quinta-feira, 29 de outubro de 2020

MEMÓRIA HISTÓRICA II

 


MEMÓRIA HISTÓRICA II

                    Edmílson Martins

                    Outubro/2020

 

                                          (“Sem memória, nunca se avança; não se evolui

                                           sem uma memória íntegra e luminosa”.

                                             (Papa Francisco – Carta Encíclica Fratelli tutti)

 No dia 1º de abril de 1964, consumou-se o golpe civil/militar no Brasil. As forças do capitalismo nacional e internacional derrubaram um governo legitimamente eleito pelo povo brasileiro.

 Eu era bancário e ativista sindical. Entre 1960 e 1964, participara de várias greves de bancários no Rio de Janeiro. A partir dos documentos do Concílio Ecumênico Vaticano II, que incentivavam a participação dos cristãos na luta pelas mudanças sociais, eu estava engajado no Movimento Sindical bancário.

 As primeiras ações violentas da ditadura foram as intervenções nos sindicatos de trabalhadores, com perseguições e prisões de dirigentes e ativistas sindicais. Funcionários do Banco do Brasil e de outros bancos públicos foram os mais atingidos, com muitas demissões.

 Como os trabalhadores e o povo em geral, vinham num processo crescente de participação social, através de suas Organizações representativas, houve as tentativas de resistência à ditadura.

 Inicialmente, a ditadura tentou desmantelar as Organizações do povo, com perseguição, afastamento e prisão das suas lideranças. Não conseguiu totalmente. Os trabalhadores, estudantes, artistas, intelectuais, etc., buscaram a rearticulação, para continuar a luta pelas liberdades.

 Os anos de 1964 a 1969 foram bem movimentados, com grande parcela da população tentando reorganizar-se para resistir à violenta repressão da ditadura. Fatos políticos como a resistência dos vietnamitas ao imperialismo americano; a Revolução Cubana; a rebelião dos negros americanos, liderados pelo pastor Martin Luther King Jr; a rebelião dos jovens, a partir da França; o Concílio Ecumênico Vaticano II, contribuíram decisivamente para o crescimento da movimentação social e política no Brasil.

 Nesse período, rearticulava-se o Movimento Sindical, rearticulava-se o Movimento Estudantil. Intelectuais, artistas e amplos setores da Igreja Católica entravam na luta de resistência. Crescia um amplo movimento contra a ditadura, em favor das liberdades democráticas.

 A chamada linha dura do regime, representada por setores das Forças Armadas, ficou incomodada com esse movimento de rearticulação do povo. Tramou nos bastidores e conseguiu dar o golpe dentro do golpe. Foi afastada a linha mais branda do regime, substituída pela linha dura, que iniciou o período de truculência.

 Todo o Movimento em rearticulação foi desbaratado. Durante os cinco anos seguintes, a truculência foi mais perversa do que em 1964. O Movimento Estudantil foi estraçalhado, os sindicatos foram totalmente controlados, os intelectuais, artistas e Movimentos atuantes da Igreja Católica foram duramente reprimidos. Tudo com muitas prisões, torturas, mortes e desaparecimentos de lideranças populares.

 Foi nesse momento que surgiram os chamados “grupos revolucionários” clandestinos, como MR8 (Movimento Revolucionário Oito de Outubro), ALN (Ação Libertadora Nacional), VPR (Vanguarda Popular Revolucionária), etc. Esses grupos estavam enxertados por jovens, oriundos do Movimento Estudantil, proibidos de participar da luta legal e democrática, através de suas instituições.

 Esses grupos achavam que, através da luta armada, derrubariam a ditadura, influenciados pelo “Foquismo”, teoria revolucionária inspirada por Che Guevara, para enfraquecer o imperialismo, desenvolvida por Regis Debray, filósofo, jornalista e professor francês.  No Brasil, essa teoria foi cantada pelo compositor e cantor Geraldo Vandré, com a composição “Pra não dizer que não falei de flores”. (“Vem, vamos embora que esperar não é saber/Quem sabe faz a hora não espera acontecer”). Essa música tornou-se um hino da juventude brasileira, engajada na luta pelas liberdades.

 Esses grupos, organizados e relativamente armados, partiram para sequestros de embaixadores, guerrilhas urbanas, com assaltos a bancos e guerrilha rural no Araguaia. Foram todos massacrados pelo forte poder armado da ditadura. Contavam com a adesão do povo. Não aconteceu.

 Os sequestros de embaixadores produziram aspectos positivos, entre eles, a libertação de mais de 100 presos políticos, que estavam sendo torturados nos cárceres da ditadura. E até tiveram a simpatia do povo, mas somente a simpatia.

 Ficou evidente que as ações desses grupos, embora bem intencionadas, foram uma aventura e contribuíram para tornar mais intensa e cruel a repressão do regime ditatorial, com prolongamento maior do tempo de autoritarismo e retrocesso social e político.

 Já em 1964, fora a pressa das chamadas “vanguardas” que favorecera a implantação do golpe civil/militar. Na História, esse problema sempre ocorreu, quando não se teve paciência de acompanhar a caminhada do povo, que é sempre muito devagar. O povo tem o seu jeito de fazer a revolução, que acontece na sua longa trajetória, através da História.

 A partir de 1969, o obscurantismo tomou conta do nosso país, com a violenta repressão da ditadura. Continuava aí, com mais perversidade, o processo de destruição dos ideais de toda uma geração de jovens, que sonhavam com a liberdade, e do desejo de vida melhor de todo o povo brasileiro.

 Esse obscurantismo foi bastante registrado nas músicas de Chico Buarque de Holanda: “Apesar de você” (Vou cobrar com juros, juro/Todo esse amor reprimido/Esse grito contido/Este samba no escuro; “Roda Viva” (A gente quer ter voz ativa/No nosso destino mandar/Mas eis que chega a roda viva//, E carrega o destino pra lá);Cálice(Pai, afasta de mim esse cálice/De vinho tinto de sangue). E nas músicas de Milton Nascimento, como “Travessia” (Quando você foi embora/Fez-se noite em meu viver) ou (Sonho feito de brisa

Vento vem terminar).

 A partir daí, os militantes mais aguerridos da ação social e política, entre os quais este narrador, sem perderem o ânimo e a esperança, procuraram construir novas formas de luta, para continuar o processo de conscientização e organização do povo, rumo à construção da sociedade democrática e livre.


Esse assunto será desenvolvido no próximo capítulo destas “Memórias Históricas”.

 

 

sexta-feira, 16 de outubro de 2020

FLORESTA EM CHAMAS

 

 

 FLORESTA EM CHAMAS

                Edmílson Martins

                Outubro/2020

 

Com a floresta em chamas

O pulmão do mundo clama:

Falta-me respiração

Não consigo respirar

Parem de me sufocar

Não façam mal à nação.         

 

Estão morrendo queimados

Os animais do Serrado

Aves lagartos e cobras

Também espécies raras

Os papagaios e araras

Quase bicho nenhum sobra. 

 

Toda a floresta em chamas

Ardentemente reclama

Lança grito de pavor

Ao ver a destruição

E sua consumição.

Não aguenta tanto horror.

 

O Brasil verde-amarelo

Está hoje menos belo

Com matas incandescentes        

E fogo destruidor

Que causa terrível dor

A animais aves e gente.

 

Executando queimadas

O carrasco Torquemada

Faz da mata uma fogueira

Para atender ao mercado

E a desejos depravados

E diz queimar feiticeiras.

 

É gente sem coração

Sem nenhuma compaixão

Sem respeito à natureza.

Em nome do vil metal

Queima mata faz o mal

Tudo com muita vileza.

 

A nossa gente decente

Não pode ser complacente

Com tanta destruição

Tem que gritar protestar

Culpados denunciar

Por essa devastação.

 

O governo Bolsonaro,

É preciso ficar claro,

Foi eleito pra governar

Não pra fazer lambança

Nem criar insegurança

Nem o país destroçar.

 

Chega de tanto cinismo

Chega de charlatanismo

O Brasil é país sério

Merece muito respeito

E governo não suspeito

Sem deboche sem império.


 

quinta-feira, 15 de outubro de 2020

MEU RIO DE JANEIRO

 

 


 

 

 

 

 

 

MEU RIO DE JANEIRO

                      Edmilson Martins

                      Setembro de 2020

                            

O meu Rio de Janeiro

Sempre formoso altaneiro

Pleno dos encantos mil

Hoje tão desfigurado

Muito ferido alvejado

Por drogas bala fuzil.

 

Jesus Cristo Redentor

Sangrando com muita dor

Do cume do Corcovado

Com braços chama atenção

Apela pro coração

E se mostra amargurado.

 

Não basta a gente da rua?

Com a vida nua e crua?

Agora mais violência

Com milícia e corrupção?

Com político ladrão

Praticando indecências?

 

Hoje morro de saudade

Do Rio bela cidade

Desta região sudeste

Pacata não violenta

Que agora ninguém aguenta

Por causa de cafajestes.

 

As fracas autoridades

Sempre cheias de maldades

Falam falsas e arrogantes:

“Tomaremos providências

Não queremos violências            

Não seremos tolerantes”.

 

Mas o tempo vai passando

O povo vai se cansando

E ninguém aguenta mais.

Prefeito governador

Presidente senador

Façam algo pela paz.

 

Vereador deputado

Procurem ser devotados

O povo só quer respeito

Ao cargo sejam fiéis

E não sejam tão cruéis

Cumpram mandato direito.

 

E há um povo calado

Cúmplice desse atentado

Que não grita não reclama

Não luta por seus direitos

Achando que não tem jeito

Prefere viver na lama.

 

O Rio tem que ser terno

Do jeito do Pai eterno

E sempre maravilhoso

Com gente feliz sorrindo

Brincando se divertindo

Sempre alegre e carinhoso.

 

Este Rio de Janeiro

E também de fevereiro

É gentil sempre bonito

Sem tiro bala perdida

Sem gente tão combalida

Sem bandido sem conflito.

 

Jesus Cristo Redentor

Com seu braço protetor

Protegendo o seu bom povo

Cesse tanta coisa insana

E proceder que engana

Pra surgir um Rio novo.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

MEMÓRIA HISTÓRICA 1

 

 

MEMÓRIA HISTÓRICA I

 

     Edmílson Martins

      Outubro/2020

 

Sem memória, nunca se avança; não se evolui sem uma memória íntegra e luminosa”. (Papa Francisco em: Carta Encíclica Fratelli tutti)

 

No dia 20 de março de 1960, eu chegava ao Rio de Janeiro, Aeroporto Santos Dumont. Vinha da cidade de Crato, região do Cariri, sul do Ceará.

 Vim de avião, duma empresa daquela época, chamada Real. O avião parecia um teco-teco. Voava muito baixo, aterrissando em várias cidades. Foram dez horas de viagem. Como o voo era baixo, o avião subia e descia em vácuos, que faziam o estômago subir à garganta, com muito enjoo. O resultado nem quero lembrar...

 Eu viria de ônibus, mas como naquela época as estradas estavam intransitáveis, tive que arrumar dinheiro emprestado com meu pai, para vir de avião. Penei, mas aqui cheguei.

 Com 21 anos, migrei para o Rio de Janeiro, por causa das precárias condições sociais existentes no Nordeste. Dizia-se que as migrações aconteciam por causa da seca. Mas isso não era verdade. O que ocorria, como ocorre hoje, era uma prática política injusta e excludente, com o favorecimento e enriquecimento de uma pequena minoria, com empobrecimento da grande maioria da população.

 Estando no Rio, ajudado pelo meu irmão Agostinho e sua esposa Loreto, que tinham emigrado no ano anterior, comecei a luta para arrumar emprego. Foi difícil a procura, porque eu nunca estivera numa cidade grande.

Buscava-se trabalho através de “agências de emprego”, que se localizavam no centro da cidade. Após entrevistas e testes, os candidatos eram encaminhados para empresas, que geralmente se localizavam em bairros do subúrbio.

Morando no bairro “Todos os Santos”, pegava o trem até à Central do Brasil e de lá caminhava até o centro, onde se localizam a Avenida Rio Branco, Rua do Ouvidor, Rua da Alfândega, Rua da Quitanda, Rua do Rosário, etc. Ali, ficavam as agências de emprego.

 Eu padeci pra me acostumar com tantas ruas e tantos prédios altos. O meu irmão me orientava assim: “quando você estiver atrapalhado entre ruas e prédios, procure orientar-se pelo relógio da Central”. E assim eu fazia.

 Depois de uns cinco meses, eu já estava trabalhando no então Banco de Crédito Real de Minas Gerais. Fora aprovado num concurso público, o primeiro dos diversos concursos que fiz no Rio de Janeiro.

 Pois bem, já trabalhando, comecei a convivência com movimentos sociais e políticos. Primeiro, nos Movimentos Sociais da Igreja Católica, depois, no Movimento Sindical Bancário, onde havia ativistas conscientes, animados e firmes, que muito me incentivaram.

 Corriam os anos de 1960 e crescia a efervescência social e política no mundo e também no Brasil. A revolução cubana; a resistência dos vietnamitas ao império norte americano; a luta dos negros americanos, liderada pelo pastor Martin Luther King; o Concílio Ecumênico, instalado pelo papa João XXIII; tudo concorria para esquentar os ânimos da atuação política e social.

Eu, que viera para o Rio a fim de “ganhar a vida”, como se dizia, logo mudei de perspectiva e me engajei na efervescência da luta social, influenciado pelos debates em torno das encíclicas sociais “Mater et Magister” e “Pascem in Terris”, do papa João XXIII. A Igreja se abria para o mundo e convidava todas as pessoas de boa vontade a participarem da construção de uma sociedade justa e fraterna.

Cresciam os Movimentos sociais da Igreja, com a Ação Católica em plena atividade, através da ACO (Ação Católica Operária), JOC (Juventude Operária Católica), JEC (Juventude Estudantil Católica) e JUC (Juventude Universitária Católica); e outros Movimentos sociais.

Os trabalhadores da cidade e do campo organizavam-se em sindicatos e participavam dos debates em torno das questões sociais, defendendo suas reivindicações e seus direitos à cidadania e a uma vida digna.

A juventude estudantil participava ativamente dos debates sobre as questões sociais e políticas, organizando-se nos grêmios escolares, nas associações secundaristas e nas universidades, através dos centros acadêmicos e da UNE (União Nacional dos Estudantes).

Em torno do apelo do Concílio Ecumênico para que todos se unissem em favor da construção de um mundo melhor, humano e fraterno, crescia o movimento pela unidade democrática. Independente de credo religioso, ideologias, raças, cor, etc., a sociedade brasileira buscava unir-se em torno das questões comuns.

Todo esse processo de participação e organização, toda essa ascensão popular foi parcialmente interrompida com o golpe civil/militar de 1964. Aliás, foi esse o principal motivo que gerou a derrubada do presidente João Goulart. Os golpistas colocaram como pretexto a ameaça do comunismo nacional e internacional. Mas, na verdade, o motivo foi o medo do avanço do povo na organização e participação política.

Os golpistas, a serviço do poder econômico internacional, que temia a força do povo consciente e organizado, usaram toda a violência que puderam para sustar o movimento de conquista das liberdades democráticas.

No próximo texto, comentarei  a repressão, as prisões, as torturas e mortes praticadas pelo regime ditatorial que se implantava, a partir de 1º de abril de 1964. E também as tentativas de rearticulação dos Movimentos populares e a resistência ao rolo compressor da ditadura.