CORRUPÇÕES ATRAVÉS DA HISTÓRIA
Edmílson Martins
Julho 2021
Quando eu era criança, com mais ou menos oito anos de idade, nas campanhas políticas, ouvia discursos de combate à corrupção. Havia mútuas acusações de prática de roubos e outras desonestidades.
Nos últimos setenta e cinco anos da minha existência, a conversa tem sido sempre a mesma. Fulano é corrupto, sicrano é corrupto, beltrano é corrupto. Acusações e realidades sem fim. A corrupção sempre presente.
Pensando nisso, viajei pela História, tentando compreender a permanência de pessoas, sociedades e sistemas corrompidos. Por que isso nunca acaba? De onde vem essa situação?
Viajei na História, através da Bíblia, e parei na história de Abrahão. Ele saiu da sua terra, corrompida pela ideia de deuses idólatras, em busca de outra terra, onde construiria uma sociedade, fundamentada nos preceitos propagados por Deus. Sociedade justa, sem corrupção. Nessa busca, apesar da fidelidade de Abrahão, muitas coisas erradas aconteceram. O próprio povo e descendentes, comandados por ele, cometiam erros injustificáveis. Mas se arrependiam e corrigiam os rumos.
Depois, cheguei a Moisés, que ajudou o povo hebreu, descendente de Abrahão, a se libertar da escravidão do Egito. Durante a trajetória em busca da Terra Prometida, o povo, apesar da fidelidade de Moisés ao projeto de Deus, se corrompia, adotando como deus o bezerro de ouro. Mas, depois, tentava se recuperar.
Gerações depois de Moisés e Josué esqueceram a História, abandonaram a luta dos seus antepassados e, adotando valores espúrios, também, se corrompiam, caindo em desgraça.
Cheguei ao tempo dos Juízes, que mostravam ao povo a sua infidelidade à história dos seus antepassados. O povo alienava-se e adormecia. Quando se via em apuros, acordava, tentava se recuperar, voltando ao caminho da retidão. Mas à medida que os Juízes iam passando, o povo ia perdendo a identidade histórica e, aderindo aos falsos valores, caía outra vez em decadência.
Até mesmo o primeiro juiz, Sansão, tornou-se infiel aos seus princípios, perdeu a força divina, ficando escravo dos filisteus. Mas, pedindo perdão, restaurou suas forças, destruindo seus inimigos, oferecendo sua própria vida.
Na época dos reis, os profetas chamavam a atenção do povo e de seus dirigentes, com veemência, pelo abandono da trajetória de luta dos antepassados. Com alianças espúrias, adotavam falsos valores e corrompiam-se, tornando-se escravos de outros povos.
Na viagem, cheguei ao tempo de Jesus Cristo. Os dirigentes do povo, doutores da Lei e Fariseus, tomavam conta dos ensinamentos de Moisés, moldando-os aos seus interesses particulares, alienando o povo, que se deixava dominar e se corromper.
Jesus chegou, tentando trazer o povo de volta à consciência histórica. Com a perda dos valores e da memória, o povo tinha perdido a liberdade e a vida. Com a alienação da consciência histórica, afastava-se de Deus, que produz a liberdade e a vida, aderindo aos ídolos, que corrompem e produzem a morte.
Para acordar o povo e trazê-lo de volta aos valores da sua História, Jesus apresentou um projeto novo. A construção do Reino de Deus, que é fundamentado na verdade e na justiça. Esse projeto novo foi lançado no Sermão da Montanha (MT. caps. 5 a 7).
A novidade aí, é que Jesus lançou o Projeto e a ele foi fiel, mesmo sabendo que seria crucificado. O evangelista diz que “Quando Jesus acabou o sermão, as multidões ficaram admiradas, porque Ele ensinava como alguém que tem autoridade, e não como os doutores da Lei”. Contraditoriamente, o povo, oprimido, preferiu ficar com o opressor, abandonando Jesus, que trazia a libertação.
Acho que, sem dúvida, toda essa história tem a ver com os tempos de hoje. O povo e seus dirigentes têm cumplicidade com o que ocorre em termos de corrupção. Os dirigentes têm culpa porque arrumam toda forma de alienação do povo. E o povo tem cumplicidade, porque aceita os falsos projetos dos dirigentes, projetos que produzem a morte, abandonando os valores que levam à construção da vida.
Na verdade, as mudanças sociais não acontecem, quando partem de iniciativas de dirigentes que sempre querem impor suas verdades e seus projetos particulares, excluindo a participação do povo. Os poderosos tentam sempre fazer o povo acreditar que são eles os sabedores de tudo.
O povo, por sua vez, geralmente se deixa alienar, apoiando as práticas, muitas vezes, erradas, dos seus dirigentes, tornando-se cúmplice do estado de coisas que prejudica sua própria vida. Torna-se paciente, ao invés de ser agente do seu destino.
Enquanto o povo aceitar essa dependência e não lutar pela restauração da sua dignidade, buscando os caminhos retos e exigindo participação direta nas decisões que dizem respeito aos seus direitos, não haverá mudanças substanciais. E a corrupção sempre estará presente.
Como mostra a história do povo da Bíblia, que é uma amostragem da história da humanidade, para levar à frente um projeto social justo é preciso manter a memória ativa, ou consciência histórica, adquirida através da resistência e da luta. O desafio é extinguir completamente a idolatria, representada hoje pelo dinheiro, lucro, consumo e sede de poder, que impedem a liberdade e a vida.
Isso significa que é necessária a participação permanente do povo na luta pela construção da sociedade justa. É caminhando, caindo, levantando, sacudindo a poeira, dando a volta por cima, sempre tendo à frente os valores que elevam a vida, que o povo alcança a “Terra Prometida”, ou seja, a sociedade desejada, com benefícios iguais para todos.
Se olharmos com cuidado, verificaremos que, em diversos momentos da nossa História, houve Movimentos organizados e pessoas representantes dos anseios do povo que reivindicaram mudanças sociais Justas. É preciso, portanto, resgatar nossos valores e referências históricos e adotá-los como exemplo de resistência contra poderes dominantes e pela construção da sociedade justa e democrática.
Esquecer é se submeter, lembrar é resistir. As referências históricas são um antídoto contra o autoritarismo e contra o individualismo. As raízes e a memória, que devem ser sempre cultivadas pelas novas gerações, são fundamentais para a permanente construção da sociedade.
Um povo, consciente dos seus valores e de sua história, sabe que precisa se organizar para resolver os seus problemas. E aprofunda discussões em torno de questões comuns a partir de pequenos grupos: na família, na escola, no ambiente de trabalho, na Igreja, no sindicato, no partido político, etc. Como um rio, que se forma a partir da sua nascente e seus afluentes, a sociedade se organiza a partir da organização dos diversos grupos que a compõem.
É a partir da sua reflexão, conscientização e organização que o povo se capacita para conduzir seu destino, livre da interferência de supostos salvadores. Um povo livre conduz a sua vida, não permite jamais ser conduzido. Como disse o revolucionário mexicano Emiliano Zapata: “Um povo forte não precisa de líder forte”. Ou como disse Bertolt Brecht: “Infeliz a nação que precisa de heróis”.
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