segunda-feira, 19 de dezembro de 2022

CONTANDO ESTRELAS

 

 

 

                    CONTANDO ESTRELAS

                                         Edmílson Martins de Oliveira

                                          Dezembro/2022

 

“Ora (direis) ouvir estrelas! Certo Perdeste o senso!”. Esse é o início do soneto Via Láctea de Olavo Bilac, poeta parnasiano, que viveu no final do Século XIX e início do Século XX.

 

Revendo esse soneto, lembrei-me do meu tempo de criança. Nas noites de lua clara e céu estrelado, eu e meus amigos de infância ficávamos deitados sobre os bagaços de cana, olhando para o céu e contando estrelas.

 

Contar estrelas era, muitas vezes, o nosso divertimento. Uma disputa. Ganhava quem contasse mais estrelas. Ninguém podia apontar para as estrelas, porque havia a crença de que nasciam verrugas nos dedos de quem as apontasse.

 

Era uma brincadeira sem fim, uma vez que são milhões as estrelas que existem  na Via Láctea. Um exercício de busca e paciência. E todos concordavam, talvez pelo cansaço, com aquele que não se cansava e continuava contando estrelas, quando todos paravam. Era o vencedor.

 

Porém, o mais gostoso era a apreciação da Estrela D’alva, aquela que se destaca entre todas as estrelas, cientificamente conhecida por Planeta Vênus. Era também muito divertida a busca das Três Marias, aquelas três estrelas que estão sempre juntas, próximas da lua.

 

Foi tempo de sonhos e fantasias. Ao contemplarmos o vasto firmamento e contarmos estrelas, observávamos na lua, São Jorge em seu cavalo branco. O São Jorge Guerreiro, com sua lança a combater o dragão.

 

Como era gostoso aquele tempo de criança, principalmente, na moagem de cana para a fabricação de rapadura! Sempre uma festa. Os bagaços, espalhados no campo, ao redor do engenho, formavam um enorme tapete, onde deitávamos e ficávamos horas e horas, contando histórias, e estrelas, contemplando a lua de São Jorge, no Céu.

 

Ali, ficávamos absortos, em longo entretenimento. Parafraseando o poeta, toda noite, conversávamos com as estrelas, com a lua e com São Jorge, pois com a simplicidade e inocência de crianças, éramos capazes de contar, ouvir e entender a lua e as estrelas.

 

Só saíamos dali, quando alguém chamava atenção. “Ih, já são 10 horas da noite e temos que dormir, porque amanhã temos que acordar bem cedo para o trabalho”. Tínhamos que acordar às seis horas da manhã, para iniciar a jornada do dia. Na roça era assim. Não tinha escola, só tinha trabalho.

 

Sem escola formal, sem livros, aprendíamos na escola da vida, na experiência do trabalho, na educação informal, na vivência da cultura popular. Apesar de tudo, dos caminhos de pedra, tínhamos o sonho, a busca, a esperança. Alcançar e contar as estrelas, trazê-las para perto de nós e com elas conversar, dava-nos a sensação de que na vida nada é impossível.

 

As estrelas, a lua estavam distantes, mas chegavam até nós o seu brilho, o seu encanto, principalmente, quando tínhamos as condições e a disposição de contemplá-las. E nesse exercício de contemplação, chegávamos até São Jorge e com ele travávamos longas conversas.

 

Que bonitos eram os sonhos, as fantasias, a simplicidade das crianças. Devíamos, a vida inteira, ser sempre crianças, nas noites de luar, contando estrelas, conversando com elas, com a lua e com São Jorge, que sempre vem até nós em seu cavalo branco.

 

Infelizmente, hoje, neste Brasil urbano, de prédios e arranha-céus, sem bagaceira, sem firmamento, as crianças não têm o sagrado direito de, deitadas, à noite, no grande tapete de bagaços, contar estrelas, nem conversar com elas, com a lua e com São Jorge.

 

Até mesmo a Estrela de Belém, seguida pelos Reis Magos, que a contemplavam em céu aberto, em busca da Esperança, hoje, é vista apenas nos presépios, em representação, em ambientes fechados e iluminados artificialmente, sem a claridade da Estrela Guia e da luz distante das estrelas do imenso firmamento.

 

As crianças, na bagaceira, deitadas em tapete natural, livres das loucuras da televisão, da alienação da internet e do celular, na sua pureza, podiam, como os Reis Magos, observar o céu estrelado, contar estrelas, conversar com elas e se aproximar da Estrela D’Alva, das Três Marias e da lua de São Jorge.

 

 

 

 

 

 

 

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