JOVENS
EXCLUÍDOS, JOVENS BANDIDOS
Edmílson Martins
Janeiro de 2016
Dia 30 de dezembro de 2015, 6 horas da manhã. Calor
intenso. As pessoas já se preparavam para os festejos do final do ano, com o
costumeiro consumo de bebidas e comidas, como determina o deus mercado. A ordem
é comprar, comprar. Consumir, consumir. Gastar dinheiro. Dinheiro, o Deus do
deus mercado, que tudo comanda.
Acordamos, eu e a Maria José, naquela hora, para
colocar os sacos de lixo na calçada. O caminhão do lixo passaria às 7 horas. Ao
abrirmos o portão, fomos surpreendidos por estranhos visitantes. Eram três
jovens. Um de pouco mais de 20 anos e dois adolescentes.
O
mais velho, empunhando um revólver, assim falou:
-Fiquem
quietos, nada vai acontecer com vocês. Estamos fugindo da polícia.
Antes que falássemos qualquer coisa, continuou o
rapaz:
-
Entrem, entrem, rápido – empurrando-nos para dentro de casa. Sempre com a arma
na mão, sem permitir qualquer chance de reação.
Na
sala, já a porta e janelas fechadas, falou o de arma na mão:
- É
um assalto, só queremos dinheiro. Se vocês colaborarem, nada vai acontecer.
Mandou que ficássemos no quarto. E começaram a
procurar nos armários, gavetas, pastas, envelopes. Queriam encontrar dinheiro e
objetos de ouro. Como nada encontravam, meio nervoso, o mais velho, sempre com
a arma na mão, abordou-me:
-
onde está o dinheiro e o ouro? Não estamos de brincadeira. Pensem na vida de
vocês.
-
Não temos dinheiro nem ouro, rapaz – respondi - Sou um trabalhador aposentado,
vivemos de salário.
-
Ele é professor – completou a Maria José
-
Pois é, fui professor da Escola Virgílio, aqui no bairro – acrescentei.
Eles
ficaram me olhando, assim meio perplexos. Então eu falei:
-
Vocês podem até nos matar. Iremos pro Céu. Infelizmente não podemos atender as
suas exigências.
Dois continuaram a busca nos quartos, na estante e
armários de roupas. Só encontraram livros, roupas, documentos, caixas com
retratos. Viram dois celulares, desses antigos, dois relógios, comprados no
camelô. Não se interessaram.
Enquanto os dois vasculhavam, o adolescente que ficou
conosco no quarto, ouvia alguns conselhos da Maria José:
-
Meu filho, por que você está nessa vida? Saia disso, você é tão jovem!
Ele
respondia:
-
Tá bom tia, tá bom tia - batendo com a mão, levemente, no ombro dela. E
virou-se pra mim e pediu:
-
Pelo menos, o senhor pode arrumar o dinheiro da passagem?
Quando fui à estante da sala pegar o dinheiro solicitado,
o mais velho me acompanhou e viu três notas de 50 reais que estavam lá, embaixo
de uns papéis. Apanhou-as. O outro, vasculhando a bolsa da Maria José,
descobriu duas notas de 50 reais. Também apanhou.
Nesse momento, estavam juntos os três, no quarto onde
estávamos eu e a Maria José. Dirigi-me a eles e falei:
-
Prestem atenção, a Minha esposa tem problemas de coração. Se com ela acontecer
alguma coisa, vocês serão os responsáveis. E não sei de que serei capaz.
O
mais velho respondeu:
-
Responsável é o senhor, que não quer nos mostrar onde está o dinheiro e o ouro.
-
Já falei que não temos dinheiro. O que tínhamos vocês já pegaram. Já falei da
nossa situação financeira.
O
menino mais jovem, escurinho, ficou preocupado, foi à geladeira, pegou água e
levou para Maria José, dizendo:
-
Fique calma, tia, nada vai acontecer com a senhora.
Os
três foram para a sala e confabularam. Voltando para o quarto, o mais velho
assim falou:
-
Obrigado por ter colaborado, não sabíamos quem era o senhor, se soubéssemos,
não tínhamos entrado aqui. Vamos sair pelos fundos, me dê a chave da porta.
-
Não há saída pelos fundos – disse-lhe.
Ele dirigiu-se à sala, depois voltou com os outros
dois e disse:
-
Vamos sair pelo portão da frente. Fiquem aí uns dez minutos, para dar tempo de
chegarmos ao morro. Passem bem, obrigado.
Os dois adolescentes ainda fizeram, com o dedo
polegar, carinhosamente, um sinal de despedida.
Maria
José, maternalmente, ainda disse, aliviada:
-
Deus os proteja. Vão com Deus.
Eles saíram rápido, levando ainda um laptop, com
defeito, numa sacola que eu tinha recebido na 1ª Conferência Nacional de
Segurança Pública (que coisa surreal!), promovido pelo governo federal.
Um minuto depois, corri ao portão. Eles estavam saindo
num carro estacionado na rua ao lado. Aceleraram e sumiram.
Depois do inesperado acontecimento, atônitos, mas
serenos, ficamos refletindo sobre o fato e sobre a vida daqueles pobres
garotos, tão jovens e já perdidos, sem sonhos, sem horizontes.
Na verdade, são jovens, e negros, excluídos da
sociedade. Induzidos pelos apelos da sociedade de consumo, esses jovens decidem
ser bandidos, mesmo correndo o risco de serem da vida banidos.
Vimos, com tristeza, três jovens, seres humanos no
começo da vida, carentes, tensos, desorientados, que, sem lenço e sem
documentos, são sempre barrados no baile. (E são milhares nessa situação). Por
isso, buscam, a qualquer custo, uma forma de ser considerados.
Antes de serem
bandidos, podemos dizer que são vítimas do perverso sistema político e
econômico que nos explora, com ânsia de lucro e poder. E é com tristeza que
vemos governantes, políticos e partidos, que se dizem representantes do povo,
aliados desse sistema inescrupuloso, que devasta toda a nação, em favor de seus
interesses egoístas. É um sistema pervertido, que transpira corrupção, produz o
caos social, enfraquecendo a sociedade, deixando o povo sem defesa, sem paz,
sem proteção.
Como já dizia Camões, na sua epopeia “Os Lusíadas”,
responsabilizando o Rei Fernando que, por causa da sua devassidão, levou
Portugal à decadência: “Remisso e sem cuidado algum, Fernando/Que todo o Reino
pôs em muito aperto/Que, vindo o castelhano devastando/As terras sem defesa,
esteve perto/ De destruir o Reino totalmente; /Que um fraco rei faz fraca a forte gente”.
Pois bem, esse problema da delinquência juvenil não se
resolve com a redução da maioridade penal, nem com a construção de prisões, nem
com penalidades rígidas. O que resolve é a construção de um sistema
político/econômico/social justo e ético, com justa distribuição das riquezas
nacionais, com educação e trabalho para todos e ampla participação de todo o
povo nas decisões políticas.
Por fim, a publicação desse fato, infelizmente, tão
comum nos dias de hoje, tem o objetivo de chamar a atenção para a gravidade da situação
social em que vivemos. A sociedade brasileira não pode continuar omissa,
sofrendo calada os efeitos da insegurança e da violência que se estabeleceu no
país.
O povo tem que reagir, tem que gritar, tem que se
organizar, tem que sair da indiferença. E vale, para profunda reflexão, a
proposta do papa Francisco, na mensagem para o Dia Mundial da Paz: “Vence a indiferença e conquista a paz”.
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