LEMBRANÇAS DA MINHA INFÂNCIA
Edmílson Martins de Oliveira
Julho/2025
Desejo narrar fatos ocorridos na minha primeira infância, quando eu tinha, mais ou menos, dois anos de idade, no sítio chamado Carnaúba, que ficava perto da cidade de Barro-Ceará. Revelo fatos dos primeiros anos de vida, até onde alcança minha memória. Lembranças que também são História e cultura.
Esclareço aqui que não é saudosismo, nem vontade de voltar pro passado. É saudade, sim, mas saudade terna. Lembranças de um passado alegre e feliz. Busca do que ficou de bom do passado. Como disse Coelho Neto, “Só há um meio de viver no passado e no futuro – é guardar recordações e sonhos”.
Ah se todos pudessem contar a sua história de vida! Muitos livros seriam editados. Viria à tona a sabedoria. A cultura e a História seriam mais fortes e verdadeiras. As pessoas cresceriam mais, ficariam mais autônomas e independentes. Os valores se revelariam, os relacionamentos ficariam mais fortes, haveria mais compreensão e o mundo ficaria mais solidário e feliz.
Logo depois do meu nascimento, os meus pais aceitaram administrar o sítio Carnaúba. Pra lá eu fui ainda em tenra idade. Nesse sítio ficamos durante uns quatro anos. Acho que até 1942. Em plena segunda guerra mundial, que eu desconhecia. Era propriedade do meu padrinho Juvêncio Barreto, membro de uma família de proprietários de terras. Lá, havia uma grande plantação de cana, para fabricação de rapadura.
Eu tinha mais ou menos dois anos e o meu irmão mais próximo, Emídio, tinha três anos e alguns meses. Sempre brincávamos juntos. E quantas peraltices nós fazíamos! Eu e ele, que hoje está no Céu, sempre guardamos, com emoção, gratas recordações desse tempo de criança.
Todas as tardes, após um dia de brincadeiras e bem lambuzados, minhas irmãs Filó e Agnela nos banhavam numa bacia. Ainda me lembro da bacia: grande e redonda. Cabia nós dois. Quando a água estava sendo preparada, nós corríamos e nos escondíamos atrás das portas, pra não tomar banho. Mas só nos dias que Agnela nos dava banho. Ela era muito tolerante e generosa. Saía a nos procurar carinhosa. Nos dias da Filó, não nos escondíamos. Ela era durona.
Uma outra lembrança marcante: um carrinho puxado por um carneiro. Pertencia a um amigo de nome Mauro Mariano, que tinha uns cinco ou seis anos de idade. Eu e meu irmão tínhamos muita vontade de ter um carrinho como aquele. O Mauro mesmo fez o carrinho. Pra nos consolar, às vezes, ele deixava a gente passear no carrinho. Ele, generoso, ia puxando o carneiro.
Depois, eu e meu irmão tentávamos fazer um carrinho semelhante. E quantos outros brinquedos inventávamos! O ser humano foi criado para também ser criador. Ao criar o ser humano, Deus disse “Crescei e multiplicai-vos” (Gênesis 1,28). E todos nós crescemos, criando, construindo coisas belas, qualquer que seja a condição social. Sem criação, sem beleza, sem arte, a vida não existe.
Outro fato curioso do qual nunca esqueci. Um dia, depois do almoço, eu e alguns irmãos estávamos conversando, sentados em volta da mesa de refeições. Nas conversas, o meu irmão Emídio chamou o Luís de “fio da puta”. Eu, na minha inocência, pensei: isso é nome feio. Vou falar com o pai, que estava na sala deitado numa rede, enquanto minha mãe costurava. Quando falei, meu pai respondeu: chame ele aqui. Eu fui dar o recado, mas o Emídio já tinha fugido. Foi se esconder no canavial. Mais tarde, meu pai o encontrou e nem mais se lembrava do ocorrido. Cortou umas canas e, generoso, disse: leve para seus irmãos.
Ainda me lembro do engenho, situado do lado da casa em que morávamos. Existia, um grande terreno, chamado de bagaceira, onde eram colocados os bagaços das canas moídas. Ali, pastavam alguns animais: cavalos, burros, bois e vacas. Naquela área, nós, as crianças, muitas vezes, brincávamos entre os animais.
Entre os bois, pastava um boi velho, manso, chamado Ramalhete. Eu admirava muito aquele animal. Todos os dias, eu ficava na porteira que dava para a bagaceira e chamava-o pelo nome. Ele vinha ao meu encontro, passos lentos e faceiros e me pegava com os chifres e me rolava pelo chão, parecendo querer brincar. Eu gostava. Mas as pessoas grandes (ah essa gente grande!) vinham e acabavam com a brincadeira.
Foi nessa bagaceira que eu conheci pela primeira vez um veículo a motor. Era um caminhão que transportava a rapadura que meu pai vendia. Para mim, o caminhão era uma coisa fantástica: os faróis, os pneus, a carroceria, o motorista. Eu ficava deslumbrado. Nunca tinha visto aquilo.
A partir dali, fui tendo contato, ainda que precário, com as coisas do chamado progresso. Lembro-me de que, toda semana, na seca, como não tinha água perto de casa, minhas irmãs iam lavar roupas num lugar de nome “Olho d’água”, onde havia uma nascente. Lá moravam meus avôs maternos. Eu e meu irmão Emídio íamos com elas. Atravessávamos uma estrada de rodagem, por onde passavam automóveis, jipes, caminhões. Eu observava tudo com muita curiosidade.
Todas as pessoas são criadas para aprender e crescer, nas observações, nas orientações, no contato com as coisas criadas. Daí, a necessidade do conhecimento. Ali, em tenra idade, eu, meu irmão e amigos desenvolvíamos nosso aprendizado na grande escola da vida.
Quando eu tinha quatro anos, meus pais encerraram a administração do sítio Carnaúba e voltamos todos para o sítio Ipueira. Lá fiquei até os dezesseis anos, quando comecei a trabalhar na cidade de Crato, depois de alguns anos de estudos escolares.
No sítio Ipueira, as lembranças são mais profundas e gratificantes. Lá vivi intensamente a infância e adolescência. Nessa fase de sonhos, fantasias e muitas e variadas experiências, aprendi muito. Com o tempo, acabaram-se as fantasias e ficaram os sonhos, que até hoje permanecem e nunca acabarão.
Na cidade de Crato, vivi intensamente minha adolescência e parte da juventude. Muitas emoções. Primeiros estudos com a inesquecível Dona Antônia, minha primeira professora, preparando-me para o Grupo Escolar Municipal. Onde estudavam ricos e pobres. Lá, estudei no Segundo Ano Primário e até me torneiro presidente do Grêmio Escolar da turma, por orientação da dona Sila, minha segunda professora.
Depois, trabalho no comércio e no Banco de Crédito Comercial e estudos, à noite, na Escola Técnica de Comércio da Associação dos empregados no Comércio de Crato, onde me formei Técnico de Contabilidade. Bem, esse período da adolescência e juventude é assunto para um próximo texto.
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