quinta-feira, 15 de outubro de 2020

MEMÓRIA HISTÓRICA 1

 

 

MEMÓRIA HISTÓRICA I

 

     Edmílson Martins

      Outubro/2020

 

Sem memória, nunca se avança; não se evolui sem uma memória íntegra e luminosa”. (Papa Francisco em: Carta Encíclica Fratelli tutti)

 

No dia 20 de março de 1960, eu chegava ao Rio de Janeiro, Aeroporto Santos Dumont. Vinha da cidade de Crato, região do Cariri, sul do Ceará.

 Vim de avião, duma empresa daquela época, chamada Real. O avião parecia um teco-teco. Voava muito baixo, aterrissando em várias cidades. Foram dez horas de viagem. Como o voo era baixo, o avião subia e descia em vácuos, que faziam o estômago subir à garganta, com muito enjoo. O resultado nem quero lembrar...

 Eu viria de ônibus, mas como naquela época as estradas estavam intransitáveis, tive que arrumar dinheiro emprestado com meu pai, para vir de avião. Penei, mas aqui cheguei.

 Com 21 anos, migrei para o Rio de Janeiro, por causa das precárias condições sociais existentes no Nordeste. Dizia-se que as migrações aconteciam por causa da seca. Mas isso não era verdade. O que ocorria, como ocorre hoje, era uma prática política injusta e excludente, com o favorecimento e enriquecimento de uma pequena minoria, com empobrecimento da grande maioria da população.

 Estando no Rio, ajudado pelo meu irmão Agostinho e sua esposa Loreto, que tinham emigrado no ano anterior, comecei a luta para arrumar emprego. Foi difícil a procura, porque eu nunca estivera numa cidade grande.

Buscava-se trabalho através de “agências de emprego”, que se localizavam no centro da cidade. Após entrevistas e testes, os candidatos eram encaminhados para empresas, que geralmente se localizavam em bairros do subúrbio.

Morando no bairro “Todos os Santos”, pegava o trem até à Central do Brasil e de lá caminhava até o centro, onde se localizam a Avenida Rio Branco, Rua do Ouvidor, Rua da Alfândega, Rua da Quitanda, Rua do Rosário, etc. Ali, ficavam as agências de emprego.

 Eu padeci pra me acostumar com tantas ruas e tantos prédios altos. O meu irmão me orientava assim: “quando você estiver atrapalhado entre ruas e prédios, procure orientar-se pelo relógio da Central”. E assim eu fazia.

 Depois de uns cinco meses, eu já estava trabalhando no então Banco de Crédito Real de Minas Gerais. Fora aprovado num concurso público, o primeiro dos diversos concursos que fiz no Rio de Janeiro.

 Pois bem, já trabalhando, comecei a convivência com movimentos sociais e políticos. Primeiro, nos Movimentos Sociais da Igreja Católica, depois, no Movimento Sindical Bancário, onde havia ativistas conscientes, animados e firmes, que muito me incentivaram.

 Corriam os anos de 1960 e crescia a efervescência social e política no mundo e também no Brasil. A revolução cubana; a resistência dos vietnamitas ao império norte americano; a luta dos negros americanos, liderada pelo pastor Martin Luther King; o Concílio Ecumênico, instalado pelo papa João XXIII; tudo concorria para esquentar os ânimos da atuação política e social.

Eu, que viera para o Rio a fim de “ganhar a vida”, como se dizia, logo mudei de perspectiva e me engajei na efervescência da luta social, influenciado pelos debates em torno das encíclicas sociais “Mater et Magister” e “Pascem in Terris”, do papa João XXIII. A Igreja se abria para o mundo e convidava todas as pessoas de boa vontade a participarem da construção de uma sociedade justa e fraterna.

Cresciam os Movimentos sociais da Igreja, com a Ação Católica em plena atividade, através da ACO (Ação Católica Operária), JOC (Juventude Operária Católica), JEC (Juventude Estudantil Católica) e JUC (Juventude Universitária Católica); e outros Movimentos sociais.

Os trabalhadores da cidade e do campo organizavam-se em sindicatos e participavam dos debates em torno das questões sociais, defendendo suas reivindicações e seus direitos à cidadania e a uma vida digna.

A juventude estudantil participava ativamente dos debates sobre as questões sociais e políticas, organizando-se nos grêmios escolares, nas associações secundaristas e nas universidades, através dos centros acadêmicos e da UNE (União Nacional dos Estudantes).

Em torno do apelo do Concílio Ecumênico para que todos se unissem em favor da construção de um mundo melhor, humano e fraterno, crescia o movimento pela unidade democrática. Independente de credo religioso, ideologias, raças, cor, etc., a sociedade brasileira buscava unir-se em torno das questões comuns.

Todo esse processo de participação e organização, toda essa ascensão popular foi parcialmente interrompida com o golpe civil/militar de 1964. Aliás, foi esse o principal motivo que gerou a derrubada do presidente João Goulart. Os golpistas colocaram como pretexto a ameaça do comunismo nacional e internacional. Mas, na verdade, o motivo foi o medo do avanço do povo na organização e participação política.

Os golpistas, a serviço do poder econômico internacional, que temia a força do povo consciente e organizado, usaram toda a violência que puderam para sustar o movimento de conquista das liberdades democráticas.

No próximo texto, comentarei  a repressão, as prisões, as torturas e mortes praticadas pelo regime ditatorial que se implantava, a partir de 1º de abril de 1964. E também as tentativas de rearticulação dos Movimentos populares e a resistência ao rolo compressor da ditadura.

 

 

 

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