A MÚSICA POPULAR BRASILEIRA E A RESISTÊNCIA
Edmílson Martins de Oliveira
Rio, 2009
A resistência à ditadura militar, iniciada em 1964 com final em 1985,
foi cercada de poesias e músicas, cantadas e vividas pelo povo brasileiro. São
obras de artistas populares, engajados na luta pelas liberdades, que encantaram
toda a nação e ajudaram o povo a se indignar contra a opressão.
Primeiro, com Chico Buarque, fomos “ver a banda passar, cantando coisas de
amor”. E, quando “tudo tomou seu lugar, depois que a banda passou”, voltamos à
dura realidade e, com Geraldo Vandré, “aprendemos a dizer não, ver a morte sem
chorar” e resolvemos “viver para consertar”, porque “tudo estava fora de
lugar”.
Depois, com Chico, “queríamos em nosso destino mandar, mas eis que chega
roda-viva e carrega o destino pra lá”. E fizemos apelos à Carolina, que não viu
“o tempo passar na janela”. E, ainda com Chico, apelamos para a ironia: “Por
este pão pra comer, por este chão pra dormir, por me deixar respirar, por me
deixar existir, pela cachaça de graça que a gente tem que engolir..., Deus lhe
pague”.
Com Milton Nascimento, na escuridão da ditadura, fizemos ecoar o nosso
lamento/ protesto: “Quando você foi embora, fez-se noite em meu viver, forte
sou, mas não tem jeito, hoje tenho que chorar, minha casa não é minha, nem é
meu este lugar”. E "soltamos a voz nas estradas e já não podíamos parar.
Como podíamos sonhar, se nosso caminho era de pedra?" E “não queríamos a
morte, tínhamos muito que viver”. Então, tomamos a decisão de “fazer com nosso
braço o nosso viver”.
Acompanhamos Geraldo Vandré, “caminhando e cantando e seguindo a
canção”, por sermos “todos iguais, braços dados ou não” e conclamamos: “Vem,
Vamos embora que esperar não é saber, quem sabe faz a hora, não espera
acontecer”.
Outra vez, com Chico, dirigimo-nos àquele que “inventou de inventar toda
a escuridão” e fizemos uma dura advertência: “Você vai pagar e é dobrado cada
lágrima rolada neste meu penar”. E profetizamos: “Apesar de você, amanhã há de
ser outro dia”.E continuamos na luta, apesar “do amor reprimido, do grito
contido e do samba no escuro”. E fizemos um apelo dramático ao Pai: “Afasta de
mim este cálice, de vinho tinto de sangue”. E gritamos: “mesmo calada a boca,
resta o peito” e “quero lançar um grito desumano, que é uma maneira de ser
escutado”.
Com João Bosco, Aldir Blanc e Elis Regina, “sonhamos com a volta do
irmão do Henfil (Betinho) e de tanta gente que partiu num rabo de foguete’ e
sabíamos "que uma dor assim pungente, não haveria de ser inutilmente a
esperança” de um dia vermos, com Chico, “uma cidade inteira a cantar a evolução
da liberdade até o dia clarear”.
Finalmente, gritamos, com Gonzaguinha: “Viver e não ter a vergonha de
ser feliz. Cantar e cantar e cantar a certeza de ser um eterno aprendiz”.
Porque sabemos que “A vida devia ser bem melhor e será” e “é bonita, é bonita, é bonita”.
Tudo isso vivemos e cantamos e devemos lembrar sempre, como forma de
fixação desse capítulo tenebroso da nossa História, para que não fique, como
diz o Chico, como “uma passagem desbotada na memória de nossas novas gerações”.
Para que “a nossa pátria mãe não durma mais tão distraída, sem perceber que é
subtraída em tenebrosas transações”. Valeu a pena a nossa luta? Quem responde é
o grande poeta português Fernando Pessoa: “Tudo vale a pena se a alma não é
pequena”.
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