ALIANÇAS ESPÚRIAS
Edmílson Martins
Dezembro 2021
Alguns setores do Movimento Popular que escaparam da grande tribulação da ditadura instalada no Brasil em 1964, decidiram continuar a luta pela democracia, aproveitando algumas brechas que o regime implantado não pôde evitar. A ideia era aproveitar essas brechas para continuar na luta, tendo como limite a guarda de princípios, isto é, não aceitando cooptação.
Em 1972, eu, recém eleito presidente do Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro, fui a Brasília, com outro diretor, para reclamar junto ao governo que os
bancos oficiais não cumpriam as decisões dos tribunais trabalhistas. O então todo poderoso ministro da economia, Delfim Neto, representante do grande capital nacional e internacional, determinara que as empresas não podiam cumprir decisões judiciais que contrariassem a política (nefasta)econômica do governo. Os interesses capitalistas estavam acima do poder judiciário e dos direitos dos trabalhadores. É estranho que hoje, Delfim Neto, que não mudou de posição, é conselheiro do operário Luís Inácio Lula da Silva.
Estando em Brasília, eu e meu companheiro procuramos o general chefe da segurança do Ministério do Trabalho, para solicitar liberação de companheiros impedidos de tomar posse como diretores do sindicato.
Para começar, o general mandou que eu entrasse sozinho no seu gabinete. Entrei. Estava ele sentado, cercado por alguns seguranças. Antes que eu começasse a falar, o general adiantou:
- Senhor Edmílson, é bom que o senhor esteja aqui. Eu gostaria de lhe propor algumas coisas. E falou:
- O governo tem um projeto para beneficiar os trabalhadores, que não devem ficar preocupados com reivindicações salariais. Temos verbas para assistência médica e dentária, cursos técnicos e construção de áreas de lazer. Se o senhor aceitar o nosso projeto, certamente vai agradar à sua categoria e, então, o senhor será um grande presidente.
Eu, praticamente, ignorei o que ele falou durante uns trinta minutos. Em cinco minutos, eu informei ao general o motivo da minha presença em Brasília: a defesa dos direitos da categoria bancária e da liberação dos diretores eleitos, impedidos de tomar posse.
O general olhou pra mim, meio abismado e disse que iria organizar uma comissão para estudar o caso dos diretores impedidos. Mas, antecipou: “se foram impedidos é porque havia razões para isso”. Não havia. Os diretores não foram liberados e mais dois foram cassados.
Se pudesse, teria dito ao general que o sindicato tem função libertadora. É um instrumento de luta de emancipação dos trabalhadores e de defesa da dignidade do trabalho. Teria dito que o sindicato é a organização dos trabalhadores que lutam pelo direito à participação no produto do seu trabalho e que é trincheira de luta pelas liberdades. Teria dito também que o sindicato defende a primazia do trabalho sobre o capital, ou seja, mais importante é a força do trabalho, os trabalhadores, não o capital.
Se dissesse tudo isso, sem dúvida, já sairia de lá preso. Pois tudo era contrário aos objetivos da ditadura e do poder econômico que a sustentava. Os banqueiros, os capitalistas, que, indevidamente, se acham donos exclusivos das riquezas e do capital que detêm, entendem que os trabalhadores são instrumentos de produção de lucro.
Alguns dirigentes sindicais da época acharam que minha conduta perante as propostas de cooptação do general fora errada e que eu me comportara com ingenuidade, que era preciso aceitá-las, em nome da tal governabilidade, da qual hoje tanto se fala. E quando, um mês depois, a ditadura fez a intervenção no sindicato e me prendeu por quarenta e seis dias, disseram que se eu tivesse aceito a aliança proposta, a intervenção e prisão não teriam acontecido. Respondi que, aceitando, teria perdido minha dignidade e traído os trabalhadores.
Argumentei que era seguidor das ideias de um homem que, há dois mil anos, recusou veementemente alianças espúrias, mesmo sabendo que depois seria crucificado e morto. Ele ensinou aos seus discípulos que não tivessem medo dos que podem matar o corpo, mas não podem matar a alma. Preferi ficar com seus ensinamentos a ficar com os que propunham alianças degeneradas.
Em 1978, eu fui candidato a deputado estadual, no Rio de Janeiro, pelo “Grupo Autêntico” do então MDB. O grupo do então governador Chagas Freitas, que fingia ser oposição, mas era aliado da ditadura, dominava a política do Estado do Rio de Janeiro, através da fraude eleitoral e da corrupção administrativa. Disseram-me: “você será eleito aliando-se aos chaguistas”. Recusei a aliança. Não fui eleito. Mas guardei a autenticidade, integridade e dignidade. Não vale ter um cargo a qualquer preço.
Através da História, essas alianças sempre foram propostas pelos poderosos, para controlar o povo e manter seus interesses gananciosos. Alianças, infelizmente, aceitas por certas lideranças, em nome da governabilidade. Os exemplos históricos mostram que é o povo a parte que sempre sai prejudicada. Essas tais lideranças sempre serviram de instrumento de dominação e exploração efetuadas pelos poderosos.
Negociações e alianças são legítimas, quando servem para promover o crescimento humano, a construção da sociedade em bases justas, a igualdade, a justiça e a felicidade. É preciso rejeitar sempre negociações e alianças que não atendam à ética, às legítimas aspirações do povo, à promoção e garantia dos direitos humanos, das liberdades fundamentais e da democracia.
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