segunda-feira, 26 de novembro de 2018

OS VERDES E OS VERMELHOS




OS VERDES E OS VERMELHOS

                     Edmílson Martins
                     Novembro/2018

João de Lima Verde é um homem simples, do povo. Trabalha como porteiro de um edifício na Zona Sul do Rio de Janeiro. Veio do Nordeste, fugindo da seca, ou melhor, das injustas condições sociais de vida lá existentes.
João, de tradicional família cristã, chegando ao Rio de Janeiro, logo foi convidado a participar de uma igreja evangélica, dentre as muitas que existem em cada bairro da cidade.
 O tempo foi passando e João observava tudo que ocorria na cidade, no Brasil e no mundo. Agora estava bem informado. Possuía televisão, celular e tinha acesso às redes sociais.
- Agora, ninguém me engana – dizia João. Estou muito bem informado. O pastor me explica e eu vejo tudo pelo meu smartphone e no Jornal Nacional.
João via tudo que lhe era mostrado no Jornal Nacional e no seu celular: corrupção, mensalão, prisões de figurões da política, comunismo, fascismo, etc. Até viu de perto, em Copacabana, as manifestações pelo impeachment de Dilma.
Aquele povo todo vestido de verde, portando bandeiras verde-amarelas, tinha tudo a ver com o seu sobrenome.
- Viva o verde, vermelho é comunismo! – fala João com orgulho.
O verde, para João, significa paz, esperança, amor. Está na bandeira brasileira e faz parte do seu nome e das cores do país. Tudo isso está dito nos cartazes, nas faixas, nas redes sociais.
O vermelho, agora ele entende, significa sangue, violência, matança, coisa de comunismo. O pastor tem razão, é a cor do anticristo.
- Deus me livre! – diz João- Fico com o verde.
Então chegou a campanha eleitoral. E dois lados entraram em disputa. De um lado, os verdes, os puros, os combatentes contra a corrupção e contra o comunismo, que arma um grande esquema para dominar o Brasil e a América Latina, conforme divulgam. E João, esperto, detectava, pelo seu celular, a organização intitulada URSAL.
- Essa tal de URSAL é o grande esquema- dizia João.
Do outro lado da disputa, os vermelhos, que além de corruptos, eram comunistas, perigosos, os anticristos. Assim entendia João, conforme as informações que lhe eram passadas.
João posicionou-se:
- Fico do lado verde. E passou a odiar tudo que é ver vermelho.  Em cada objeto vermelho, via por detrás o comunismo. Deixou de usar camisa vermelha. Torcia pelo Flamengo, passou a torcer pelo Fluminense. Deixou de comer tomate, melancia, morango e outras frutas vermelhas.
- Tudo que é vermelho é comunista – sustentava João, sem perceber que seu próprio sangue é vermelho.
João passou a desconfiar de tudo que tem cor vermelha e de todos que usam roupas vermelhas.
Um dia, passando em frente a uma igreja católica, olhou pra dentro e viu alguém vestido de vermelho.
Parou e pensou:
- Bem que o pastor me falou: essa Igreja é do anticristo.
Resolveu entrar na igreja para ver de perto. Ficou assustado quando viu o padre usando paramentos vermelhos, cor que simboliza o fogo da caridade, ou seja, o amor e o sacrifício.
João ficou estupefato.
- Opa! Esse padre, usando roupa vermelha!  Faz parte do esquema, é, sem dúvida, comunista.
Chegando mais perto do altar, João viu um quadro de Jesus, com o coração sangrando.
- Meu Deus! – pensou João. Esse Jesus, expondo o coração vermelho! É comunista disfarçado. Não pode ser nosso mestre. Nosso mestre é verde. O pastor falou.
João não se conteve. Foi falar com padre:
- Seu padre, com essas cores vermelhas, esta igreja é de comunistas.
O padre sorriu e tentou explicar ao João os significados dos paramentos vermelhos:
- O vermelho que você vê, meu filho, significa o amor, o sacrifício, o sangue dos mártires, dos que doaram a vida pelo Reino de Deus, pela Justiça.
João não se conformou e falou:
- Justiça! O comunismo fala muito nisso. Esses mártires devem ter sido comunistas.
O padre continuou explicando:
- Jesus foi crucificado, teve o seu sangue jorrado na cruz, como prova de amor pela humanidade.
- Ah! Esse coração naquele quadro, com sangue vermelho! Sei não, parece coisa de comunista.
E assustado, logo saiu apressado. Nem se despediu do padre, que ficou estarrecido diante das exageradas preocupações daquele homem com o comunismo.




Nenhum comentário:

Postar um comentário