AS SERENATAS
Edmílson Martins
Fevereiro/2021
Corria a
segunda metade da década de 1950. Era uma época dominada pelo romantismo,
expresso na música, no cinema e até na política. Época do governo Juscelino
Kubitschek, do desenvolvimentismo, da ousada construção de Brasília.
Eu tinha 17,
anos de idade, de emoção e romantismo. E, juntamente com amigos de minha
geração, na cidade de Crato-CE, vivia intensamente aquele momento, com muitas
atividades próprias da inquietude daquela idade de transição.
Enlevados
pelo sentimentalismo dos boleros mexicanos e brasileiros e pelas músicas
cantadas por Nelson Gonçalves, Luiz Gonzaga, Chico Alves, Ângela Maria e outros
cantores do gênero, a juventude vivia um momento de êxtase.
Havia ainda
os filmes românticos, os faroestes, as grandes produções cinematográficas, os
musicais nacionais, tudo aliado à visionária construção de Brasília,
inicialmente considerada uma ficção. Vivia-se uma vida real, que, vista a
partir de hoje, parecia uma ficção.
Nesse clima,
apesar dos problemas, a rapaziada, às noites, saía pelas ruas, fazendo
serenatas, cantando músicas que eram sucesso no momento. Naquele tempo, podia.
Depois, na ditadura, Chico Buarque cantava em “Roda Viva”: “Não posso fazer
serenata/A roda de samba acabou”. E hoje, com a ditadura do mercado e das
pandemias, também não se pode fazer serenata.
Naqueles
tempos de romantismo e fantasia, mas de vida real, a juventude, sem perder o
interesse pelas questões sociais, divertia-se e vivia com alegria. Vivia aquele
momento mágico, principalmente, com as emoções produzidas pelo cancioneiro
popular. O vírus da poesia e da utopia contagiou aquela década. Na música, do
voo da Asa Branca, de Luiz Gonzaga, à volta do Boêmio, de Nelson Gonçalves,
tudo embevecia a gente.
Nas
serenatas até havia algumas situações bizarras. Certa vez, um grupo combinou
uma serenata em frente à casa da namorada de um dos seresteiros. O pai soube e
se preparou, com uma lata d´água. Era um sobrado. Lá pela meia noite, o grupo
começou a cantar a música “Noite cheia de estrelas”, de Cândido das Neves:
“Noite alta, o céu risonho/A quietude é quase um sonho”... O pai interrompeu
dizendo: “Lá vai água vagabundos” e despejou a lata d`água em cima dos
seresteiros. Debandada geral.
Essas
lembranças não significam saudosismo, mas lembranças ternas, tentativa de
resgate e reivindicação de práticas saborosas e sadias, que encantam a vida.
Práticas que, infelizmente, desapareceram, porque o mundo tornou-se mais duro e
cruel. Os sistemas políticos e sociais, com sua sede de lucro e poder, tornaram
o mundo menos humano, mais individualista e mais pesado.
Parafraseando
Chico Buarque, a gente tem que tomar iniciativa, com viola na rua a cantar e
não deixar que a roda viva leve a viola pra lá. Não podemos deixar que a
música, as serenatas, a viola sejam ilusão passageira, levadas pela brisa
primeira e nem deixar que a roda viva carregue a saudade pra lá.
Nenhum comentário:
Postar um comentário