domingo, 12 de dezembro de 2021

A ROÇA

 

 

 

 

                      A ROÇA

                                 Edmílson Martins                

                                 Dezembro/2021

 

Meu pai gostava do trabalho agrícola. E acreditava na agricultura. Comprou, com muito sacrifício, um pequeno sítio, o Sítio Ipueira, situado no sertão do Ceará. Lá, eu nasci, como também todos os meus 18 irmãos. Dois morreram ainda em tenra idade. Os outros 17 sobreviveram a duras penas.

 Meu pai, sem recursos, buscava empréstimos no Banco do Brasil, para investir nas plantações. Quando chovia, a lavoura dava para pagar ao banco e ainda sobrava alguma coisa. Mas quando não chovia, o prejuízo era total. O banco não perdoava. O empréstimo tinha que ser pago de qualquer jeito.

 Em relação a empréstimos, diferente era a situação  dos fazendeiros, proprietários de muitas terras, donos de gado e gente, como disse o poeta Geraldo Vandré, em “Disparada”. Arrumavam empréstimos no Banco do Brasil e investiam na agricultura e pecuária. Quando perdiam na agricultura, ganhavam na boiada e com a influência política, ainda conseguiam adiamento para pagamento dos empréstimos.

 Eu, como também meus irmãos, acordava todo dia às seis horas da manhã e, depois de tomar café, às vezes, puro e às vezes, com pão de milho, feito na cuscuzeira, ia para a roça e só voltava aas cinco horas da tarde.

 Às onze horas, todos já estavam com a barriga roncando de fome, quando uma de minhas irmãs chegava com o almoço. Geralmente, era feijão de corda com farinha, complementado com rapadura. Comia-se com muita vontade, descansava-se um pouco embaixo de alguma árvore e continuava-se no trabalho.

 Era uma vida dura, com trabalho muito pouco rendoso. Por isso, parafraseando o poeta da música “Romaria”, meus irmãos partiram, quase todos, não a custa de aventuras, mas em busca de vida melhor. E eu, trabalhei na roça até os quinze anos de idade. Quando arrumei um emprego no comércio, na cidade de Crato, também saí da roça.

 Meu pai, que queria os filhos trabalhando com ele na roça, ficava contrariado quando cada um comunicava que iria embora. Minha mãe, mulher forte e indomável, estava sempre ao lado do meu pai nas suas iniciativas e decisões, mas o contrariava quanto à partida dos filhos. Compreensiva e bem materna, dizia:

- Vá, meu filho, seja feliz.

Com a força da minha mãe, meu pai, mesmo sem gostar, aceitava a partida dos filhos.

 Dos ,7 irmãos, somente um, Emídio (de saudosa memória) continuou na roça, conservando, com muita dedicação o Sítio Ipueira até hoje mantido pelos seus filhos. Mas só deu pra ficar lá, porque conseguiu entrar no esquema de criação de gado.

 Quando se diz que o nordestino emigrou para o sul do país, por causa da seca, isso não é verdade. O problema não é a seca, mas uma estrutura agrária e sobretudo social injusta, que privilegia os poucos que têm muito, em detrimento dos muitos que têm pouco. E é por isso que existe no Brasil e, no Nordeste, uma minoria muito rica e uma grande maioria muito pobre.

 Meu pai, homem teimoso na esperança, ficou a vida inteira apostando no trabalho agrícola, valorizando a importância da agricultura para a sociedade. Mas as estruturas políticas, econômicas e sociais elitistas não deixaram que ele desenvolvesse suas habilidades agrícolas. Incansável, mesmo com a partida dos filhos, lutou, junto com minha mãe, também incansável, até não poder mais, pela agricultura. A roça, para eles, era fundamental.


 

 

 

 

 

 

 

 

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