O ÚLTIMO DEBATE
Edmílson Martins
30/09/2022
Outrora, antes do famigerado golpe civil/militar de 1964, havia debates de candidatos a cargos políticos. Predominava a cordialidade. Os debatedores cumprimentavam-se e cada um fazia comentários sobre as qualidades do outro. O debate desenvolvia-se com serenidade, com os personagens defendendo, com profundidade, seus projetos, ideias e opiniões.
Com a ditadura, as liberdades de opinião, de ideias e de projetos cidadãos foram obstruídas. A política e os políticos foram colocados em plano inferior. Chico Buarque, no início da década de 1970, denunciou isso, com muita habilidade, em versos da composição “Apesar de Você”:
“Hoje você é quem manda/Falou, tá falado/Não tem discussão/A minha gente hoje anda/Falando de lado/E olhando pro chão, viu”.
Foram vinte e um anos sem o exercício do debate político nos meios de comunicação. Parece que as novas gerações ficaram contaminadas pelo vírus da arrogância da ditadura. Daí, a arrogância de novos políticos. O regime autoritário não tolerava os diferentes, não aceitava discussões, querendo impor seus projetos, sem ouvir a população.
No dia 29 de setembro de 2022, a TV Globo transmitiu o debate entre sete candidatos à presidência da República, tendo como mediador um repórter daquela emissora. Milhões de brasileiros ficaram diante das televisões à espera de esclarecimentos que os ajudassem na escolha de um candidato.
E mais, o povo brasileiro esperava que os debatedores se apresentassem com educação, cordialidade e respeito aos diferentes. Debate é uma discussão entre duas ou mais pessoas, com o objetivo de expor e esclarecer opiniões ou ideias divergentes. Não é uma disputa. Como num jogo de futebol, os contendores são adversários, não inimigos.
Mas, no debate, parecia que os candidatos eram inimigos, não somente adversários. Todos estavam armados na defesa e no ataque. Sisudos, parecendo raivosos. Ninguém se cumprimentou com cordialidade. A preocupação foi atacar ou se defender. Isso inibiu a apresentação de propostas e projetos.
Esperava o povo brasileiro que os candidatos apresentassem propostas para a construção de uma nova sociedade, sem desigualdades, com educação de qualidade, moradia adequada, alimentação sustentável, bom atendimento à saúde pública, trabalho e emprego bem remunerados, segurança, valorização da cultura etc. Não apresentaram.
Faltou humildade. Todos se colocaram como donos da verdade. Dirigentes políticos precisam ter flexibilidade, valorizar seus acertos e também reconhecer erros. Têm que transmitir esperança e propor unidade em torno da solução de problemas comuns. Liderar é andar junto, criar união, nunca divisão.
Faltou aos candidatos a sensibilidade popular. Ninguém pode governar com êxito, sem a participação da população. A chamada governabilidade, com alianças organizadas de cima para baixo, sem a inclusão do povo, nunca deu certo. E não dará. Todos falaram que, se eleitos, iriam fazer isso e aquilo para o povo. Não falaram que iriam fazer com o povo. Este deseja ser agente do seu destino, participar ativamente das decisões que dizem respeito à sua vida. Governantes e governados têm que andar juntos, para construir a sociedade, que é de todos.
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