quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021

AS SERENATAS

 





                  




 AS SERENATAS

                

                           Edmílson Martins

                            Fevereiro/2021

 

Corria a segunda metade da década de 1950. Era uma época dominada pelo romantismo, expresso na música, no cinema e até na política. Época do governo Juscelino Kubitschek, do desenvolvimentismo, da ousada construção de Brasília.

 

Eu tinha 17, anos de idade, de emoção e romantismo. E, juntamente com amigos de minha geração, na cidade de Crato-CE, vivia intensamente aquele momento, com muitas atividades próprias da inquietude daquela idade de transição.

 

Enlevados pelo sentimentalismo dos boleros mexicanos e brasileiros e pelas músicas cantadas por Nelson Gonçalves, Luiz Gonzaga, Chico Alves, Ângela Maria e outros cantores do gênero, a juventude vivia um momento de êxtase.

 

Havia ainda os filmes românticos, os faroestes, as grandes produções cinematográficas, os musicais nacionais, tudo aliado à visionária construção de Brasília, inicialmente considerada uma ficção. Vivia-se uma vida real, que, vista a partir de hoje, parecia uma ficção.

Nesse clima, apesar dos problemas, a rapaziada, às noites, saía pelas ruas, fazendo serenatas, cantando músicas que eram sucesso no momento. Naquele tempo, podia. Depois, na ditadura, Chico Buarque cantava em “Roda Viva”: “Não posso fazer serenata/A roda de samba acabou”. E hoje, com a ditadura do mercado e das pandemias, também não se pode fazer serenata.

 

Naqueles tempos de romantismo e fantasia, mas de vida real, a juventude, sem perder o interesse pelas questões sociais, divertia-se e vivia com alegria. Vivia aquele momento mágico, principalmente, com as emoções produzidas pelo cancioneiro popular. O vírus da poesia e da utopia contagiou aquela década. Na música, do voo da Asa Branca, de Luiz Gonzaga, à volta do Boêmio, de Nelson Gonçalves, tudo embevecia a gente.

 

Nas serenatas até havia algumas situações bizarras. Certa vez, um grupo combinou uma serenata em frente à casa da namorada de um dos seresteiros. O pai soube e se preparou, com uma lata d´água. Era um sobrado. Lá pela meia noite, o grupo começou a cantar a música “Noite cheia de estrelas”, de Cândido das Neves: “Noite alta, o céu risonho/A quietude é quase um sonho”... O pai interrompeu dizendo: “Lá vai água vagabundos” e despejou a lata d`água em cima dos seresteiros. Debandada geral.

 

Essas lembranças não significam saudosismo, mas lembranças ternas, tentativa de resgate e reivindicação de práticas saborosas e sadias, que encantam a vida. Práticas que, infelizmente, desapareceram, porque o mundo tornou-se mais duro e cruel. Os sistemas políticos e sociais, com sua sede de lucro e poder, tornaram o mundo menos humano, mais individualista e mais pesado.

 

Parafraseando Chico Buarque, a gente tem que tomar iniciativa, com viola na rua a cantar e não deixar que a roda viva leve a viola pra lá. Não podemos deixar que a música, as serenatas, a viola sejam ilusão passageira, levadas pela brisa primeira e nem deixar que a roda viva carregue a saudade pra lá.

 

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