MEU AVÔ
Edmílson Martins
Dezembro 2021
Ele se chamava José Martins, mas muito conhecido por José Bembém. Até mais ou menos os oito anos de idade, eu convivi com ele. Eu e meus irmãos o chamávamos de pai. Morava em casa bem próxima da nossa. Tinha oito filhos, seis mulheres e dois homens, com a segunda esposa. Há muitos anos antes de eu nascer, falecera sua primeira esposa, mãe de meu pai e minha avó. Eu e meus irmãos considerávamos os tios e tias como se fossem irmãos e irmãs. Por isso, chamávamos o nosso avô de pai.
Era um homem calmo, espirituoso, terno, cheio de sabedoria. Muito admirado pela sua personalidade forte e pela sua generosidade. Seus gestos e comportamento impunham muito respeito. Tinha a fala mansa e ponderada. Todos o ouviam com atenção, quando ele falava. Uma personagem marcante, cuja memória permanece em minha vida.
Lembro-me de uma vez que um rapaz, por causa de uma brincadeira, jurou bater no Vicente, meu tio e seu filho ainda adolescente. Ele soube e foi tomar satisfação.
- Fulano, você vai bater no meu filho? – falou com voz forte, serena e admoestadora.
O rapaz, trêmulo, respondeu:
- Não, seu José, eu estava brincando e, sem graça, foi logo saindo.
Muitas histórias rolavam em torno da figura dele. Meu pai contava que um dia ele promoveu um samba, festa dançante, em sua casa. Lá pelas onze horas da noite, um cidadão, já meio embriagado, foi tirar uma dama pra dançar e ela o recusou. O homem não gostou e quis criar encrenca, quando ela saiu dançando com outro. Meu avô, já deitado, ouviu o bafafá, levantou-se e foi ao salão, dizendo: “o samba está terminado, vão todos pra casa”. O encrenqueiro não gostou e protestou. O meu avô somente ordenou: “segurem esse cabra”. Vários homens logo tentaram segurá-lo e o cara fugiu desembestado.
Meu pai contava que certo dia, meu avô ia a cavalo pela estrada, quando encontrou o bando de Lampião, acampado, descansando. Dois cabras logo tomaram o cavalo dele. Ele, com coragem e firmeza, dirigiu-se a Lampião e falou:
- Capitão, eu sou pobre e este cavalo é o único que tenho e me serve como meio de transporte pelas estradas do sertão. Lampião chamou os cabras e disse:
- Devolvam o cavalo do velho.
Eu convivi pouco tempo com ele. Quando faleceu eu era ainda criança, mas me lembro bem do seu jeito de ser, das suas conversas, do seu temperamento suave, da sua sabedoria. Com a sua partida, ficaram vivos os seus feitos, a sua generosidade, a sua personalidade determinante, as histórias contadas sobre ele. Era sempre muito lembrado pelos seus contemporâneos.
“O velho” da música de Chico Buarque diz que “nada tem de novo pra deixar; que deixa a vida sem dívida, sem saldo, sem rival ou amizade”. Diz também que “sempre se escondeu, não se comprometeu”. “foi-se embora sem bagagem, não sabe pra que veio”.
Diferentemente, o meu avô, não se guardou, muito teve pra deixar, não foi indiferente, deixou amizades, não se escondeu, sempre se comprometeu. Foi-se embora com bagagem, foi agente ativo da História. Deixou memória. Construiu eternidades. Soube pra que veio. Por isso, hoje podemos lembrar e louvar a sua produtiva passagem por este planeta.
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