RAIMUNDO, MEU IRMÃO – CABRA FORTE, SIM SENHOR
Edmílson Martins de Oliveira
Abril/2024
Ele é, exatamente, um ano, três meses e oito dias mais novo do que eu. Veio à luz no dia 25 de outubro de 1939. Nasceu e viveu até mais de trinta anos no seco sertão do Sul do Ceará, bem no meio da caatinga, onde chovia pouco e os meios de sobrevivência eram precários. Mesmo assim, lá viveu até mais de trinta anos, como eu até os dezesseis.
Quando ele era criança, todos, de brincadeira, o chamavam de zambeta, porque tinha as pernas tortas e os joelhos quase encostando um no outro. Era chamado também de mouco, porque quase não escutava. Mas tudo era muito carinhoso. Ele não ligava, levava tudo na brincadeira.
Por causa das suas pequenas deficiências, meu pai o estimava muito, e até o protegia. Ele era muito engraçado, gostava de dançar e meu pai o estimulava a fazer espetáculo diante de alguma plateia no alpendre da nossa casa. Ele cumpria muito bem o papel de dançarino e todos achavam engraçado e riam muito.
Junto aos dezesseis irmãos, ele foi crescendo e participando das atividades comuns, surpreendendo os que pensavam que ele não superaria as pequenas deficiências corporais. Aos sete anos, como os demais irmãos, começou a trabalhar na roça e, com força e inteligência, superava as dificuldades que se apresentavam.
Ficou na roça, no Sítio Ipueira, mais de trinta anos. Casou com a Chiquinha, com quem gerou filhos inteligentes e trabalhadores. Depois, decidiu, com a família, morar em Fortaleza, capital do Ceará. Como trabalhador, experiente e sagaz, se estabeleceu fazendo pequenos negócios. Por aí, continuou adquirindo as condições para sustentar a família.
Como no sertão, na capital passou por muitas dificuldades. Mas com a força do cabra forjado na luta dura da roça, enfrentou os desafios com muita coragem e valentia. Trabalhando muito e animando os filhos para a vida de trabalho, ele e a esposa construíram uma família bonita e solidária. E é isso que o faz, na terceira idade, enfrentar os problemas de saúde que lhe acometem.
Primeiro, surgiu um problema nos rins. Depois de vários exames, seu médico chegou à conclusão que um rim devia ser extraído. Quando foi informado e consultado pelo médico sobre o problema, ele, animando o médico meio temeroso, disse: “Doutor, abaixo de Deus, confio no senhor, que sabe o que faz. Pode fazer a cirurgia. O médico falou: “A cirurgia tem risco, mas pode resolver o problema”. Aí, ele disse: “Não tem problema, doutor, se é pra solucionar, vamos lá. Deus nos ajudará”. Foi feita a cirurgia e deu tudo certo.
Agora, surgiu outro problema no rim e na vesícula. Quando o médico lhe disse que precisava da autorização da família para extrair a vesícula, ele, resoluto, falou: “Doutor, não precisa de autorização da família, eu mesmo autorizo, pode fazer a cirurgia”. O médico ficou espantado e, certamente, pensou: “Eita homem valente!
Pois é, Raimundo sempre foi corajoso, destemido, arrojado, até mesmo quando, rapazola, teve que passar embaixo de “mangueiras mal-assombradas”, empunhando uma faca para enfrentar assombração, que diziam aparecer por lá.
E sempre dizendo, como na música: “Quem anda com Deus não tem medo de assombração”.
Euclides da Cunha tinha razão, quando disse em seu livro “Os Sertões” que “o sertanejo é, antes de tudo um forte”. O mano Raimundo é um desses cabras da mulesta, que pegou cobra com a mão, laçou boi na capoeira e enfrentou, com uma faca, assombração na escuridão das mangueiras.
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