O RIO DE JANEIRO DE OUTRORA
Edmílson Martins
Maio de 2021
Há quem diga que lembranças do passado são nostalgia, melancolia, tristeza. Eu não concordo. Acho que lembranças do passado são História, memória, resgate de fatos ocorridos.
Lembrar as coisas boas do passado é saudade terna, é reviver (Recordar é viver/Diz o velho ditado”), é fortalecer o presente com as coisas boas vividas no passado. Ai de quem não é capaz de resgatar as suas memórias.
Por isso, não me canso de lembrar-me das experiências do passado, do que ficou de bom e até refletir sobre as coisas negativas, para não mais serem repetidas. “Só há um meio de viver no passado e no futuro – é guardar recordações e sonhos” (Coelho Neto)
Lembro-me da minha chegada ao Rio de Janeiro, em março de 1960, quando se respirava romantismo, esperança e alegria. Era uma cidade alegre, “cheia de encanto e beleza”. Hoje, infelizmente, muito sombria, marcada pela violência institucionalizada e do crime organizado e maltratada pela incompetência e má vontade política dos seus administradores, que, a serviço do sistema neoliberal, perverso e ganancioso, desvalorizam a cultura, a História, os valores humanos.
As décadas de 1950/60 foram marcadas pelo romantismo, revelado na Música Popular Brasileira, no cinema, teatro e até na política. Apesar das dificuldades, incertezas e erros humanos, que sempre existiram, o país era mais feliz, o povo mais fagueiro.
Minha chegada ao Rio de Janeiro foi marcada, sobretudo pelas canções da MPB. Uma delas ficou na minha memória e volta e meia me pego cantarolando-a. É a canção “Menina Moça”, de Luiz Antônio, na voz de Tito Madi, cantor da Bossa Nova, ou de Miltinho (“Você menina moça/Mais menina que mulher/Confissões não ouça/Abra os olhos se puder”)...
Essa música tinha a ver com a tragédia ocorrida na segunda metade dos anos 1950. Uma jovem de 18 anos, Aída Curi, fora empurrada de um apartamento do décimo andar, em Copacabana, quando dois rapazes (Ronaldo Castro e Cássio Murilo) tentavam violentá-la.
O Rio de Janeiro era o principal centro cultural do país e também centro das sadias fantasias nacionais. Tudo no Rio transbordava alegria e deslumbramento. Desde o Maracanã, estádio de futebol, Pão de Açúcar, Corcovado, até à praia de Ipanema, celebrizada pela música de Tom Jobim e Vinícius de Morais, “Garota de Ipanema” (“Moça do corpo dourado do sol de Ipanema/O seu balançado é mais que um poema/É a coisa mais linda que eu já vi passar”).
Tudo no Rio de Janeiro era pitoresco. Andando pelo centro da cidade, em dia de semana, algumas coisas me fascinavam. Uma delas era observar a astúcia de camelôs, vendendo relógios. Com uma banquinha, repleta de relógios baratos, o camelô anunciava e as pessoas paravam para ver. Um parceiro, fingindo que comprava, dizia:
- opa! Tá barato, quero três.
Astúcia para incentivar o interesse dos que passavam. Como eu já conhecia a “malandragem”, não caía no chamado “conto do vigário”. Eu só observava e achava interessante. E tudo andava bem, quando alguém gritava:
-olha o rapa! Eram “guardas”, que recolhiam tudo que podiam pegar dos camelôs. Todos juntavam suas coisas e saíam correndo.
Outra coisa interessante era o homem da cobra. Ele vendia alguns produtos e tinha com ele uma cobra para chamar a atenção de quem passava. Um dia, às oito horas da manhã, passando na Rua da Quitanda, parei para ver um que falava da cobra, enquanto anunciava seus produtos:
- Esta cobra é muito sabida, é domesticada, ela vai avançar naquele que não tomou banho hoje.
Debandada geral. Rapazes, moças, todos corriam. Eu não corri porque tomara banho antes de sair de casa. E o homem, às gargalhadas, gritava:
- É brincadeira, gente, a cobra não vai morder.
A gente ia ao cinema ou ao teatro na Tijuca, Centro da cidade, ou Copacabana e também a bailes nos clubes, à noite, e voltava pra casa com tranquilidade. Não havia o clima de medo e terror que existe hoje. O carnaval de rua, com blocos e fantasias era uma verdadeira festa popular. E ainda havia as festas juninas nas ruas, que juntavam multidões.
Concluindo, toda essa riqueza cultural e humana, que se desenvolvia na cidade do Rio de Janeiro, e em todo o país, foi perversamente excluída e substituída por falsos valores. Por isso, a necessidade de lembrar e resgatar todo esse legado histórico, para dar sequência ao crescimento humano do nosso povo.
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