SERRA DO ARARIPE
Edmílson Martins de Oliveira
Janeiro/2024
A Serra ou Chapada do Araripe está situada entre os estados de Pernambuco, Ceará e Piauí. Reúne os biomas caatinga, predominante, cerrado e mata atlântica. Está a mil metros de altitude. Nela há uma densa floresta e dela jorram muitas fontes de água cristalina. Alguns estudiosos dizem que a serra era considerada “Território encantado dos índios Kariri”.
Meus avós maternos moraram lá, durante vários anos. Viviam, principalmente, do plantio e cultivo de mandioca para a fabricação de farinha, que vendiam nas feiras das cidades da região do Cariri. Faziam também o plantio de milho e feijão. Cultivavam o fruto chamado Pequi, que no Tupi significa “pele espinhenta”. Comi lá, muitas vezes, pequi cozido junto com arroz. Um prato delicioso.
Como o terreno na Serra do Araripe é muito fértil, em dado momento, meu pai decidiu fazer lá uma plantação de milho. Escolheu meu irmão Chico e eu para lá fazermos a tal plantação. Eu tinha cerca de quinze anos e estava em período de férias escolares. Meu irmão era alguns anos mais velho que eu.
Saímos de casa um dia de madrugada, com destino à serra. Eu montado num burro e Chico noutro, levando sementes para o plantio e outras coisas necessárias para ficar na serra uns vinte ou trinta dias. A viagem era longa. Partimos às quatro horas, ainda escuro, para chegarmos ao destino no final da tarde. E lá fomos nós. O Chico montado no burro chamado Mimoso e eu noutro irmãozinho do qual não me lembro o nome.
Troteamos pela longa estrada. Às onze horas da manhã, paramos nas proximidades da cidade de São Pedro, na beira de um riacho de águas límpidas. Comemos a refeição que levávamos, preparada por minha mãe: frango cozido com farofa. Sobremesa: rapadura, fabricada em casa, no engenho montado por meu pai, para esse fim. Bebemos água cristalina do riacho, alimentamos os burros com milho e água e continuamos a viagem.
Troteamos por estrada margeada de mato verde, ouvindo o canto dos passarinhos. Mais ou menos às quatro horas da tarde, chegamos ao distrito de Jamacaru, situado no sopé da Serra do Araripe, rico em belezas naturais e fontes de água. Dali, começamos a subir a serra, por uma estrada larga e emoldurada por uma floresta fechada. Cenário bem diferente do sertão onde morávamos, cujas estradas, na seca, são ladeadas por árvores sem folhas e ressequidas.
Depois de mais ou menos uma hora, chegamos à casa dos meus avós. Era uma casa grande, tipo casa de fazenda, com alpendre, terreiro amplo, cercada de matos verdes. Ao lado, uma lagoa, onde se via garças, patos e marrecos. À noite se dormia, ouvindo o cantarolar dos sapos. Clima frio e agradável, diferente do calor do sítio Ipueira, no seco sertão, onde habitávamos.
No dia seguinte, antes de começarmos os trabalhos na roça, o Chico me levou ao pé da serra, onde existia uma fonte de água cristalina, que diziam ser água potável. Fiquei encarregado de ir lá diariamente, num jumento, com ancoretas, para buscar água, necessária ao consumo diário. Ia montado num jumento e voltava puxando-o, com as ancoretas cheias de água. Era, mais ou menos, uma hora pra ir e uma hora pra voltar.
Na volta da fonte, almoçava, levava a comida do Chico, que estava na roça e lá ficava trabalhando até o final da tarde. Eu e o Chico ficamos, mais ou menos, um mês nessa luta, preparando a terra e plantando o milho. Eram várias tarefas para preparo e plantio. Foi uma experiência marcante, plantada e cultivada em minha memória.
Não foi uma experiência só de trabalho. Foi também de curtição do cenário serrano. Geralmente, às sextas e sábados à noite, íamos à casa de farinha. Era uma festa. Além da fabricação de farinha, bijus e tapiocas, havia no ambiente muitas prosas e brincadeiras. Ali, era um ponto de encontro da comunidade. Um verdadeiro encontro cultural. Entre o descascar de macaxeira, prosas e brincadeiras e cantigas, saboreava-se o biju e tapioca feitos na hora no grande forno de fabricação de farinha.
Interessante também era a ida à feira no distrito de Jamacaru, no pé da serra. Os produtores da região levavam para lá seus produtos para a venda: farinha, frutas diversas, doces, pequi, arroz, feijão e outros artigos. A feira era um lugar de negócios, mas também um ponto de encontro dos moradores da redondeza.
As pessoas desciam da serra, geralmente, a pé, em grupos, conversando, brincando, cantando, aspirando o cheiro da mata verde, ouvindo o gorjeio dos papagaios, das araras, do sabiá e outras aves silvestres. Essa interação com a flora e fauna e o ambiente alegre criado pelas pessoas, andando a pé pela estrada, muito me agradava e me encantava. Tudo era poesia, tudo embriagava a alma da gente.
Hoje, a Serra do Araripe continua lá, com suas florestas, sua fauna, sua flora, suas riquezas naturais, suas fontes de águas cristalinas, atendendo ao consumo da população de toda a região do Cariri. Meus avós estão morando, hoje, em lugar bem mais alto que a serra, acima do infinito E eu estou aqui, depois de setenta anos, repassando as lembranças que ficaram guardadas na mente e no coração.
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