terça-feira, 7 de julho de 2020

SEU ANTÔNIO BATISTA- O REZADOR



















SEU ANTÔNIO BATISTA – O REZADOR.
                                 Edmílson Martins
                                 Julho de 2020

Voltando à minha infância no sertão do Ceará, Sítio Ipueira, onde nasci, lembrei-me de um fato que ficou profundamente marcado em minha memória.

Um dia, eu e alguns amigos estávamos embaixo de um pé de catolé, que dava coquinhos. Era um fruto que, tirada a casca, tinha uma consistência lisa e muito doce. Colocávamos o coquinho na boca e roíamos essa consistência, que era muito saborosa.

Um dos amigos, ao roer um coquinho, descuidou-se e engoliu o caroço. Mas o caroço parou na garganta. Não descia, nem voltava. O rapaz ficou desesperado. E tentava beber água e nada. Já em casa aconselharam-no engolir farinha e nada. Batiam nas costas, sacudia o corpo dele e nada.

Alguém se lembrou do seu Antônio Batista, um senhor de mais ou menos 80 anos, que morava num sítio vizinho, chamado “Cantinho”, e era rezador. Muito procurado por pessoas em dificuldades.
- Vamos procurar o seu Antônio Batista – falou um.
- Vamos logo – disseram outros.

Fomos todos à casa do seu Antônio. Bem depressa, porque o rapaz estava cada vez mais desesperado. Não falava. Só resmungava e chorava e babava. Todos, ao lado dele, estavam também nervosos, Não sabiam o que fazer.

Chegamos todos à casa do seu Antônio. O rapaz em agonia, olhos arregalados, sem poder falar. Só fazia sinal com as mãos sobre a garganta, tentando mostrar o que acontecia.

-O que houve – perguntou o velhinho rezador, que se encontrava sentado em uma cadeira, calmo e meditativo.
- Ele engoliu um catolé – responderam todos os que o acompanhavam.

O seu Antônio, com toda serenidade, levantou-se, buscou uma cadeira, colocou-a perto dele e, dirigindo-se ao rapaz, falou:
- Sente-se aqui, meu filho. Fique calmo, fique calmo, tudo vai ser resolvido.
O rapaz sentou-se e o rezador colocou a mão na garganta dele, tentando localizar o coquinho.

Após alguns afagos e algumas palavras de ânimo, pediu um raminho de arruda que existia lá no final do terreiro. Já com o raminho na mão, ele foi fazendo o sinal da cruz e fazendo orações em silêncio. Pelo movimento dos lábios, víamos que ele estava rezando o Pai Nosso.

O rapaz foi acalmando-se, relaxando e, dentro de poucos minutos, engoliu o caroço preso na garganta. Deu um grito de alívio. Pronto estava resolvido o problema.
- Uma coisa milagrosa – pensamos todos.

Muito emocionados e aliviados, agradecemos ao senhor Antônio Batista e voltamos para casa, cada vez mais crentes na força da reza de vários rezadores existentes lá no sertão.

Naqueles tempos, final da década de 1940 e início da década de 1950, aquelas populações sertanejas, distantes das cidades, sem médicos, sem hospitais, sem nenhuma proteção de políticas públicas, quando tinham problemas de saúde, buscavam recursos caseiros e, em certos casos, buscavam a ajuda de rezadores. Essas providências, que certamente tinham a ajuda da Divindade, geralmente davam certo.

Hoje, nestes tempos de ansiedade e incertezas, lembro-me do seu Antônio Batista – o rezador, que para as crianças era o velhinho, mas na verdade, era um jovem de 80 anos, que transmitia serenidade, ânimo e esperança: “Fique calmo, fique calmo, tudo vai ser resolvido”.

Tenho hoje a idade dele e lembro-me da sua jovialidade, como a de Chico Buarque, jovem de 76 anos, que canta: “Não se afobe, não/Que nada é pra já”. E lembro-me também do Sidarta Buda, do escritor Hermann Esse, que, indagado sobre a vida, diz: “Trabalho, oro e espero”.

Neste tempo de “pandemia” e outros vírus que assolam nosso país e o mundo, com governantes incompetentes e de má vontade, está fazendo falta a magia, a serenidade, a bondade e a força da reza do seu Antônio Batista. Ele seria necessário para retirar os caroços das epidemias e dos maus governantes, presos em nossa garganta.


                                    

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