ideal de um mundo melhor.
Para isso, temos que renunciar à acomodação, à aceitação de uma cultura individualista e consumista que nos é imposta pelo sistema capitalista, que reduz o ser humano a instrumento de seus desejos egoístas, utilizando o seu potencial para acumular riquezas nas mãos de uns poucos, sacrificando a grande maioria.
Moral da história: mesmo com alguns sacrifícios e perdas momentâneas, é sempre bom seguir os bons exemplos dos nossos contemporâneos e dos nossos antepassados. É assim que construiremos uma sociedade fraterna e uma vida melhor.
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