CIDADE MARAVILHOSA
(Experiências de um retirante)
Edmílson Martins
Fevereiro/2021
No dia 20 de março de
1960, às 20 horas, eu chegava ao Aeroporto Santos Dumont. Vinha da cidade de
Crato, Ceará, num avião, que voando a cinco mil metros de altura, demorou cerca
de dez horas para chegar ao Rio de Janeiro.
Por telegrama, eu avisara ao meu
irmão Agostinho que chegaria àquela hora. Ele não recebera o telegrama. No
aeroporto, procurei-o e não o encontrei. Fiquei meio atrapalhado. Um
companheiro de viagem, acho que se chamava Luiz Gonzaga de Melo, conterrâneo e
jornalista, que trabalhava na Agência Nacional, vendo a minha aflição,
generosamente, procurou no catálogo de telefones e encontrou o telefone de um
vizinho do meu irmão, conseguindo avisá-lo de que eu o esperava no aeroporto.
Guardo na memória, com gratidão, aquele companheiro. Nunca mais o vi.
Eu tinha 21 anos,
quando cheguei ao Rio de Janeiro. Vim para ficar, em busca de melhores
condições de vida. Naquele momento, finalzinho do governo Juscelino Kubtschek,
com a construção de Brasília, vivia-se um clima de euforia, romantismo e
esperança. Influenciado por esse clima, saí do Nordeste, em busca de nova vida.
Indo de bonde para
casa do Agostinho, com ele e sua esposa, comecei a observar, no trajeto, o
cenário da cidade maravilhosa, toda iluminada, com trânsito intenso, prédios
altos, letreiros luminosos, etc. Tudo para mim era interessante, por ser o meu
primeiro contato com uma cidade grande.
Ao contemplar esse
cenário, pensava nas informações contraditórias sobre a cidade maravilhosa. Ao
lado das belezas naturais e culturais, havia informações negativas: violência,
libertinagem, malandragem e ação de vigaristas. Conhecia isso através do
cinema, programas de rádios e revistas.
Quando comecei a procurar
emprego, encarei a cidade com deslumbramento e, ao mesmo tempo, desconfiado,
com um certo medo. Eu estava muito influenciado pelas informações negativas.
Até mesmo a fisionomia das pessoas me assustava. Lembro-me de um colega do
Banco de Crédito Real, muito carrancudo, que me assustava. Com o tempo e
convivência descobri que era uma pessoa maravilhosa.
A vontade de ver os
aspectos positivos e a certeza de que eles são mais fortes do que os negativos
venceu o medo e a desconfiança. Tudo isso desaparece quando a gente acredita no
lado bom da vida e nos valores positivos, próprios do ser humano. E fui
descobrindo que na cidade maravilhosa e no povo havia mais valores positivos do
que negativos.
Assim, tentando
vencer as barreiras da desconfiança e do medo, eu resolvi logo participar de
atividades sociais, encontrando acolhimento nos Movimentos da Igreja Católica e
depois no Movimento Sindical Bancário. E quis conhecer de perto os lugares e cenários
que marcaram época, com acontecimentos importantes registrados na História, nas
obras literárias e na música popular. Já entendia que o conhecimento da
História e da cultura do nosso povo nos dá força e coragem.
Comecei pela Praça da
República, cenário que marcou o final da monarquia e o início do sistema
republicano. Pelos livros de História, eu conhecia a proclamação da República,
feita pelo Marechal Deodoro da Fonseca; pelo romance “Esaú e Jacó” de Machado
de Assis, eu conhecia a Praça da República e a movimentação popular em torno
dela, em função da proclamação do sistema republicano.
Andando pela cidade,
encontrei a Rua do Ouvidor, Passeio Público, Outeiro da Glória, Praia do
Flamengo, etc., cenários de famosos romances de Machado de Assis, o mais
carioca dos escritores brasileiros. Quincas Borba, Brás Cubas, Dom Casmurro e
outros personagens de Machado estiveram nesses ambientes.
Nas minhas buscas,
quis logo conhecer Copacabana, da canção de Tom Jobim: “Copacabana princesinha
do mar”, e da canção interpretada por Nelson Gonçalves: “É bonita essa
Copacabana, é bonita, é bonita demais”. E a Lapa da canção de Wilson Batista,
interpretada por Nelson Gonçalves “História da Lapa”: “Lapa, dos capoeiras,/Miguelzinho
camisa preta,/Meia Noite e Edgar”. E da música de Noel Rosa, interpretada por
Orlando Silva “Dama de Cabaré”: “Foi num cabaré na Lapa/ Que eu conheci você”.
Sucessos nacionais, que despertavam curiosidade e vontade conhecer esses
lugares.
Tudo isso e mais o
Pão de Açúcar, o Corcovado, a Floresta da Tijuca, a Quinta da Boa Vista, as
outras praias e a população, composta por diferentes raças e culturas, formando
um povo fagueiro e hospitaleiro, justificavam, para o Rio de Janeiro, o nome
“Cidade Maravilhosa”. Realmente “Cheia de encantos mil”; “Berço do samba e das
lindas canções”; “Terra que a todos seduz”, como destaca a canção, que virou
hino oficial da cidade.
Fiquei seduzido e
aqui estou há 61 anos, com ampla participação social e política, com esposa
fluminense, (de Barra Mansa), quatro filhos, quatro netos, noras e genro
cariocas. Mas devo dizer que a cidade maravilhosa me seduziu, porém, nunca
esqueci minha terra natal, que também é maravilhosa.
Hoje, esta cidade de
São Sebastião e do Cristo Redentor, cheia de riquezas naturais, tão carinhosa
com seus filhos, tão acolhedora, infelizmente, anda muito maltratada, depredada
pela ação de gente gananciosa e insensível e pela má administração de políticos
maus, incompetentes e irresponsáveis. Mas, apesar de tudo, continua sendo
“Cidade Maravilhosa/ coração do meu Brasil”.