LAVANDO ROUPAS NO OLHO D`ÁGUA
Edmílson Martins
Janeiro de 2020
Eu tinha, mais ou menos, uns três anos de idade e o
meu irmão Emídio, mais ou menos, uns quatro anos, quando ocorreram os fatos que
vou relatar.
Lembro-me como se fosse hoje. Apesar dos meus 81 anos,
tudo ficou marcado na minha memória. Talvez, por ser tempo de criança, quando a
cabeça não se envolve com muitas coisas. Só com o essencial, com o necessário
para viver feliz.
Meu pai já tinha o sítio Ipueira. Mas recebeu a
proposta de administrar o sítio Carnaúba, próximo da cidade de Barro - Ceará.
Para lá foi toda a família. Eu ainda era bebê.
Como no sítio Carnaúba a água era rara, minhas irmãs,
Filomena e Agnela, toda semana, juntavam toda a roupa suja e iam lavá-la num
lugar chamado Olho D`água, onde havia uma nascente de água límpida.
Eu e meu irmão Emídio sempre íamos com elas, montados
num jumento, que também transportava as trouxas de roupa. Andávamos mais ou
menos uma hora para chegarmos ao local.
Era uma fonte de água cristalina, coisa rara no sertão
nordestino. Ali se formavam uma correnteza e uma pequena represa. Dos lados,
árvores verdes, enfolharadas, com passarinhos cantando e de vez em quando bebericando
na água da fonte. Também, na beira da água, observávamos aquele pássaro de
peito branco e asas pretas, chamado Lavadeira, “a que lava a roupa de Nosso
Senhor”. E na frente, um amplo terreno, cheio de gramas, onde as roupas eram
estendidas para quarar.
Enquanto eu e meu irmão brincávamos na água, minhas
irmãs lavavam as roupas, num ritual bem coordenado. Primeiro botavam cada peça
de roupa na água limpa, esfregando para tirar o grosso da sujeira e repetiam a
ação. Depois passavam o sabão, esfregavam, esfregavam, esfregavam, e botavam
para quarar na grama.
Depois de algum tempo, recolhiam a roupa, molhavam,
passavam sabão, batiam várias vezes cada peça numa pedra, lavavam outra vez com
água limpa, passavam sabão, lavavam na água limpa e torciam até sair toda a
água. Repetiam esse ritual e, a roupa, já limpa, era colocada no varal para
secar.
O escritor Graciliano Ramos, num texto intitulado “As
lavadeiras de Alagoas”, numa bela comparação, aconselhava quem queria escrever,
ensinando assim:
“Deve-se escrever da
mesma maneira como as lavadeiras lá de Alagoas fazem seu ofício. Elas começam
com uma primeira lavada, molham a roupa suja na beira da lagoa ou do riacho,
torcem o pano, molham-no novamente, voltam a torcer”, etc.
Utilizei
esse processo desenvolvido pelas lavadeiras, muito bem lembrado por Graciliano
Ramos, para produzir este texto, escrevendo-o, reescrevendo-o, enxugando-o,
algumas vezes. E isso parece o processo de construção da vida, que é cheia de
erros e acertos, quedas e reerguimentos derrotas e vitórias.
Durante todo esse processo de lavação, eu e meu irmão
brincávamos, tomávamos banho, corríamos, brincando com os passarinhos e até ajudávamos
na hora de recolher a roupa do quarador.
No final da tarde, toda a roupa limpa era recolhida,
colocada em trouxas, colocadas no jumento e levadas para casa. Depois de um dia
de lazer e trabalho, voltávamos muito contentes.
Essa foi uma das experiências marcantes na minha vida
de criança. Tão marcante que jamais a esqueci. Ir para a nascente do Olho D`água,
montado num jumento, cruzando as estradas, vendo coisas diferentes, era, para
mim, um acontecimento emocionante, saboroso. As crianças sentem-se felizes com
coisas simples e saudáveis. A gente devia ser sempre criança.
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