quinta-feira, 29 de dezembro de 2022

SONHOS DE CRIANÇA

 

 

 

 

     SONHOS DE CRIANÇA

 

                             Edmílson Martins de Oliveira

                              Dezembro/2022

 Quando criança, eu ia sempre com meus pais aos festejos de Natal na cidade de Barro-CE, que ficava a uma distância de mais ou menos duas horas do sítio Ipueira, onde morávamos. Íamos sempre a cavalo e nos hospedávamos em casa de amigos.

 A cidade se preparava para os festejos,  com barracas espalhadas pelo centro, para a venda de comidas diversas, doces, frutas, peças de artesanatos etc. Na noite do Natal, o movimento era intenso, com visitantes de toda a redondeza. Era a festa mais movimentada do ano.

 Quando se aproximava a meia noite, todos se dirigiam à igreja matriz, para a Missa do Galo. A igreja ficava superlotada, com padres atendendo confissões, pessoas rezando e cantando, à espera da importante solenidade.

 Eu ficava deslumbrado com a igreja toda iluminada, o altar todo ornamentado e a alegria das pessoas, cantando, rezando e se congratulando. Havia corais de adultos e cantarola de crianças do catecismo, orientada pelas catequistas. O  ambiente era mágico e emocionante.

 Minha mãe, costureira, fazia uma roupa de pano novo, mas simples, especialmente para a festa. Era blusa e calça curta, que hoje  chamamos de bermuda. O meu primo Antônio Domingos sempre fazia uma alpargata de couro, que chamávamos de alpercata e hoje chamamos de sandalha.

 Eu me sentia muito feliz com aquela vestimenta. Mas, na missa, via crianças da minha idade muito bem vestidas com terninhos brancos, botinhas brancas e gravata. Eu olhava pra elas e me perguntava: “por que eu não posso ter roupa e sapatos iguais às dessas crianças”? Não era inveja, mas constatação de desigualdades que eu não entendia.

 Ainda criança, eu já percebia e não compreendia o porquê das desigualdades sociais. Eu me olhava, olhava as crianças, ouvia as músicas e as leituras da Bíblia e pensava com meus botões: “!alguma coisa está errada”. E pensava mais: “em casa, eu e meus irmãos usamos as mesmas roupas, as mesmas alpercatas. Aqui, na igreja, se diz que todos somos irmãos, filhos do mesmo Pai, mas crianças, minhas irmãs, podem usar terno e botas brancas e eu não posso”.

 E sonhava. Nos meus sonhos de criança e nas minhas orações, pedia a Deus que um dia tivesse a possibilidade de usar terninho branco, botas brancas e gravata. Sonhos de crianças, que trazem, na sua essência, o desejo de justiça e igualdade, que existe nos corações humanos. Corações de filhos do mesmo Pai, que quer tudo igual para todos.

Ali, naquele ambiente de aparências contraditórias, reflexos das contradições sociais, celebrava-se o nascimento de alguém que viera ao mundo para resgatar a simplicidade  do ser humano. O ambiente nada singelo contrariava a História do homenageado. Isso me incomodava. E, na minha singeleza de criança, fazia indagações.

 O menino Jesus, nascendo na gruta, entre animais, sendo filho do Criador de todas as coisas, certamente quis nascer pobre para protestar contra as desigualdades sociais. Quis dizer: nem rico, nem pobre, todos iguais. Mais tarde, ele disse: “Eu vim para que todos tenham vida em abundância”.

 O sonho de criança vive comigo há mais de setenta e cinco anos, na luta, na vitória, ou na derrota, como vive o sonho daquela criança que nasceu há dois mil anos. Sempre teimoso na esperança, nunca deixei de sonhar, como Jesus, com um mundo diferente, sem a suposta necessidade de existirem crianças  que só podem usar alpercatas e roupas pobres e crianças que podem usar terninhos brancos, gravata e botinhas brancas.

 Hoje, as desigualdades persistem. Há crianças que podem ter roupas, sapatos e vida digna  e crianças que não podem. Por isso, é preciso que persistam o sonho, a esperança e a certeza de que é possível a construção de um mundo em que haja igualdades sociais e dignas condições de vida para todos.

 Seria bom que toda a humanidade, diante das desigualdades, fizesse indagações, como a criança da festa do Natal, na sua simplicidade e pureza. Disse Jesus: “Na verdade eu vos digo que, se não vos converterdes e não vos tornardes como crianças, de modo algum entrareis no reino do céu!”

 

 

 

                                                                                

 

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