quinta-feira, 20 de janeiro de 2022

VERSOS DE CORDEL

 

 

 

VERSOS DE CORDEL

                  Edmílson Martins

                       Janeiro 2022

 No sertão do Ceará, onde morei, distante da chamada civilização urbana, havia uma rica cultura popular. O povo era simples, pobre e, em sua grande maioria, analfabeto, mas muito criativo, desde as brincadeiras e cantigas de roda das crianças, às festas  populares, às danças regionais, às rezas, às reuniões divertidas de rapazes e moças, até o desempenho dos trabalhos agrícolas, muito artesanais.

 Entre as diversas atividades que compunham a cultura popular, havia os repentistas, os violeiros, os artistas da  literatura de cordel. Os violeiros e repentistas, com improvisações, pelejas e cantos de versos de cordel, encantavam o povo, que se divertia, e aprendia, ouvindo-os horas e horas.

 Foi ouvindo esses artistas que eu tomei gosto pela literatura, principalmente, pela literatura popular. Meu pai era um promotor da arte popular e valorizava muito os artistas. Sempre convidava violeiros e cantadores para se apresentarem no amplo alpendre da nossa casa. E convidava para os eventos todos os moradores da redondeza.

 A partir dos doze anos, meu irmão Agostinho me levou para estudar em Crato. Nas feiras, eu gostava muito de ouvir cordelistas recitando histórias em versos de cordel. Nas férias escolares, eu sempre voltava pra casa, no Sítio Ipueira. Meu pai comprava folhetos, que eram chamados de versos, que continham histórias diversas de heróis do sertão.

 Às noites, convidava a vizinhança para me ouvir recitar essas histórias. À luz de candeeiro, na janela do alpendre, frente a uma plateia atenta, eu recitava as histórias em versos rimados: “Coco Verde e Melancia”, “Princesa da Pedra fina”, “Pavão Misterioso”, “O capitão do navio”, “A chegada de Lampião no Céu”, etc. Foi aí que eu aprendi a fazer poemas em versos, que chamamos “cordéis”.

 Havia histórias românticas, que às vezes levavam a plateia à emoção, outras que faziam rir. Mas as histórias de que as pessoas mais gostavam eram as de bravuras, em que se destacava um herói, principalmente, o homem corajoso, que defendia a coisa certa, o bem e a justiça. Isso atendia aos sonhos daquele povo, carente de justiça.

 Infelizmente, o avanço da tecnologia, que devia contribuir para fortalecer a cultura popular, só favorece o seu enfraquecimento, substituindo-a por artigos de consumo. Os valores genuínos do povo estão sendo destruídos, substituídos por antivalores.

 Os poderes dominantes investem na mediocridade, naquilo que pode tornar o povo mais frágil, mais fácil de ser dominado. Daí o desprezo pela educação, pelo conhecimento, pelo desenvolvimento das artes, pela valorização do artista, pela cultura natural das comunidades.

 Por isso, a necessidade da defesa intransigente dos nossos valores, da restauração da nossa tradição cultural, da rica História do nosso povo. Devem ser abatidos os sistemas que destroem os valores que fortalecem o povo em sua dignidade. Viva a cultura popular, viva a História, viva a educação, viva os legítimos valores humanos.

 

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