quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

CONTADORES DE HISTÓRIAS

 




         CONTADORES DE HISTÓRIAS

 

                                           Edmílson Martins

                                           Fevereiro/2021

 

 No sertão, havia muitos contadores de histórias. Inventadas ou verdadeiras, todas eram narradas com muita graça e criatividade, encantando crianças, jovens e adultos.

 Um deles se chamava Vicente Severo. Homem pobre, simples, trabalhador da roça, semianalfabeto. Vivia com dificuldades, mas sempre encontrava tempo para contar histórias. Parecia rude, mas era um sábio, um artista e grande comunicador. Sabia prender a atenção dos seus expectadores.

 Suas histórias eram sempre teatralizadas. Ele dançava, sapateava, cantava, fazia trejeitos com o corpo. Deixava todos encantados. Ficava horas e horas contando histórias e ninguém se cansava de ouvi-las. Sempre se pedia “mais uma”.

 Ele se realizava, alegrando as pessoas, valorizando, na sua simplicidade, criatividade e espontaneidade, a cultura popular, hoje tão desprezada pela ganância dos que só pensam em consumo, lucro e acúmulo de bens materiais.

 Outro exímio contador de histórias, esse já letrado e com alguma experiência de leituras, um dia narrou uma história que nunca me saiu da memória:

Um homem chegara à beira de um rio, com fortes correntezas. Ficou observando as pessoas tentarem atravessar a nado e não conseguiam. Então ele disse: “vocês não conseguem porque não têm fé”. Todos o desafiaram a atravessar o rio.

 Ele topou o desafio. Entrou na água, tentou vencer a correnteza, rodopiou, insistiu, insistiu e não conseguiu. Voltou à margem e, diante da expectativa de todos, voltou à água, enfrentou a correnteza, deu braçadas, tentando ultrapassar a força das águas, mas cansou e voltou outra vez à margem.

 - E aí, cadê a força da sua fé? – gritaram todos, com ar de deboche. O homem encarou todos, com muita seriedade e falou: “Não consegui porque ainda não tenho fé”.

 O contador da história, certamente, conhecia o Evangelho e quis, com seu relato, transmitir algum ensinamento. Concluiu dizendo que todos ficaram olhando para o homem, espantados e circunspectos, talvez convencidos da sua falta de fé.

 Essa história lembra uma passagem do Evangelho de Marcos (9:14-32), em que um pai leva a Jesus um filho doente, dizendo:

“- Mestre, eu trouxe o meu filho para o senhor, porque ele está dominado por um espírito mau e não pode falar. Já pedi aos discípulos do senhor que expulsassem o espírito, mas eles não conseguiram. Jesus disse: — Gente sem fé! 

Mas, se o senhor pode, então nos ajude. Tenha pena de nós! Jesus respondeu: — Se eu posso? Tudo é possível para quem tem fé. Então o pai gritou: — Eu tenho fé! Ajude-me a ter mais fé!”

Sem dúvida, aqueles contadores de histórias, com sua criatividade,arte e capacidade de impressionar, contribuíram muito para amenizar a vida dura do sertanejo, fortalecendo-o no seu sentido de vida. Isso levou o escritor Euclides da Cunha, autor do livro “Os Sertões”, a declarar que “o sertanejo é acima de tudo um forte”.

 

 

 

 

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