A CASA DE FARINHA
Edmílson Martins
Agosto 2021
Uma das lembranças que guardo com muita emoção, do meu tempo de criança e adolescência no sertão do Ceará, é a da “Casa de Farinha”. Era o lugar onde se produzia a farinha de mandioca, o biju e a tapioca.
A casa de farinha, no Nordeste faz parte da cultura do povo. O trabalho de produção da farinha funcionava como fator de aproximação e reunião da comunidade. Era uma festa, onde as pessoas interagiam. E também parecia uma área de lazer. Participavam crianças, jovens e adultos.
Esse cenário foi muito popularizado pelo cantor Ivon Curi com a música “Farinhada”, como mostra a estrofe:
“Na farinhada, lá na
Serra do Teixeira
Namorei uma caboca, nunca vi tão feiticeira
A mininada descascava macaxeira
Zé Migué no caititu e eu e ela na peneira”.
Era bem assim. Enquanto alguém ralava a mandioca no “caititu”, ou “bolandeira”, outro torrava a farinha no forno, crianças, jovens e adultos (homens e mulheres), sentados, descascavam a mandioca e a macaxeira, batendo papos deliciosos.
E ali rolavam conversas sobre diversos assuntos e problemas familiares. Também muitas brincadeiras, piadas, cantorias e até namoros. Era um ambiente agradável, onde as pessoas, trabalhando, colaborando, trocando ideias se divertiam e se conheciam.
Vale esclarecer que a farinhada era o resultado do cultivo da mandioca e macaxeira, desde o plantio até a colheita e transporte para a “Casa de Farinha”. Esse processo tinha a participação de muitos trabalhadores, durante o ano inteiro.
Laços de afetividade eram construídos na prática da produção da farinha, biju e tapioca, alimentos tradicionais para a população sertaneja. Eram produtos que marcavam o dia a dia das famílias. Isso permite afirmar que a produção artesanal da farinha de mandioca no sertão estava associada às raízes da população, portanto, à tradição cultural.
Hoje, a sociedade moderna usufrui dos benefícios do avanço da tecnologia. Tudo bem. Mas perdeu a sensibilidade humana. A indústria cultural, a serviço do consumo e do lucro, esvaziou a espontaneidade e criatividade da cultura popular. Está fazendo falta a cultura da “Casa de Farinha”, que, além da produção de farinha, biju, tapioca, produzia afetividade, ternura e solidariedade.
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