PADIM PADE CIÇO
Edmílson Martins
Maio
de 2020
Durante a minha
infância e adolescência no Sítio Ipueira, sertão do Ceará, onde nasci, ouvia
muitas estórias sobre o padre Cícero Romão Batista, de Juazeiro do Norte,
conhecido popularmente por Padim Pade Ciço.
Eram diversas as estórias de milagres, conselhos e
outras ações junto ao povo, principalmente, junto ao povo pobre. E muitos dos
sertanejos da região onde eu morava, devotos do Padim, todo ano, participavam
de romarias ao Juazeiro do Norte.
Para o sertanejo, o
padre Cícero era o “santo do Juazeiro”, louvado em verso e prosa. Sobre ele
surgiram muitos versos de cordel. E em poemas musicais foi cantado por Luiz
Gonzaga: “Minha Santa beata Mocinha/Eu vim aqui, vim vê meu padrim/Meu padrim
fez uma viagem, oi/Deixou Juazeiro sozim”.
Para os romeiros, o padre Cícero não teria morrido.
Teria feito uma viagem e um dia voltaria. E essa crença era radical, ao ponto
de o romeiro partir para a briga com quem dissesse o contrário.. O Padim estava
vivo e não abria mão dessa convicção.
Quando fui morar em Crato, cidade vizinha de Juazeiro,
fiquei mais próximo das estórias sobre o padre Cícero. Lá, as estórias eram
muitas, contra e a favor do padre Cícero, colocado como uma figura polêmica,
religiosa e politicamente.
Entre Crato e Juazeiro, havia uma rivalidade
histórica, social, cultural e política, que se aprofundara a partir das ações
religiosas, sociais e políticas do padre Cícero, junto ao povo do Juazeiro e
dos romeiros de outros Estados do Nordeste.
Essa rivalidade radicalizou-se, quando em 1913/14, nas
disputas entre as oligarquias dominantes do Estado do Ceará, o padre Cícero, já
prefeito do Juazeiro, liderou, com amplo apoio popular, um movimento para
derrubar o então governador do Ceará, Franco Rabelo. Houve confronto armado e
Crato ficou ao lado do governador, que foi derrotado e afastado do governo. O
padre Cícero tornou-se um dos políticos mais famosos do Nordeste, tornando-se
vice-governador.
Em relação a esse fato, cantou Luiz Gonzaga: “Sou
devoto/Sou romeiro/Devoto de meu Padrim/Felizmente o Juazeiro/Não lutará
sozinho. O santo Padim Ciço/Mandou a gente rezar/E a maldade dos homens/Nos
obrigou a matar”.
Na década de 1950, ainda era visível a rivalidade
entre as duas cidades. Uma vez - eu presenciei - um padre de Crato publicou um
artigo num jornal, dizendo que o padre Cícero teria sido um embusteiro,
condenado pela Igreja e que não era santo coisa nenhuma.
Isso provocou uma forte reação do povo de Juazeiro
contra o articulista. Houve manifestações, passeatas e comícios políticos, em
desagravo ao padre Cícero. A população de Juazeiro quis mostrar o quanto era
forte a sua devoção e respeito pelo seu patriarca.
Em Juazeiro, a rua e a praça principais têm o nome do
padre Cícero. Quando eu ia a Juazeiro, andava por toda a rua, até à praça. Em
todas as casas da rua, eu via um quadro com o retrato do padre. Isso
evidenciava a familiaridade que os moradores tinham com ele.
A multidão dos devotos de Juazeiro é multiplicada
muitas vezes pelas multidões de romeiros procedentes de todos os estados do
Nordeste. São caravanas e mais caravanas que enchem a cidade, em determinadas
épocas do ano.
O padre Cícero foi punido pela Igreja, que suspendeu
suas atividades de sacerdote, ou seja, ficou proibido de celebrar missas, ouvir
confissões e de ministrar outros sacramentos. Isso só fez crescer sua
popularidade e admiração entre as multidões de romeiros.
Agora, o Vaticano pôs fim à punição, que já durava um
século, após muitos apelos de devotos, autoridades eclesiásticas, intelectuais
e políticas do Nordeste e de todo o país. A reconciliação abre caminho para a
sua beatificação e até para canonização, como santo.
Eis um trecho da carta que o Vaticano enviou ao bispo
da Diocese de Crato, que trata do perdão às punições ao padre Cícero: "é
inegável que o Padre Cícero Romão Batista, no arco de sua existência, viveu uma
fé simples, em sintonia com o seu povo e, por isso mesmo, desde o início, foi
compreendido e amado por este mesmo povo".
Por fim, quero esclarecer que este texto é mais uma
contribuição, para as novas gerações, sobre a história de personagens
brasileiros que participaram, com veemência, do processo de libertação do nosso
povo. Essas figuras históricas, que lutaram junto ao povo, principalmente,
junto ao povo mais necessitado, jamais poderão ser esquecidas. São sempre
alimento e força para as lutas coletivas.