LAMPIÃO, REI DO CANGAÇO·
Edmílson Martins
Maio/2020
Eu tinha onze dias de
idade, quando Lampião foi morto, junto com parte do seu bando, em 28 de julho
de 1938, em Sergipe, pela polícia. Dizem que alguém ligado a ele o traiu,
levando a polícia à grota onde os cangaceiros dormiam.
Durante minha
infância e adolescência, ouvi muitas histórias sobre as aventuras de Lampião e
seu bando no sertão nordestino. Era apontado como um personagem polêmico. Havia
histórias contra e a favor acerca do chamado Rei do Cangaço, uma espécie de
guerrilheiro do sertão.
Uns contavam que
Lampião, por ter sofrido injustiças, junto com sua família, tornara-se rebelde
e justiceiro. O pai teria sido assassinado por poderoso dono de terras. E
diziam ser ele generoso para com os pobres e cruel para com os ricos, por uma
espécie de vingança.
E havia alguns
testemunhos. O meu avô contava que um dia ia pela estrada a cavalo, quando
encontrou o bando de Lampião. Alguns cabras tentaram tomar o cavalo dele. Ele
então se dirigiu ao Rei do Cangaço e pediu para não levarem o cavalo, porque
era o único meio de transporte que tinha e que era pobre e precisava daquele
animal. Então Lampião mandou que os cabras lhe devolvessem o cavalo.
O meu pai também
contava que um dia o bando chegou à nossa casa. Lampião, dirigindo-se a ele,
disse que só queria comida para sua gente, descansar e um guia que indicasse os
caminhos com destino a Pernambuco. Contou o meu pai que, depois do almoço, ele
agradeceu e partiu com seus cabras, guiados por um homem, conhecedor das
estradas do sertão.
Mas havia outros que
contavam ser Lampião um bandido violento e perigoso, que praticava crueldades
por onde passava. Havia até pessoas que diziam ter participado da Força
policial que perseguia o bando.
Eu, como a criançada
do meu tempo, ficava com a imagem do Lampião herói, injustiçado e justiceiro. E
ficava entusiasmado com as histórias contadas sobre ele, principalmente aquelas
histórias que narravam as suas ações exigentes em relação aos poderosos
proprietários de terra. Falavam do dinheiro que exigia dos fazendeiros e que
eles tinham que dar.
Eu tinha simpatia por
ele, talvez, por viver num ambiente de injustiças sociais, problemas parecidos
com os que tinha sofrido Lampião, conforme narravam. Eu vivia no campo, com minha família, como ele viveu, e passava
fome em meio a grandes plantações, como na música do Geraldo Vandré “Pra não
dizer que não falei de flores”.
Diziam que os pais
dele tinham sido perseguidos e mortos por poderoso latifundiário, por causa de
terras que possuíam. Que ele e o irmão, não vendo saída, entraram para o
cangaço, que já existia naquela época.
O meu pai enfrentara
o mesmo problema. Tinha uma pequena propriedade no meio de um grande
latifúndio. “Era a parte que lhe cabia naquele latifúndio”, como diz o poema de
João Cabral de Melo Neto “Morte e vida Severina”.
Ele comprara essa
gleba de terra a duras penas, mas o latifundiário estava sempre querendo
tomá-la, como fazia com outros pequenos proprietários, que não reagiam.
Mas meu pai reagia.
Para defender sua propriedade, ele reclamava, gritava contra a invasão. Mas o
latifundiário não parava de invadir. Até que um dia, o meu pai tomou uma
decisão: mandou dizer ao invasor que iria derrubar as cercas colocadas. O
portador foi meu irmão Joaquim, que disse ao fazendeiro: - Não tente impedir,
porque o meu pai está disposto a tudo. E o meu pai foi derrubar as cercas, armado
de foice, machado e um fuzil. Só não houve confronto porque o fazendeiro lá não
apareceu. Mas as cercas foram derrubadas.
Por pouco não
aconteceu uma situação parecida com a da família de Lampião. Esses confrontos,
por causa da ganância dos poderosos donos de terra, sempre aconteciam no sertão
nordestino. E geralmente havia mortes.
As histórias narradas
sobre a vida de Lampião e suas aventuras pelo sertão, por causa das injustiças
que teria sofrido, juntamente com sua família, me fascinavam. Ele representava
a rebeldia, o protesto contra as injustiças e desigualdades sociais reinantes
no Nordeste.
Lampião entrou para a
História como uma figura polêmica: amado por uns e odiado por outros. E hoje,
existem, sobre ele, publicações para todos os gostos. Há várias interpretações
e avaliações sobre as aventuras do rei do cangaço.
Apesar de algumas
narrações negativas sobre Lampião, o que predominou na minha geração foi à
imagem do herói, do homem corajoso, em busca de justiça, que enfrentava os
poderosos e era generoso para com os pobres.
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