segunda-feira, 8 de fevereiro de 2021

TIA LIRA (homenagem)

 

 

 

TIA LIRA – 103 ANOS

                        (Homenagem)                                

                                                   Edmílson Martins

                                                   Janeiro/2021

 

Ela é uma das nove irmãs da minha mãe, filhas da vó Rosinha e do vô José Matias, que os netos chamavam de Pai Matias. Ainda me lembro muito deles. Serenos, meigos, carinhosos. Quando eu era criança e eles moravam no Sítio Olho D´água, próximo da cidade de Barro- CE, gostava de ficar na casa deles.

 

Meus avós, nascidos e criados na roça, além das dez filhas, tiveram quatro filhos. Depois do Sítio Olho D´agua, foram morar na Serra do Araripe, onde cultivavam mandioca para a fabricação de farinha.

 

Dos quatorze irmãos, onze já partiram para a eternidade. Todos com mais de 90 anos. Minha mãe, por exemplo, partiu com 98 anos, sob protesto. Queria ficar mais tempo por aqui. As tias Chiquinha e Nazinha, com mais de 90 anos e a tia Lira insistem em continuar neste planeta.

 

A tia Lira morou num sítio chamado Lagoa de Vaca e gerou, com o marido, chamado Raimundo Felipe, mais de dez filhos. Não conheci todos. Conheci apenas alguns, os mais velhos.

 

Ainda na minha adolescência, toda vez que ia à cidade de Crato, tinha que pegar o trem, que passava no lugarejo Ingazeiras. Saía de casa de madrugada e passava na casa dela por volta das seis horas da manhã. Parava para cumprimentá-la e tomar o café da manhã, geralmente composto de leite, café, pão de milho, preparados no fogão feito de barro, movido a lenha.

 

Meus pais e meus irmãos também passavam por lá. E ela, muito hospitaleira e atenciosa, acolhia todos com muito carinho. Ninguém da família passava por lá, sem visitá-la. Ela dava bronca se alguém não parasse lá.

 

Mulher forte, corajosa e decidida, tia Lira sempre viveu da agricultura, com o marido e os filhos. Ela, mulher de fibra, como aquelas mulheres da música do Milton Nascimento “que têm a mania de ter fé na vida”, não nega a descendência de Iracema, irmã do bravo Poti, da guerreira tribo dos Tabajaras, que campeava as matas de Ipu, além da serra de Ibiapaba, conforme o romance “Iracema” do escritor romântico José de Alencar.

 

Apesar da precariedade da vida no campo, no seco sertão nordestino cearense, ela resistiu. E está lá, lúcida e dinâmica, aos 103 anos, morando hoje em Ingazeiras, onde outrora passava o trem de passageiros, que percorria o trajeto de Fortaleza a Crato.

 

Há muitos anos não tenho contato com ela, mas meus irmãos, primos e sobrinhos que moram por lá me dão notícias dela e da família. Parece que todos os filhos e netos moram ao redor dela.

 

Dizem-me que ela está firme e forte, sempre alegre a proseadora. Cuida-se sozinha, faz de tudo em casa: faz comida, varre a casa, lava roupa, etc. E quando alguém pergunta: “Tia, com essa vitalidade, certamente, a senhora vai sempre ao médico”. Ela responde: “Não. Não sou besta. Se for, eles vão me arrumar doença

 

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