quarta-feira, 8 de março de 2023

NOIVA ARREPENDIDA

 

 

 

NOIVA ARREPENDIDA

                                  Edmílson Martins de Oliveira

                                  8 de março/2023 (Dia internacional da mulher)

 

 

A cultura sertaneja é rica em causos interessantes e curiosos. As histórias, as vivências, os costumes e acontecimentos são passados de geração para geração. Muitos causos contados e outros vividos, guardo até hoje  na memória e, lembrando, sinto vontade de repassar, contribuindo com a preservação da nossa tradição, tão importante na vida do povo.

 

O causo que vou contar ocorreu no final da década de 1940, no município de Barro – Ceará. As moças eram, tradicional e culturalmente, preparadas para o casamento. Educadas para serem esposas, mães e donas de casa. E, geralmente, no sertão, as meninas casavam entre dezessete e vinte anos. Havia o tempo de namoro, o de noivado e o casamento.

 

Eu tinha entre nove e dez anos, quando presenciei as cenas, que hoje poderíamos classificar de tragicômicas. Casos daquele tipo não eram comuns no sertão. Geralmente, as moças, muitas vezes, por imposição dos pais, namoravam, noivavam e casavam, sem reclamações.

 

Uma jovem de mais ou menos dezessete anos, órfã de pai e mãe, fora criada pelo irmão mais velho, que era solteirão. Ela namorou, noivou e o irmão arrumou tudo para o casamento. Marcou o dia do evento na igreja, financiou o vestido de noiva, organizou a festa e convidou os amigos.

 

A ida para a igreja funcionava assim: o noivo, de terno e gravata, ia no seu cavalo na frente. Logo a seguir, ia a noiva, também a cavalo, vestida de noiva, com véu, grinalda, etc. Entre o noivo a noiva, vários cavaleiros. Todos em caravana rumo à cidade para a celebração.

 

No dia combinado, tudo estava pronto: o noivo já no seu cavalo, os cavaleiros acompanhantes a postos  e a noiva já vestida para o casamento. O cavalo da noiva era especial, arreado com sela, também especial, própria para damas. O cavalo, cavaleiros e o noivo, todos, no terreiro, à espera da noiva, para a partida.

 

De repente, começou um alvoroço dentro de casa. O irmão da noiva gritava, a moça falava: “não quero mais, estou arrependida”. O irmão, zangado, dizia: “que história é essa, tudo está arrumado na igreja, o noivo, os acompanhantes, os padrinhos estão esperando”. - Mas não quero – dizia a noiva. O irmão falava bem alto: “agora tu tens que querer, agora tu casas”. E até deu uns tapas na irmã.

 

Lá fora, estupefação. Noivo e cavaleiros não estavam entendendo bem o que  acontecia dentro de casa. E se entendiam, como cavalheiros, faziam vista grossa. Depois de algum tempo, saiu a noiva, cabisbaixa, meio triste, acompanhada do irmão, para montar no cavalo. Ela aceitara as imposições do irmão. Afinal, seria um escândalo, naquele momento, desistir do casamento.

 

Partiu a comitiva para a igreja na cidade. A moça, supostamente, aceitara as imposições do irmão. Mas demonstrava contrariedade. Na igreja, manifestou novamente a recusa ao casamento. Diante disso, o padre não realizou a cerimônia. Frustração geral. Todos ficaram espantados e tristes. Mas a noiva não cedeu.

 

O acontecimento caiu na boca do povo. Todos comentavam o escândalo: “Que coisa feia, acabar o noivado no dia do casamento”! “Coitado do noivo, com que cara vai ficar”?  A moça, com personalidade marcante, enfrentou as críticas com muita firmeza. Manteve a sua decisão. Dizia: “Não quero casar e pronto”.

 

A moça com essa postura, parecia protestar contra a tradicional submissão da mulher aos caprichos masculinos. Aquela jovem, com uma atitude de rebeldia individual, sem saber, estava sendo participante, do Movimento pela libertação da mulher, que, tempos depois, se desenvolveria com muita força, mundialmente.

 

Ou, talvez, aquela postura tenha sido reflexo do movimento de protesto e organização das  mulheres operárias, nos Estados Unidos. Trabalhavam cerca de 14 horas por dia, com baixos salários e péssimas condições de trabalho. Em 1911, 125 delas morreram num incêndio, em uma fábrica em, Nova York, que funcionava em péssimas condições. Começou, naquele momento, a luta pela libertação da mulher. Aliás, essa luta já era antiga, desde a Idade Média, época de caça às bruxas, ou mesmo, antes, no Antigo Testamento, com Judite, Rute, Débora, Ester etc.

 

Em 1963, o Papa João XXXIII, na Encíclica “Pacem in Terris”, considera o ingresso da mulher na vida pública, um dos três fenômenos que caracterizam a nossa época.

Diz o papa: “Torna-se a mulher cada vez mais cônscia da própria dignidade humana, não sofre mais ser tratada como um objeto ou um instrumento, reivindica direitos e deveres consentâneos com sua dignidade de pessoa, tanto na vida familiar como na vida social”.

 

 

 

 

 

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