domingo, 24 de janeiro de 2016

SAPATINHO NA JANELA















SAPATINHO NA JANELA
               Maria José
               Dezembro de 2015

Sapatinho na janela
Que dava para o quintal
Noite tão pura e singela
Era noite de Natal.

Mamãe e papai arrumavam
Belo presépio na sala
Onde os pequenos brincavam
Pois era festa de gala.

Na janela do quintal
A esperança persistente
Do presente de Natal
Com meninada contente.

Sono as crianças não tinham
Porque luzes despertavam
Animadas se mantinham
E muito alegres cantavam.

“Bate o sino pequenino”...
Adultos também cantavam
Saudando Jesus menino
Com o coração aclamavam.

Sinos vibrantes soavam
Louvando com grande amor
Anjos também entoavam
Glórias a nosso Senhor.

Como lembrar nos faz bem
Desse tempo da infância
Da cidade de Belém
Com tanta exuberância

Temos muito a agradecer
Ao Salvador que nasceu
Na vida vimos crescer
Grande amor que Ele nos deu.

Rápido o tempo passou
Então vamos recordar
A lembrança que ficou
Para sempre festejar.

São saudades infantis
Que nos fazem tanto bem
Rememoram nossas mentes
E a História de Belém.

Trago hoje na memória
Sonhos lindos de criança
Não com grande oratória
Falo da minha esperança.

A grande festa da Paz
De um sonho de criança,
Que sempre sabe o que faz,
Propõe pro mundo mudança.





JOVENS EXCLUÍDOS: JOVENS BANDIDOS







JOVENS EXCLUÍDOS, JOVENS BANDIDOS
 
                                          Edmílson Martins
                                          Janeiro de 2016

Dia 30 de dezembro de 2015, 6 horas da manhã. Calor intenso. As pessoas já se preparavam para os festejos do final do ano, com o costumeiro consumo de bebidas e comidas, como determina o deus mercado. A ordem é comprar, comprar. Consumir, consumir. Gastar dinheiro. Dinheiro, o Deus do deus mercado, que tudo comanda.
Acordamos, eu e a Maria José, naquela hora, para colocar os sacos de lixo na calçada. O caminhão do lixo passaria às 7 horas. Ao abrirmos o portão, fomos surpreendidos por estranhos visitantes. Eram três jovens. Um de pouco mais de 20 anos e dois adolescentes.
O mais velho, empunhando um revólver, assim falou:              
-Fiquem quietos, nada vai acontecer com vocês. Estamos fugindo da polícia.
Antes que falássemos qualquer coisa, continuou o rapaz:
- Entrem, entrem, rápido – empurrando-nos para dentro de casa. Sempre com a arma na mão, sem permitir qualquer chance de reação.
Na sala, já a porta e janelas fechadas, falou o de arma na mão:
- É um assalto, só queremos dinheiro. Se vocês colaborarem, nada vai acontecer.
Mandou que ficássemos no quarto. E começaram a procurar nos armários, gavetas, pastas, envelopes. Queriam encontrar dinheiro e objetos de ouro. Como nada encontravam, meio nervoso, o mais velho, sempre com a arma na mão, abordou-me:
- onde está o dinheiro e o ouro? Não estamos de brincadeira. Pensem na vida de vocês.
- Não temos dinheiro nem ouro, rapaz – respondi - Sou um trabalhador aposentado, vivemos de salário.
- Ele é professor – completou a Maria José
- Pois é, fui professor da Escola Virgílio, aqui no bairro – acrescentei.
Eles ficaram me olhando, assim meio perplexos. Então eu falei:
- Vocês podem até nos matar. Iremos pro Céu. Infelizmente não podemos atender as suas exigências.
Dois continuaram a busca nos quartos, na estante e armários de roupas. Só encontraram livros, roupas, documentos, caixas com retratos. Viram dois celulares, desses antigos, dois relógios, comprados no camelô. Não se interessaram.
Enquanto os dois vasculhavam, o adolescente que ficou conosco no quarto, ouvia alguns conselhos da Maria José:
- Meu filho, por que você está nessa vida? Saia disso, você é tão jovem!
Ele respondia:
- Tá bom tia, tá bom tia - batendo com a mão, levemente, no ombro dela. E virou-se pra mim e pediu:
- Pelo menos, o senhor pode arrumar o dinheiro da passagem?
Quando fui à estante da sala pegar o dinheiro solicitado, o mais velho me acompanhou e viu três notas de 50 reais que estavam lá, embaixo de uns papéis. Apanhou-as. O outro, vasculhando a bolsa da Maria José, descobriu duas notas de 50 reais. Também apanhou.
Nesse momento, estavam juntos os três, no quarto onde estávamos eu e a Maria José. Dirigi-me a eles e falei:
- Prestem atenção, a Minha esposa tem problemas de coração. Se com ela acontecer alguma coisa, vocês serão os responsáveis. E não sei de que serei capaz.
O mais velho respondeu:
- Responsável é o senhor, que não quer nos mostrar onde está o dinheiro e o ouro.
- Já falei que não temos dinheiro. O que tínhamos vocês já pegaram. Já falei da nossa situação financeira.
O menino mais jovem, escurinho, ficou preocupado, foi à geladeira, pegou água e levou para Maria José, dizendo:
- Fique calma, tia, nada vai acontecer com a senhora.
Os três foram para a sala e confabularam. Voltando para o quarto, o mais velho assim falou:
- Obrigado por ter colaborado, não sabíamos quem era o senhor, se soubéssemos, não tínhamos entrado aqui. Vamos sair pelos fundos, me dê a chave da porta.
- Não há saída pelos fundos – disse-lhe.
Ele dirigiu-se à sala, depois voltou com os outros dois e disse:
- Vamos sair pelo portão da frente. Fiquem aí uns dez minutos, para dar tempo de chegarmos ao morro. Passem bem, obrigado.
Os dois adolescentes ainda fizeram, com o dedo polegar, carinhosamente, um sinal de despedida.
Maria José, maternalmente, ainda disse, aliviada:
- Deus os proteja. Vão com Deus.
Eles saíram rápido, levando ainda um laptop, com defeito, numa sacola que eu tinha recebido na 1ª Conferência Nacional de Segurança Pública (que coisa surreal!), promovido pelo governo federal.
Um minuto depois, corri ao portão. Eles estavam saindo num carro estacionado na rua ao lado. Aceleraram e sumiram.
Depois do inesperado acontecimento, atônitos, mas serenos, ficamos refletindo sobre o fato e sobre a vida daqueles pobres garotos, tão jovens e já perdidos, sem sonhos, sem horizontes.  
Na verdade, são jovens, e negros, excluídos da sociedade. Induzidos pelos apelos da sociedade de consumo, esses jovens decidem ser bandidos, mesmo correndo o risco de serem da vida banidos.
Vimos, com tristeza, três jovens, seres humanos no começo da vida, carentes, tensos, desorientados, que, sem lenço e sem documentos, são sempre barrados no baile. (E são milhares nessa situação). Por isso, buscam, a qualquer custo, uma forma de ser considerados.
 Antes de serem bandidos, podemos dizer que são vítimas do perverso sistema político e econômico que nos explora, com ânsia de lucro e poder. E é com tristeza que vemos governantes, políticos e partidos, que se dizem representantes do povo, aliados desse sistema inescrupuloso, que devasta toda a nação, em favor de seus interesses egoístas. É um sistema pervertido, que transpira corrupção, produz o caos social, enfraquecendo a sociedade, deixando o povo sem defesa, sem paz, sem proteção.
Como já dizia Camões, na sua epopeia “Os Lusíadas”, responsabilizando o Rei Fernando que, por causa da sua devassidão, levou Portugal à decadência: “Remisso e sem cuidado algum, Fernando/Que todo o Reino pôs em muito aperto/Que, vindo o castelhano devastando/As terras sem defesa, esteve perto/ De destruir o Reino totalmente; /Que um fraco rei faz fraca a forte gente”.
Pois bem, esse problema da delinquência juvenil não se resolve com a redução da maioridade penal, nem com a construção de prisões, nem com penalidades rígidas. O que resolve é a construção de um sistema político/econômico/social justo e ético, com justa distribuição das riquezas nacionais, com educação e trabalho para todos e ampla participação de todo o povo nas decisões políticas.
Por fim, a publicação desse fato, infelizmente, tão comum nos dias de hoje, tem o objetivo de chamar a atenção para a gravidade da situação social em que vivemos. A sociedade brasileira não pode continuar omissa, sofrendo calada os efeitos da insegurança e da violência que se estabeleceu no país.
O povo tem que reagir, tem que gritar, tem que se organizar, tem que sair da indiferença. E vale, para profunda reflexão, a proposta do papa Francisco, na mensagem para o Dia Mundial da Paz: “Vence a indiferença e conquista a paz”.




A MÚSICA POPULAR BRASILEIRA E A RESISTÊNCIA À DITADURA










A MÚSICA POPULAR BRASILEIRA E A RESISTÊNCIA
                                          Edmílson Martins de Oliveira 
                                              Rio, 2009

            A resistência à ditadura militar, iniciada em 1964 com final em 1985, foi cercada de poesias e músicas, cantadas e vividas pelo povo brasileiro. São obras de artistas populares, engajados na luta pelas liberdades, que encantaram toda a nação e ajudaram o povo a se indignar contra a opressão.

            Primeiro, com Chico Buarque, fomos “ver a banda passar, cantando coisas de amor”. E, quando “tudo tomou seu lugar, depois que a banda passou”, voltamos à dura realidade e, com Geraldo Vandré, “aprendemos a dizer não, ver a morte sem chorar” e resolvemos “viver para consertar”, porque “tudo estava fora de lugar”.

            Depois, com Chico, “queríamos em nosso destino mandar, mas eis que chega roda-viva e carrega o destino pra lá”. E fizemos apelos à Carolina, que não viu “o tempo passar na janela”. E, ainda com Chico, apelamos para a ironia: “Por este pão pra comer, por este chão pra dormir, por me deixar respirar, por me deixar existir, pela cachaça de graça que a gente tem que engolir..., Deus lhe pague”.

            Com Milton Nascimento, na escuridão da ditadura, fizemos ecoar o nosso lamento/ protesto: “Quando você foi embora, fez-se noite em meu viver, forte sou, mas não tem jeito, hoje tenho que chorar, minha casa não é minha, nem é meu este lugar”. E "soltamos a voz nas estradas e já não podíamos parar. Como podíamos sonhar, se nosso caminho era de pedra?" E “não queríamos a morte, tínhamos muito que viver”. Então, tomamos a decisão de “fazer com nosso braço o nosso viver”.

            Acompanhamos Geraldo Vandré, “caminhando e cantando e seguindo a canção”, por sermos “todos iguais, braços dados ou não” e conclamamos: “Vem, Vamos embora que esperar não é saber, quem sabe faz a hora, não espera acontecer”.

            Outra vez, com Chico, dirigimo-nos àquele que “inventou de inventar toda a escuridão” e fizemos uma dura advertência: “Você vai pagar e é dobrado cada lágrima rolada neste meu penar”. E profetizamos: “Apesar de você, amanhã há de ser outro dia”.E continuamos na luta, apesar “do amor reprimido, do grito contido e do samba no escuro”. E fizemos um apelo dramático ao Pai: “Afasta de mim este cálice, de vinho tinto de sangue”. E gritamos: “mesmo calada a boca, resta o peito” e “quero lançar um grito desumano, que é uma maneira de ser escutado”.

            Com João Bosco, Aldir Blanc e Elis Regina, “sonhamos com a volta do irmão do Henfil (Betinho) e de tanta gente que partiu num rabo de foguete’ e sabíamos "que uma dor assim pungente, não haveria de ser inutilmente a esperança” de um dia vermos, com Chico, “uma cidade inteira a cantar a evolução da liberdade até o dia clarear”.

            Finalmente, gritamos, com Gonzaguinha: “Viver e não ter a vergonha de ser feliz. Cantar e cantar e cantar a certeza de ser um eterno aprendiz”. Porque sabemos que “A vida devia ser bem melhor e será” e  “é bonita, é bonita, é bonita”.

            Tudo isso vivemos e cantamos e devemos lembrar sempre, como forma de fixação desse capítulo tenebroso da nossa História, para que não fique, como diz o Chico, como “uma passagem desbotada na memória de nossas novas gerações”. Para que “a nossa pátria mãe não durma mais tão distraída, sem perceber que é subtraída em tenebrosas transações”. Valeu a pena a nossa luta? Quem responde é o grande poeta português Fernando Pessoa: “Tudo vale a pena se a alma não é pequena”.