sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

A VACINA CHINESA

 

 

 

 

 

A VACINA CHINESA

 

                              Edmílson Martins

                              Fevereiro/2021

 
Depois da espera longa e angustiante das vacinas contra o covid-19, depois das querelas produzidas por políticos, governantes, laboratórios e instituições científicas, finalmente, chegou o meu dia de tomar a primeira dose.

 Tomei a coronavac, vacina chinesa, que, segundo as más línguas, contém o vírus vermelho do comunismo. Segundo esses “gênios” superinteligentes e profundos conhecedores da doutrina comunista e das intenções dos comunistas, a vacina foi criada para dominar o mundo. Conforme a conclusão desses “gênios”, todas as pessoas que a tomarem se tornarão comunistas.

 Pois é, se me virem por aí de camisa vermelha, já sabem: é efeito da vacina. Ou se um dia me virem sair da praia com corpo vermelho, não pensem que foi o sol, ou o calor de quarenta graus. Foi o efeito da vacina. Ou se me virem com algum ferimento no corpo, jorrando sangue vermelho, é claro que foi efeito da vacina. Conclusão lógica: se tem sangue vermelho, é comunista.

 E olhem que tomei apenas a primeira dose. Depois que tomar a segunda, muitas coisas poderão acontecer. O que vai acontecer, não sei. Quem sabe, me tornarei chinês! Se me virem em algum restaurante usando pauzinhos, em vez de talheres, a conclusão, certamente, será: virou chinês, é o efeito da vacina.

 Esses “especialistas” em comunismo e em chineses nos advertem: “Coronavac e coronavírus. Prestem atenção nos nomes. São da mesma família. Invenções chinesas para dominar o mundo. E concluem: primeiro, inventaram o coronavírus, para justificar a invenção da coronavac. Estratégias do comunismo”.

 

 

 

 

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

CONTADORES DE HISTÓRIAS

 




         CONTADORES DE HISTÓRIAS

 

                                           Edmílson Martins

                                           Fevereiro/2021

 

 No sertão, havia muitos contadores de histórias. Inventadas ou verdadeiras, todas eram narradas com muita graça e criatividade, encantando crianças, jovens e adultos.

 Um deles se chamava Vicente Severo. Homem pobre, simples, trabalhador da roça, semianalfabeto. Vivia com dificuldades, mas sempre encontrava tempo para contar histórias. Parecia rude, mas era um sábio, um artista e grande comunicador. Sabia prender a atenção dos seus expectadores.

 Suas histórias eram sempre teatralizadas. Ele dançava, sapateava, cantava, fazia trejeitos com o corpo. Deixava todos encantados. Ficava horas e horas contando histórias e ninguém se cansava de ouvi-las. Sempre se pedia “mais uma”.

 Ele se realizava, alegrando as pessoas, valorizando, na sua simplicidade, criatividade e espontaneidade, a cultura popular, hoje tão desprezada pela ganância dos que só pensam em consumo, lucro e acúmulo de bens materiais.

 Outro exímio contador de histórias, esse já letrado e com alguma experiência de leituras, um dia narrou uma história que nunca me saiu da memória:

Um homem chegara à beira de um rio, com fortes correntezas. Ficou observando as pessoas tentarem atravessar a nado e não conseguiam. Então ele disse: “vocês não conseguem porque não têm fé”. Todos o desafiaram a atravessar o rio.

 Ele topou o desafio. Entrou na água, tentou vencer a correnteza, rodopiou, insistiu, insistiu e não conseguiu. Voltou à margem e, diante da expectativa de todos, voltou à água, enfrentou a correnteza, deu braçadas, tentando ultrapassar a força das águas, mas cansou e voltou outra vez à margem.

 - E aí, cadê a força da sua fé? – gritaram todos, com ar de deboche. O homem encarou todos, com muita seriedade e falou: “Não consegui porque ainda não tenho fé”.

 O contador da história, certamente, conhecia o Evangelho e quis, com seu relato, transmitir algum ensinamento. Concluiu dizendo que todos ficaram olhando para o homem, espantados e circunspectos, talvez convencidos da sua falta de fé.

 Essa história lembra uma passagem do Evangelho de Marcos (9:14-32), em que um pai leva a Jesus um filho doente, dizendo:

“- Mestre, eu trouxe o meu filho para o senhor, porque ele está dominado por um espírito mau e não pode falar. Já pedi aos discípulos do senhor que expulsassem o espírito, mas eles não conseguiram. Jesus disse: — Gente sem fé! 

Mas, se o senhor pode, então nos ajude. Tenha pena de nós! Jesus respondeu: — Se eu posso? Tudo é possível para quem tem fé. Então o pai gritou: — Eu tenho fé! Ajude-me a ter mais fé!”

Sem dúvida, aqueles contadores de histórias, com sua criatividade,arte e capacidade de impressionar, contribuíram muito para amenizar a vida dura do sertanejo, fortalecendo-o no seu sentido de vida. Isso levou o escritor Euclides da Cunha, autor do livro “Os Sertões”, a declarar que “o sertanejo é acima de tudo um forte”.

 

 

 

 

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021

QUEBRANDO PEDRAS

 





QUEBRANDO PEDRAS

                   

                                 Edmílson Martins

                                  Janeiro/2021

 

Embaixo do viaduto

Combatendo a covardia

O bom padre Lancellotti

Quebrava pedras tão frias

Que suprimiam dos pobres

O lugar onde dormiam.

 

Grande padre defensor

Dos excluídos da vida

O seguidor de Jesus

Que aqui não teve acolhida

Por defender gente pobre

Foi morto por genocidas.

 

Lancellotti cavaleiro

Do Reino que não tem rei

Com a marreta na mão

Quebrando pedras da lei

Lança grito desumano

Dizendo gente entendei.

 

A nossa gente da rua

Não tem casa pra morar

Com as pedras no caminho

Não tem jeito de sonhar

Esse povo tem direito

A lugar para deitar.

 

Como em Jerusalém

As pedras não ficarão

Pois o padre Lancellotti

Com a marreta na mão

Vai rebentar todas elas

Tendo Deus no coração.

 

Derrubando aquelas pedras

O nosso bom sacerdote

Com seu gesto de nobreza

Tal qual o nobre Quixote

Combate monstros cruéis

Que usam o vil garrote.

 

Para remover as pedras

Que travam nossos caminhos

O bom padre Lancellotti

Seguiremos com carinho

Como Francisco de Assis

Defendendo os pobrezinhos.

 

 

 



AS SERENATAS

 





                  




 AS SERENATAS

                

                           Edmílson Martins

                            Fevereiro/2021

 

Corria a segunda metade da década de 1950. Era uma época dominada pelo romantismo, expresso na música, no cinema e até na política. Época do governo Juscelino Kubitschek, do desenvolvimentismo, da ousada construção de Brasília.

 

Eu tinha 17, anos de idade, de emoção e romantismo. E, juntamente com amigos de minha geração, na cidade de Crato-CE, vivia intensamente aquele momento, com muitas atividades próprias da inquietude daquela idade de transição.

 

Enlevados pelo sentimentalismo dos boleros mexicanos e brasileiros e pelas músicas cantadas por Nelson Gonçalves, Luiz Gonzaga, Chico Alves, Ângela Maria e outros cantores do gênero, a juventude vivia um momento de êxtase.

 

Havia ainda os filmes românticos, os faroestes, as grandes produções cinematográficas, os musicais nacionais, tudo aliado à visionária construção de Brasília, inicialmente considerada uma ficção. Vivia-se uma vida real, que, vista a partir de hoje, parecia uma ficção.

Nesse clima, apesar dos problemas, a rapaziada, às noites, saía pelas ruas, fazendo serenatas, cantando músicas que eram sucesso no momento. Naquele tempo, podia. Depois, na ditadura, Chico Buarque cantava em “Roda Viva”: “Não posso fazer serenata/A roda de samba acabou”. E hoje, com a ditadura do mercado e das pandemias, também não se pode fazer serenata.

 

Naqueles tempos de romantismo e fantasia, mas de vida real, a juventude, sem perder o interesse pelas questões sociais, divertia-se e vivia com alegria. Vivia aquele momento mágico, principalmente, com as emoções produzidas pelo cancioneiro popular. O vírus da poesia e da utopia contagiou aquela década. Na música, do voo da Asa Branca, de Luiz Gonzaga, à volta do Boêmio, de Nelson Gonçalves, tudo embevecia a gente.

 

Nas serenatas até havia algumas situações bizarras. Certa vez, um grupo combinou uma serenata em frente à casa da namorada de um dos seresteiros. O pai soube e se preparou, com uma lata d´água. Era um sobrado. Lá pela meia noite, o grupo começou a cantar a música “Noite cheia de estrelas”, de Cândido das Neves: “Noite alta, o céu risonho/A quietude é quase um sonho”... O pai interrompeu dizendo: “Lá vai água vagabundos” e despejou a lata d`água em cima dos seresteiros. Debandada geral.

 

Essas lembranças não significam saudosismo, mas lembranças ternas, tentativa de resgate e reivindicação de práticas saborosas e sadias, que encantam a vida. Práticas que, infelizmente, desapareceram, porque o mundo tornou-se mais duro e cruel. Os sistemas políticos e sociais, com sua sede de lucro e poder, tornaram o mundo menos humano, mais individualista e mais pesado.

 

Parafraseando Chico Buarque, a gente tem que tomar iniciativa, com viola na rua a cantar e não deixar que a roda viva leve a viola pra lá. Não podemos deixar que a música, as serenatas, a viola sejam ilusão passageira, levadas pela brisa primeira e nem deixar que a roda viva carregue a saudade pra lá.

 

CIDADE MARAVILHOSA

 









CIDADE MARAVILHOSA

                                   (Experiências de um retirante)

                                       

                                                Edmílson Martins

                                                Fevereiro/2021

 

No dia 20 de março de 1960, às 20 horas, eu chegava ao Aeroporto Santos Dumont. Vinha da cidade de Crato, Ceará, num avião, que voando a cinco mil metros de altura, demorou cerca de dez horas para chegar ao Rio de Janeiro.

 

Por telegrama, eu avisara ao meu irmão Agostinho que chegaria àquela hora. Ele não recebera o telegrama. No aeroporto, procurei-o e não o encontrei. Fiquei meio atrapalhado. Um companheiro de viagem, acho que se chamava Luiz Gonzaga de Melo, conterrâneo e jornalista, que trabalhava na Agência Nacional, vendo a minha aflição, generosamente, procurou no catálogo de telefones e encontrou o telefone de um vizinho do meu irmão, conseguindo avisá-lo de que eu o esperava no aeroporto. Guardo na memória, com gratidão, aquele companheiro. Nunca mais o vi.

 

Eu tinha 21 anos, quando cheguei ao Rio de Janeiro. Vim para ficar, em busca de melhores condições de vida. Naquele momento, finalzinho do governo Juscelino Kubtschek, com a construção de Brasília, vivia-se um clima de euforia, romantismo e esperança. Influenciado por esse clima, saí do Nordeste, em busca de nova vida.

 

Indo de bonde para casa do Agostinho, com ele e sua esposa, comecei a observar, no trajeto, o cenário da cidade maravilhosa, toda iluminada, com trânsito intenso, prédios altos, letreiros luminosos, etc. Tudo para mim era interessante, por ser o meu primeiro contato com uma cidade grande.

 

Ao contemplar esse cenário, pensava nas informações contraditórias sobre a cidade maravilhosa. Ao lado das belezas naturais e culturais, havia informações negativas: violência, libertinagem, malandragem e ação de vigaristas. Conhecia isso através do cinema, programas de rádios e revistas.

 

Quando comecei a procurar emprego, encarei a cidade com deslumbramento e, ao mesmo tempo, desconfiado, com um certo medo. Eu estava muito influenciado pelas informações negativas. Até mesmo a fisionomia das pessoas me assustava. Lembro-me de um colega do Banco de Crédito Real, muito carrancudo, que me assustava. Com o tempo e convivência descobri que era uma pessoa maravilhosa.

 

A vontade de ver os aspectos positivos e a certeza de que eles são mais fortes do que os negativos venceu o medo e a desconfiança. Tudo isso desaparece quando a gente acredita no lado bom da vida e nos valores positivos, próprios do ser humano. E fui descobrindo que na cidade maravilhosa e no povo havia mais valores positivos do que negativos.

 

Assim, tentando vencer as barreiras da desconfiança e do medo, eu resolvi logo participar de atividades sociais, encontrando acolhimento nos Movimentos da Igreja Católica e depois no Movimento Sindical Bancário. E quis conhecer de perto os lugares e cenários que marcaram época, com acontecimentos importantes registrados na História, nas obras literárias e na música popular. Já entendia que o conhecimento da História e da cultura do nosso povo nos dá força e coragem.

 

Comecei pela Praça da República, cenário que marcou o final da monarquia e o início do sistema republicano. Pelos livros de História, eu conhecia a proclamação da República, feita pelo Marechal Deodoro da Fonseca; pelo romance “Esaú e Jacó” de Machado de Assis, eu conhecia a Praça da República e a movimentação popular em torno dela, em função da proclamação do sistema republicano.

 

Andando pela cidade, encontrei a Rua do Ouvidor, Passeio Público, Outeiro da Glória, Praia do Flamengo, etc., cenários de famosos romances de Machado de Assis, o mais carioca dos escritores brasileiros. Quincas Borba, Brás Cubas, Dom Casmurro e outros personagens de Machado estiveram nesses ambientes.

 

Nas minhas buscas, quis logo conhecer Copacabana, da canção de Tom Jobim: “Copacabana princesinha do mar”, e da canção interpretada por Nelson Gonçalves: “É bonita essa Copacabana, é bonita, é bonita demais”.  E a Lapa da canção de Wilson Batista, interpretada por Nelson Gonçalves “História da Lapa”: “Lapa, dos capoeiras,/Miguelzinho camisa preta,/Meia Noite e Edgar”. E da música de Noel Rosa, interpretada por Orlando Silva “Dama de Cabaré”: “Foi num cabaré na Lapa/ Que eu conheci você”. Sucessos nacionais, que despertavam curiosidade e vontade conhecer esses lugares.

 

Tudo isso e mais o Pão de Açúcar, o Corcovado, a Floresta da Tijuca, a Quinta da Boa Vista, as outras praias e a população, composta por diferentes raças e culturas, formando um povo fagueiro e hospitaleiro, justificavam, para o Rio de Janeiro, o nome “Cidade Maravilhosa”. Realmente “Cheia de encantos mil”; “Berço do samba e das lindas canções”; “Terra que a todos seduz”, como destaca a canção, que virou hino oficial da cidade.

 

Fiquei seduzido e aqui estou há 61 anos, com ampla participação social e política, com esposa fluminense, (de Barra Mansa), quatro filhos, quatro netos, noras e genro cariocas. Mas devo dizer que a cidade maravilhosa me seduziu, porém, nunca esqueci minha terra natal, que também é maravilhosa.

 

Hoje, esta cidade de São Sebastião e do Cristo Redentor, cheia de riquezas naturais, tão carinhosa com seus filhos, tão acolhedora, infelizmente, anda muito maltratada, depredada pela ação de gente gananciosa e insensível e pela má administração de políticos maus, incompetentes e irresponsáveis. Mas, apesar de tudo, continua sendo “Cidade Maravilhosa/ coração do meu Brasil”.

 

 

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2021

TIA LIRA (homenagem)

 

 

 

TIA LIRA – 103 ANOS

                        (Homenagem)                                

                                                   Edmílson Martins

                                                   Janeiro/2021

 

Ela é uma das nove irmãs da minha mãe, filhas da vó Rosinha e do vô José Matias, que os netos chamavam de Pai Matias. Ainda me lembro muito deles. Serenos, meigos, carinhosos. Quando eu era criança e eles moravam no Sítio Olho D´água, próximo da cidade de Barro- CE, gostava de ficar na casa deles.

 

Meus avós, nascidos e criados na roça, além das dez filhas, tiveram quatro filhos. Depois do Sítio Olho D´agua, foram morar na Serra do Araripe, onde cultivavam mandioca para a fabricação de farinha.

 

Dos quatorze irmãos, onze já partiram para a eternidade. Todos com mais de 90 anos. Minha mãe, por exemplo, partiu com 98 anos, sob protesto. Queria ficar mais tempo por aqui. As tias Chiquinha e Nazinha, com mais de 90 anos e a tia Lira insistem em continuar neste planeta.

 

A tia Lira morou num sítio chamado Lagoa de Vaca e gerou, com o marido, chamado Raimundo Felipe, mais de dez filhos. Não conheci todos. Conheci apenas alguns, os mais velhos.

 

Ainda na minha adolescência, toda vez que ia à cidade de Crato, tinha que pegar o trem, que passava no lugarejo Ingazeiras. Saía de casa de madrugada e passava na casa dela por volta das seis horas da manhã. Parava para cumprimentá-la e tomar o café da manhã, geralmente composto de leite, café, pão de milho, preparados no fogão feito de barro, movido a lenha.

 

Meus pais e meus irmãos também passavam por lá. E ela, muito hospitaleira e atenciosa, acolhia todos com muito carinho. Ninguém da família passava por lá, sem visitá-la. Ela dava bronca se alguém não parasse lá.

 

Mulher forte, corajosa e decidida, tia Lira sempre viveu da agricultura, com o marido e os filhos. Ela, mulher de fibra, como aquelas mulheres da música do Milton Nascimento “que têm a mania de ter fé na vida”, não nega a descendência de Iracema, irmã do bravo Poti, da guerreira tribo dos Tabajaras, que campeava as matas de Ipu, além da serra de Ibiapaba, conforme o romance “Iracema” do escritor romântico José de Alencar.

 

Apesar da precariedade da vida no campo, no seco sertão nordestino cearense, ela resistiu. E está lá, lúcida e dinâmica, aos 103 anos, morando hoje em Ingazeiras, onde outrora passava o trem de passageiros, que percorria o trajeto de Fortaleza a Crato.

 

Há muitos anos não tenho contato com ela, mas meus irmãos, primos e sobrinhos que moram por lá me dão notícias dela e da família. Parece que todos os filhos e netos moram ao redor dela.

 

Dizem-me que ela está firme e forte, sempre alegre a proseadora. Cuida-se sozinha, faz de tudo em casa: faz comida, varre a casa, lava roupa, etc. E quando alguém pergunta: “Tia, com essa vitalidade, certamente, a senhora vai sempre ao médico”. Ela responde: “Não. Não sou besta. Se for, eles vão me arrumar doença