SENHOR JOÃO E O RIO
Edmílson Martins
Junho de 2021
No sertão, nos tempos
de chuva, quando a gente ia pegar o trem, no distrito de Ingazeiras, com
destino a Missão Velha, Juazeiro ou Crato, às vezes, deparava-se com um rio
cheio.
Para atravessar o rio, só de canoa. Para isso, existia o senhor João, homem nascido e criado na beira do rio. Conhecia-o profundamente, na seca, quando não tinha água e nas cheias, conhecia as manhas da correnteza.
Senhor João, agricultor, nas cheias do rio, ganhava algum dinheiro, transportando as pessoas de um lado para o outro. Tinha uma canoa, fabricada por ele mesmo. Era um homem versátil. Como quase todo sertanejo, sabia fazer muitas coisas.
Lembro-me muito do senhor João e das histórias que contava, enquanto transportava a gente em sua canoa. Contava histórias, certamente, para acalmar as pessoas, que geralmente tinham medo ao ser transportadas.
Contava histórias de pessoas afoitas que tentavam atravessar o rio a nado e, não aguentando, pediam socorro e ele as socorria. Contava histórias verdadeiras e de ficção, mas como se fossem verdadeiras. E as de ficção contava com tanta seriedade, que a gente quase entendia como verdadeiras.
Ainda guardo na memória uma dessas histórias:
Um homem, com uma vara na mão, ia rio acima, tateando na água, procurando alguma coisa.
Alguém então perguntou.
- O que o senhor está procurando rio acima?
O homem prontamente respondeu:
- Estou procurando minha mulher, que se afogou.
O outro argumentou:
- Se ela se afogou, a tendência é ser levada pelas águas rio abaixo.
O homem replicou:
- Não. O senhor não conhece minha mulher. Ela é muito teimosa. Em vez de descer na correnteza, deve ter subido rio acima.
Assim, didaticamente, senhor João entretinha a gente, ao remar sua canoa nas águas volumosas do rio. E todos ficavam encantados com suas histórias, de tal maneira que nem percebiam a travessia. E o medo desaparecia.
Ao me lembrar do senhor João, lembro-me dos rios da História: Rios Aqueronte e Estige, com o barqueiro Caronte, da Mitologia grega, que transportava as pessoas que morriam para serem julgadas no reino de Hades. Esses rios separavam o mundo dos vivos do mundo dos mortos; Só desembarcava quem pagasse uma moeda. Caronte era uma figura sombria. Exercia aquele trabalho para cumprir uma punição imposta por Zeus, deus grego.
Por outro lado, temos os rios que transmitem a vida, como o Rio Nilo, de onde foi retirado Moisés, pela filha do Faraó; o Rio Jordão, onde Jesus foi batizado por João Batista; o Rio Amazonas, chamado de Rio Mar, fonte inesgotável de vidas; o Rio Tejo, muito presente na literatura portuguesa, etc.
Mas é o rio e o barqueiro Vasudeva, do romance “Sidarta” de Hermann Hesse, que mais se assemelham ao senhor João e seu rio de Ingazeiras. É com o barqueiro Vasudeva, cheio de sabedoria, que Sidarta encontra o sentido da vida. Os rios são fonte de inspiração e de sabedoria. Vasudeva ensina a Sidarta como aprender os muitos segredos que o rio tem para contar.
O senhor João conhecia os segredos do rio e da correnteza. Na seca, observava o rio vazio, nas cheias, estudava-o com profundidade. Por isso, transportava as pessoas com facilidade. E demonstrava muita satisfação naquele trabalho. Era um homem sábio, de bem com a vida, generoso e, como Vasudeva, diferente de Caronte, não cobrava, quando a pessoa não podia pagar.
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