terça-feira, 31 de agosto de 2021

FATOS MARCANTES

     

                 

    

                                FATOS MARCANTES

 

                                            Edmílson Martins

                                            Agosto 2021

 

Entre os diversos fatos marcantes da minha infância e adolescência no Sítio Ipueiras, município de Barro, sertão do Ceará, onde nasci, três brotaram da minha memória. E, ao me lembrar, sinto vontade de relatar e registrar, porque, como disse Rubem Alves, escritor, teólogo e pensador: “Um passado que se compartilha é um sacramento da solidariedade”. Como bem disse Coelho Neto, escritor, político e professor: “Só há um meio de viver no passado e no futuro - é guardar recordações e sonhos.

 

 

Havia, a mais ou menos uma hora da casa onde eu morava, um lugar chamado Oiticica da Panela. Tinha esse nome porque lá existia uma árvore frondosa, com tronco grosso, chamada oiticica. No tronco havia uma abertura que parecia uma panela.

 

Nesse lugar, combinando com o proprietário, meu pai fez uma grande plantação de milho, feijão, arroz e algodão. Construiu uma casa, onde eu, meus irmãos e outros trabalhadores ficávamos de segunda a sábado. Nesse dia, por volta das dezessete horas, todos se arrumavam e voltavam para casa.

 

Primeiro fato marcante: um dia, fui pegar o jumento para ir apanhar água num açude distante. Essa era uma das minhas tarefas diárias. Pela intimidade com o animal, sempre o segurava pela cauda, para colocar os arreios. Nesse dia, o jumento me deu um coice na barriga. Caí quase sem fôlego. Mas me levantei e, segurando-o pelo pescoço, consegui colocar os arreios e fomos pegar a água.

 

Segundo fato: um dia, naquele mesmo lugar, estava montado num burro. No caminho havia um tronco de árvore que o burro precisava pular. No impulso do pulo, quebrou-se o cabresto que eu segurava. Caí pra trás, com a coluna bem na madeira. Dessa vez, fiquei completamente sem fôlego. Tentei gritar, pedindo socorro, mas a voz não saía. Mas fiquei aliviado depois de alguns minutos.

 

O terceiro fato foi mais angustiante e doloroso, mas cercado de ternura. Estavam meus irmãos e irmãs na “bata do feijão”. Isso significava bater com varas sobre as vagens secas para soltar os grãos. Não me lembro como, mas, uma hora passei entre os batedores e um deles acertou o meu pé. Na hora senti dor, mas continuei me movimentando e depois me sentei em um banco. Dentro de alguns momentos, todos se arrumaram para ir pra casa. Era um sábado.

 

Todos partiram, ficando comigo uma senhora de mais ou menos cinquenta anos – dona Santana. Chamou-me para ir embora. Quando tentei levantar do banco, não aguentava ficar em pé, muito menos caminhar. Meu pé já estava inchado. Ela, como “boa samaritana”, pegou-me, escanchou-me no seu cangote e levou-me para casa. Uma hora de caminhada, por caminhos, às vezes, pedregosos. Santa Santana. Nunca me esqueci dela. Guardo-a na lembrança com gratidão e ternura. Não fosse ela, ia ficar naquela casa, sozinho, até sentirem a minha ausência.

 

Em casa, já noite, todos estavam apreensivos, quando chegamos. Dona Santana explicou o que tinha acontecido, a minha impossibilidade de andar e a necessidade de levar-me nos ombros. Meu pai deu uma bronca geral nos meus irmãos que me deixaram para trás.

 

Três fatos marcantes, três experiências de vida, gerados na luta pela sobrevivência. Fatos que, para mim, tiveram grande significado, porque fazem parte da minha História. E a História é construída, a partir das pequenas coisas, com durezas e ternuras, vitórias e derrotas, erros e acertos, mas também com persistência, solidariedade e esperança.