sexta-feira, 9 de maio de 2025

AS REUNIÕES

 

 

Corriam os anos da década de 1970. Tempo tenebroso, com a ditadura civil/militar prendendo, torturando, arrebentando e matando os que a ela se opunham e submetendo toda a nação brasileira aos caprichos do nefasto capital nacional e internacional. Na História do Brasil nunca houve tanto retrocesso político e tanta humilhação como nos vinte e um anos de escuridão, promovidos pelos que não querem a luz.

 

O povo, “falando de lado e olhando pro chão”, submetia-se à mentira e à força bruta. Não reagia. Transformava-se em maioria silenciosa. Aguentava calado os horrores praticados pelo hediondo regime estabelecido por  tanques, metralhadoras e ganância econômica e de poder.

 

Mas houve uma minoria que não aceitava a submissão. Indignava-se, reagia como podia, mas reagia. Não se conformava com a brutalidade praticada contra os direitos humanos. Clamava por liberdade e respeito à sua dignidade de ser humano. Minoria atuante, vigorosa, criativa, esperançosa, que Dom Helder Câmara chamava de “Minoria abraâmica”.

 

Pois bem, diante das dificuldades impostas pela repressão, era difícil fazer reuniões em espaço público fechado. Muitas vezes, tínhamos que organizá-las em espaço aberto, como Quinta da Boa Vista, Alto da Boa Vista, praias, festas de aniversário, de forma disfarçada. Criatividade e estratégias como forma de combate ao regime ditatorial.

 

Por isso, eu e Maria José, mesmo sob riscos, reuníamos companheiros combatentes em nossa casa da Água Santa para conversar. Nessas reuniões, discutíamos a conjuntura política e as formas possíveis de resistência à ditadura.

 

Hoje, na Água  Santa corre-se os riscos da ação de quadrilhas organizadas do narcotráfico. Naquele tempo, corria-se o risco da perseguição violenta da ditadura. Riscos mais pesados, porque se tratava da violência institucionalizada, com o poderio das forças armadas.

 

 

 

Reuníamos companheiros do movimento sindical e dos movimentos populares ligados à Igreja Católica. As reuniões se realizavam aos sábados ou domingos à tarde, entrando pela noite, com todos os cuidados que o momento exigia. Todos, antes de chegar à reunião, olhavam para todos os lados para se certificarem de que não estavam sendo seguidos.

 

Inicialmente, éramos poucos. Até posso citar os nomes: Roberto Percinoto, José Fagundes, Ronald Barata, João José dos Santos, Degerando Medeiros, Aury Gomes da Silva (todos bancários), eu e Maria José. Sempre disponíveis. Depois, outros foram-se integrando ao grupo.

 

A partir de 1978, com os ventos da abertura política, quando eu fui candidato a deputado estadual pelo então MDB (Grupo Autêntico), depois PMDB, fazíamos reuniões políticas, já com mais liberdade de expressão, acobertados pela imunidade da política partidária.

 

Convém esclarecer que como  só havia dois partidos: ARENA(governo) e MDB (oposição), todos os que lutavam pelas liberdades democráticas concentravam-se no MDB. Crescia a unidade das forças progressistas através desse partido de oposição. Unidade quebrada com o golpe ardiloso da ditadura, criando o pluripartidarismo, a partir da Lei da anistia de 1979.

 

Por essas reuniões passaram vários candidatos a deputado estadual e federal, como Marcelo Cerqueira, Modesto da Silveira, Márcio Moreira Alves, Adílson Pires, Chico Alencar, Milton Temer, Heloneida Studart e outros. Os debates eram profundos e tinham o objetivo da conquista da democracia e das liberdades sociais.

 

Na luta pelas liberdades democráticas, priorizávamos as liberdades sindicais, já que o nosso sindicato dos bancários do Rio de Janeiro e outros sindicatos estavam sob intervenção do governo. Apesar dos ventos da abertura política, muitas reuniões ainda eram realizadas em nossa casa da Água Santa.

 

Depois, eleitos parlamentares alguns companheiros e companheiras combativos e liberado o sindicato dos bancários, assumiu a diretoria eleita, encabeçada por Ivan Pinheiro, companheiro do Banco do Brasil.

 

Passados alguns meses, houve outra intervenção no sindicato, após uma greve decidida em assembleia com mais de quinze mil bancários. Outra vez a repressão em cima dos bancários, cuja diretoria, afastada, ficou sem espaço para reuniões.

 

Para discutirmos a intervenção e as formas de reação, tivemos que buscar um espaço seguro. Eu, sendo católico, fiquei com a tarefa de arrumar um espaço eclesial, onde a reunião pudesse ser realizada com certa segurança. Conseguimos o espaço sagrado da igreja de Nossa Senhora da Conceição e São José, no Engenho de Dentro.

 

Com a cobertura do então vigário padre Antônio Montenegro (de saudosa memória), lá ficamos reunidos um dia inteiro, com a participação e apoio de alguns parlamentares, como Heloneida Studart, Modesto da Silveira (ambos de saudosa memória) e Marcelo Cerqueira.

 

A partir daquele momento, as reuniões se intensificaram em lugares diferentes. Mas a nossa casa continuou sendo lugar de encontros políticos, com vigorosos debates e muita gente participando. Era um momento de intenso entusiasmo e esperança nas mudanças sociais e políticas.

 

Ainda guardo viva na memória uma famosa reunião no palácio do cardeal arcebispo do Rio de Janeiro, Dom Eugênio de Araújo Sales, no Sumaré, organizada por ele. Foi uma reunião chamada de “Encontro de pessoas com poder decisório”. Nesse encontro havia trabalhadores de diversas categorias, intelectuais e empresários.

 

O debate, coordenado pelo então bispo auxiliar do Rio de Janeiro Dom Celso José Pinto da Silva, foi aberto e franco. Lá, eu e o Ivan Pinheiro, perante o cardeal, o secretário geral do Ministério do Trabalho, trabalhadores e empresários denunciamos a intervenção no sindicato dos bancários do Rio de Janeiro.

 

 Num intervalo da reunião, o secretário do Ministério do Trabalho quis conversar comigo e o Ivan Pinheiro. Uma semana depois, o sindicato foi liberado, com os diretores reconduzidos aos seus cargos. Valeu aquela reunião e, mais uma vez, a colaboração da Igreja.

 

Hoje, a resistência continua, da minha parte, através dessas memórias. Pois, Lembrar  é resistir. Esquecer é se acomodar. A luta tem que ser permanente, duradoura e eficaz. Isso me faz lembrar um depoimento do meu irmão Agostinho, que em agosto de 2025 completará 100 anos. Ele começa dizendo: “A batalha é grande, mas a vitória é certa”.

 

 

 

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